quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Capítulo 17 - Encontro


Tamborilando meus dedos na mesa dobrável de madeira, me desculpo com a garçonete que me pergunta pela terceira vez se já farei o meu pedido. Aproveito e pergunto o horário, também pela terceira vez. Ainda não são oito horas da manhã, e faz apenas três horas que falei com Marcelo.

Protegida na sombra do guarda-sol adaptado à mesa, na parte externa da lanchonete, separada da rua por um cercado de madeira, admiro a praça principal da cidade à minha frente. A lanchonete está quase deserta, colorida com as decorações de Natal que brilham com a luz do sol. As portas da igreja se abrem para a praça, e o sino começa a tocar, anunciando o início da missa natalina. Os primeiros fiéis entram, idosos, crianças, adultos, homens e mulheres, todos irradiando felicidade.

Decido-me por chamar a garçonete, que parece entediada quando se aproxima novamente da minha mesa, talvez por pensar que eu vá apenas perguntar as horas, ou por estar usando um chapéu de papai Noel, no qual não parece confortável. Eu peço um café com leite, entregando o restante do dinheiro como pagamento. Agora me restam apenas um cartão telefônico com cinco unidades, a roupa do corpo e a esperança de que Marcelo apareça.

Sorrio para as crianças que passam correndo, mostrando aos amigos seus variados presentes. Há pouco tempo eu era um deles, me preocupando apenas com que presente eu ganharia dos meus pais. Eu os invejo por sua inocência, e pela simplicidade de suas vidas, ausência de preocupações e qualquer responsabilidade, exceto a de ser feliz.

As ruas estão calmas, e as pessoas que saem de suas casas, vão caminhando para a igreja, enfeitiçadas pela magia do Natal. Agradeço a garçonete que entrega meu pedido, e lhe desejo um feliz natal, quando ela faz o mesmo.

O café com leite aquece meu corpo, mas o sinto estremecer, de uma forma boa, quando vejo o carro de Marcelo estacionar em frente à lanchonete. Meu coração bate desesperado contra as paredes do meu peito, como se quisesse se libertar e correr até ele.

Tento me conter, mas a antiga Manuela me proíbe de ser rígida comigo mesmo, e me permito chorar, quando me levanto e atravesso a calçada até ele. Marcelo sai do carro, ainda usando seu terno abarrotado, por ter saído do seu jantar de natal diretamente para a estrada, e mal posso descrever sua expressão.

Ele sorri tais quais as crianças que corriam com seus brinquedos, num misto de êxtase e incredulidade. Vejo as lágrimas em seus olhos, e compreendo que não há motivos para não extravasá-las quando se é por uma extrema felicidade. Seu corpo se choca contra o meu em desespero quando ele me abraça e me beija.

Eu me entrego aos seus beijos, e o abraço maravilhada, sorrindo quando o vejo se distanciar para encarar meu rosto, verificando se sou realmente eu, e se esse momento é real. E então choro quando Marcelo me abraça novamente, e sinto suas lágrimas molharem meu rosto, confundindo-se com as minhas.

As pessoas sorriem e observam curiosas nosso encontro emocionado, mas não me importo. Ainda no abraço de Marcelo, enquanto o conduzo para nossa mesa, a imagem de Dan vem à minha mente, mas eu a ignoro. Ele não merece interromper meu momento de felicidade.

Marcelo se senta à minha frente estupefato com um sorriso bobo fixo no rosto.

__Não é estranho que seja tão difícil de acreditar que tudo o que eu pedi nesses últimos dias seja verdade e esteja agora diante dos meus olhos? Manu... Manu... __Sussurra me beijando novamente entrelaçando suas mãos nas minhas. __Manu... Eu não quero acordar. Esse é o melhor sonho que eu já tive.

__Não é um sonho, é a verdade. __Sorrio admirando seus olhos brilhantes pelo reflexo de suas lágrimas, e o beijando novamente. Repreendo-me por olhá-lo e não achá-lo tão maravilhoso como antigamente. Talvez eu não possa mais amá-lo de uma forma sonhadora, encantada por sua beleza angelical e seu porte atlético, mas sim racionalmente, pela pessoa bondosa e amorosa que ele é e sempre foi comigo. Beijo-o novamente, e seu toque me acalma, embora os flashbacks do toque e dos beijos de Dan invadam minha mente, me perturbando.

__Meu Deus, Manu. O que houve? Eu não acreditei quando ainda naquela madrugada se espalhou a notícia de que havia um incêndio na sua casa. Quando cheguei os bombeiros já estavam tentando extingui-lo, apenas para impedir que se propagasse para a vizinhança, porque não havia sobreviventes. Eu não acreditei. __Eu o ouço narrar emocionado, com seu olhar desfocado, como se presenciasse novamente aquela noite terrível não apenas para ele. __Você não poderia ter morrido. Não poderia ter me deixado. Meus pais haviam ido comigo e me consolaram. Ah, Manu. Mas isso não importa. Você está aqui comigo de novo, não faço idéia de que maneira, mas sou grato. __Conclui abraçando-me novamente.

__Tudo bem. __Respondo me aconchegando em seu abraço protetor, agradecendo por poder ser apenas uma menina assustada em seus braços, não precisando impressioná-lo nem construir uma barreira ao redor do meu coração, para impedi-lo de entrar.__É bom ouvir sua voz.

__Ah, Manu. Eu não sei se mereço tudo isso. Poder abraçar e beijar você depois de tudo o que aconteceu. Meu Deus. É bom demais para ser verdade.

Ele me beija novamente e eu retribuo, agradecendo a calma que ele me passa, embora as lembranças de Dan ainda não tenham me abandonado, e percebo que por mais que eu mantenha meu coração aberto para Marcelo, Dan não o deixa entrar.  Somos interrompidos pela garçonete que parece tímida ao nos oferecer o cardápio o qual eu recusara antes. Marcelo ainda me abraçando o aceita e olha para mim preocupado.

__Meu Deus. Você já comeu alguma coisa hoje? É melhor pedirmos alguma coisa.

__Um sanduíche integral e um suco de maracujá.

__O mesmo para mim. __Marcelo pede ainda me contemplando. __E seus pais? Onde eles estão?

__Eles... Eles realmente morreram.

__Eu sinto muito, Manu.__Lamenta me abraçando apertado contra seu corpo, beijando meu rosto com doçura, e afagando meus cabelos. __É tudo tão absurdo para mim. Como isso aconteceu? Só você sobreviveu? E onde você esteve esse tempo todo? Por que deixou que todos pensassem que estava morta? E aquele corpo que eu vi?

__É uma história complicada, Marcelo. E ela parece confusa até para mim.

__Sou todo ouvidos. A não ser que você não queira falar sobre isso.

__Tudo bem... __Inicio tentando dar uma seqüência lógica aos fatos. __ Você se lembra daquele homem que morreu na minha festa de aniversário?

__Sim. Como poderia esquecer o dia em que começamos a namorar? __Sorri beijando minhas mãos.

__Ele era um executor.

__Executor? __Pergunta olhando-me preocupado. __ É o que eu acho que significa?

__Um matador de aluguel. __Sussurro, embora a essa hora a lanchonete esteja praticamente deserta. __Ele era um dos executores que pretendiam me matar, mas um deles, o homem com o qual eu conversava no bar naquele dia, me defendeu o matando. Eu não disse nada porque não estava certa quanto ao que acontecera, e estava assustada. Mas foi esse mesmo homem que incendiou minha casa, matando meus pais. Entretanto ele me salvou por não tê-lo entregue à polícia na minha festa, e colocou outro corpo no meu lugar, para todos pensarem que eu estava morta.

__Como assim? Você tem certeza do que está falando, Manu? __Marcelo me pergunta preocupado, com um ar de dúvida nos seus olhos fixos nos meus.

__Infelizmente sim. É uma loucura. Meus pais estavam fazendo alguns negócios ilegais e acabaram caindo na própria armadilha. E eu caí junto. Essas pessoas para quem meu pai trabalhava quiseram se vingar por ele estar querendo deixá-los, e conseguiram.

__Seus pais? É difícil de acreditar que eles tenham se metido nesse tipo de coisa. Mas essas pessoas, para quem seus pais trabalhavam, sabem que você sobreviveu?

__Sim. Graças à minha própria infantilidade. Esse homem que me salvou, o Dan...__Falar seu nome faz um calafrio percorrer meu corpo, como se o tivesse chamando. __Eu não acreditei nele. Achei que estava me seqüestrando, pois me manteve presa numa casa por algum tempo, e então eu fugi para procurar a polícia.

__E fez muito bem.

__Não. Eu acabei sendo pega por alguns dos subordinados do mandante da morte dos meus pais. E o Dan me salvou...

__Onde ele está agora?

__Deve estar na casa onde estamos morando.

__E por que você só me procurou agora, Manu? Você não faz idéia do quanto eu sofri esses dias. Nunca parei de pensar em você, num só momento.

__Eu não quis te envolver, Marcelo. Nem agora eu deveria ter feito isso.

__Você está arrependida por ter me ligado? __Marcelo pergunta parecendo chateado.

__Não! Mas agora você está envolvido. Eles nunca me deixarão em paz. Eu não quero que cacem você como estão fazendo comigo nem que o torturem. Quando eu soube que todos imaginavam que eu estava morta, decidi deixá-lo livre. Para continuar sua vida normal. E agora estou sendo egoísta trazendo você para o caos que é a minha vida.

__Como assim me deixar livre, Manu?! Minha vida que estava um caos sem você. Eu sou seu namorado. Tudo que te faça mal também me faz mal. Eu estou com você em todas as horas, as boas e ruins. Você não deveria ter demorado tanto para me ligar. Mas vamos recuperar o tempo perdido. Você vem comigo?

__Para onde, Marcelo?! Eles me encontrarão onde quer que eu esteja.

__Nós vamos à polícia, e meu pai é advogado, Manu. Ele vai nos ajudar. Vai ficar tudo bem, ninguém vai suspeitar de você.

__Suspeitar de mim?! __Exclamo incrédula, contendo meu tom de voz.

__Sim, Manu. Apenas você sobreviveu, mas não se preocupe. __Continua se levantando da cadeira.__É melhor nós irmos, meus pais nem sabem para onde fui.

__Você não entende a magnitude da situação, Marcelo. Eles são terríveis, poderosos. E eu não sei até que ponto a polícia os acoberta. Os homens que me capturaram quando fugi tinham distintivos. E eu não posso te envolver nisso.

__Então qual é a sua idéia, Manu? __Pergunta voltando a se sentar.

__Eu não sei o que fazer. Mas ninguém pode saber que estou viva. __Insisto.

__Manu, me ouve. Nós vamos até a polícia, eles te darão proteção. Há tantas pessoas que amam você. Eu, meus pais que adorarão hospedá-la na nossa casa, as garotas que ficaram apavoradas com a sua morte. Todos protegeremos você. E com tudo o que você disser para a polícia irá ajudá-los a prender os culpados, o assassino dos seus pais e essas pessoas para quem seu pai trabalhava.

__Não, o Dan apenas me protegeu esse tempo todo. __Afirmo tentando convencê-lo, sabendo que mesmo que eu odeie Dan, não posso esquecer tudo o que ele fizera por mim.

__Manu, eu não entendo muito desses assuntos de crimes e assassinatos. Mas esse cara é muito suspeito, não apenas pela morte de seus pais, que nós já sabemos que é o culpado, mas dessa história toda. É claro que ele estava seqüestrando você com alguma intenção obscura, e tentando assustá-la para que confiasse nele.

__Como assim?

__Você não acha muito suspeito que ele tenha salvado você duas vezes sem qualquer motivo plausível aparente? E é muita coincidência que quando você consegue fugir dele, já se depare com dois captores que nem sabiam que você estava viva. O que eles estariam fazendo em outra cidade? Ele deve estar lhe assustando com essas idéias para que você não fuja novamente, e confie nele. Você deve ter um valor maior viva do que morta, só não sabemos para quem.

__Você acha que ele vai me entregar para alguém?

__Sim. __Marcelo prossegue em seu raciocínio que me parece cada vez mais convincente. __Por que ele estaria te salvando por todo esse tempo? Apenas pelo prazer da sua companhia? Uma pessoa desse tipo não saberia dar valor a isso. E por que a polícia não pode saber que você está viva? Para que ninguém possa atrapalhar o trabalho dele. Ele já disse o que planeja fazer com você?

__Antes ele dizia que iria me deixar em algum lugar seguro fora do país, mas agora que eles sabem que estou viva, vai tentar conseguir reforço e está investigando até onde se estende o poderio desses homens.

__Desculpa, Manu. Mas você está se enganando. Como ele pode não saber nada sobre quem o pagou para matar sua família? É melhor nós procurarmos meu pai e a polícia. Você vai poder descansar e esquecer todo esse pesadelo. Está na hora de acordar. __Sorri me beijando, como um príncipe encantado me despertando de um sono que já durava mais tempo do que eu desejava e que me aterrorizara com seus terríveis pesadelos. Sorrio novamente, o abraçando quando nos levantamos, após Marcelo deixar o pagamento sobre a mesa.

Sim. Marcelo me despertou do pior pesadelo que eu já tivera e tudo ficará bem. Eu me espanto por ter sido tão ingênua acreditando que Dan me mantivera viva esse tempo todo apenas em recompensa a um favor que custara a vida dos meus pais, ou até mesmo por nutrir algum sentimento por mim, como eu quisera acreditar. Felizmente, eu finalmente fizera o certo pedindo ajuda a Marcelo. O olhar imparcial de alguém que não passara por minha dor, e muito menos se deixara encantar pela aura misteriosa de Dan, conseguiu responder as perguntas que me perturbaram por todos esses dias.

Eu nem ao menos titubeio em acreditar. Se Dan fora capaz de me ferir como fizera na noite de Natal, nada que Marcelo me diga me será impossível de acreditar. Abraçados nos dirigimos ao carro, e a vida me sorri quando a calma me invade, mas mal posso sentir seu gosto, ao ver um carro escuro estacionar em frente à lanchonete. E eu nem ao menos posso gritar. O pesadelo apenas dera uma pequena pausa, mas agora retorna com todo seu horror.

Marcelo ainda sorri me conduzindo à rua, mal percebendo o que nos espera, enquanto meus olhos aguçados já acostumados a esperar o pior observam três homens à paisana descerem do carro. Eu quase compartilho o sorriso confiante de Marcelo, tentando acreditar que estou apenas paranóica e esses são homens totalmente honestos vindo tomar o primeiro café-da-manhã do Natal.

No entanto, minha ilusão que ainda nem me convencera se dissipa, quando eles nos cercam, fazendo Marcelo ficar tenso no meu abraço, quando visualiza as armas que eles nos apontam, ordenando que entremos no carro sem chamar atenção. Olho para o lado e vejo a garçonete pegar o dinheiro que havíamos deixado na mesa. Ela nos olha despreocupada, como se apenas estivéssemos dando informações a turistas, e nem ao menos parece alarmada, quando entramos no banco traseiro do carro.

Marcelo tenta disfarçar seu pavor, mas posso sentir sua mão úmida apertando a minha. Seu outro braço rodeia minha cintura e me segura apertada contra ele. Seu olhar está perdido através da janela, e seu coração bate acelerado no seu peito, no qual apóio minhas costas.

Eu me ajeito ao seu lado, para encarar seu rosto angelical assustado, fazendo-o sorrir sem graça ao perceber a direção do meu olhar. Ele me beija com seus lábios trêmulos e frios, tentando me manter calma, embora ele mesmo não consiga, e ainda sorrindo sussurra ao meu ouvido.

__Não se preocupe, Manu. Tudo vai ficar bem.

Eu sorrio e o beijo demoradamente de volta, ignorando os três homens que permanecem em silêncio, enquanto nos encaminham para a estrada, na direção oposta da minha cidade natal. E o vejo parecer aliviado, ao imaginar que conseguiu me acalmar, ao dizer que tudo ficará bem. No entanto, dessa vez eu sou esperta o suficiente para não acreditar nele.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Capítulo 16 - Fel


Encaro o teto do quarto sem saber se acabo de acordar ou se realmente tudo acontecera. No entanto, ainda posso sentir o cheiro de Dan em meu corpo, seu toque e meus lábios ainda lembram seus beijos.

            Abraço-me ao travesseiro, perdida na escuridão do quarto. As imagens e as sensações que haviam me invadido nessa noite inesquecível me invadem para meu suplício. Não me recordo de ter sentido isso antes. Nem mesmo por Marcelo. Nem mesmo acreditava ser capaz de sentir algo semelhante.

            O que acontecera? Num segundo eu me encantava com os fogos de artifício e no outro estava nos braços de Dan. Eu não sei o que teria acontecido se ele não tivesse me afastado. Eu não me responsabilizava por mim mesma. Nos braços de Dan, minha consciência se esvaíra e eu apenas conseguira me concentrar no que ele me fez sentir.

            E fora maravilhoso. Indescritível. Mas ele fugira. Por quê? Eu me entregara de corpo e alma, eu me oferecera, e Dan me rejeitara. Nunca poderia imaginar que eu ainda sentiria tamanha dor. Agora parece me faltar um pedaço, o único que realmente valia a pena. Sinto-me vazia, desamparada, mas incapaz de chorar, o que só aumenta minha dor, pois não posso libertá-la. Quando mais preciso da antiga Manuela, ela me abandona.

            Eu sou incapaz de entender o que se passou, tudo acontecera tão rápido, como uma queimadura com um ferro em brasas. Dan havia apenas me tocado por alguns segundos, mas agora eu sentia seu nome escrito em rastros de fogo na minha pele e nas minhas entranhas.

Apenas queria que ele estivesse comigo, quero sentir novamente o que ele me fez sentir. Eu não sei se o amo. O amor é uma palavra muito forte, e talvez eu já a tenha usado imprudentemente, mesmo assim, isso parece ser o mais perto do que cheguei desse sentimento.

            Não sei há quanto tempo estou aqui solitária, fazendo perguntas sem respostas. Por que ele me rejeitara? Talvez ele não sinta o mesmo. Então o que eu vira no seu olhar? Não parecia desprezo, ou indiferença. E ele me beijara. Não apenas uma vez. Ainda posso sentir cada contorno do seu corpo e a maciez segura dos seus lábios na minha pele. Talvez qualquer homem fizesse o mesmo nessa situação, uma vez que fui eu que comecei. Contudo, mesmo com a dor pela rejeição, na qual eu me impeço de acreditar totalmente, não me arrependo. Essa fora a melhor noite da minha vida, e ao contrário de querer nunca ter permitido que esse sentimento insano crescesse em mim, apenas queria que ele sentisse o mesmo, ou que pelo menos me aceitasse.

            Mas se não consigo nem entender meus próprios sentimentos, como poderei entender os dele? Eu nunca poderei encará-lo novamente se realmente me rejeitou, insisto buscando explicações que não essa para Dan ter fugido. Talvez tivesse sido melhor ter me controlado. Nem mesmo sei o que se passou na minha cabeça para beijá-lo. Eu apenas encontrei seus olhos, e por um segundo pareceu haver algum sentimento por mim, atração, paixão, ou amor, mas não indiferença.

            E por que eu inventara de fazer esse jantar, me arrumar, comprar um vestido novo? Talvez essa tenha sido minha intenção desde o início. E agora deveria arcar com as conseqüências. Meu coração se aperta quando imagino que ele nunca mais voltará, pensando que sou louca, alguma garota fútil, ou pior, uma promíscua. Talvez imagine que eu faria isso com qualquer um, e me é terrível imaginar que nunca poderei dizer a ele que é o único. O único que despertara esse sentimento descomedido em mim, que agora parece ter sempre existido, desde o meu aniversário, porém só agora percebo.

            Nem mesmo fui capaz de trocar a roupa e tirar a maquiagem. Talvez seja a esperança, minha única companheira na minha solidão, que me impede de desistir, esperando que Dan retorne arrependido e possamos retornar de onde havíamos parado.  Apenas as sandálias descansam ao lado da cama.

A luz da lua entra pela janela, formando diferentes imagens no meu corpo, as quais observo numa tentativa de conter a angústia da espera. O silêncio da casa me aflige. E meu coração dispara quando ele é interrompido pelo som do carro de Dan.

            Não me impeço de saltar da cama, sem me importar com as sandálias. Ele voltou. Sorrio, cantando vitória contra minha consciência que quase me convencera de que ele não retornaria, agradecendo à minha esperança que mesmo abalada não me abandonara. Talvez Dan estivesse apenas confuso, nós conversaremos, e tudo voltará a ser como antes, talvez ainda melhor. Verifico meu aspecto no espelho, e agradeço por não ter chorado, assim minha maquiagem está intacta.

            Tentando controlar meus tremores de excitação e ansiedade, dirijo-me à porta do quarto quando ouço Dan abrir a porta da casa. Esforço-me para mostrar meu melhor sorriso, enquanto abro a porta, ou talvez deva parecer indiferente, afinal ele fugira, ou ainda aborrecida. Mas antes que eu possa decidir qual expressão mostrar, acabo escolhendo pela de dor, muito maior do que a sentida quando fui torturada, e quase tão grande quanto a que sentira ao saber da morte dos meus pais.

            Dan atravessa cabisbaixo o corredor. Ele não encara meus olhos, e posso perceber que não está bêbado, embora traga uma garrafa quase vazia de uísque numa das mãos. Eu não posso acreditar no que vejo. Meu coração se aperta tanto em meu peito, que mal posso senti-lo quando se parte em minúsculos pedaços. E como o copo de vidro no qual eu pisara, podia sentir seus cacos perfurarem minha carne.

 Ainda trêmula, segurando-me à porta que me serve de apoio, me esforço para não chorar, impedindo que a antiga Manuela se mostre, embora ela grite em desespero no meu interior. Eu desvio meu olhar enojada, no entanto acabo encontrando o da mulher que está abraçada a ele.

Ela tem os cabelos loiros tingidos e curtos, e sua maquiagem pesada está um pouco borrada, principalmente nos lábios. Dan a segura pela cintura descoberta, uma vez que ela veste apenas uma blusa curta, e uma saia ainda menor, com bota de cano alto.

O seu ar vulgar não é pior que a face impassível de Dan. Ele nem ao menos percebe minha presença, embora eu permaneça estupefata me apoiando na maçaneta da porta, olhando-os com horror. Eu não entendo o que está acontecendo, pareço estar num pesadelo, entretanto sei que estou desperta, pois a dor que me atinge é tão forte que não me permitiria dormir. Ela está agarrada ao seu pescoço, segurando outra garrafa quase vazia, parecendo realmente alcoolizada, com um sorriso estranho nos lábios enquanto me encara.

__Temos companhia, querido. __Ela diz sorrindo, se apertando no abraço de Dan.__Eu não me importo, e ela é linda.

Eu estremeço diante da proposta implícita no seu sorriso malicioso. Controlo minhas náuseas que já haviam surgido desde que os vira, e não sei por quanto tempo a porta ainda agüentará meu peso, antes que eu caia ao chão. O olhar frio de Dan se dirige ao meu rosto, e por mais que eu tente desviar, não consigo impedi-lo de me encarar.

Eu espero encontrar algum resquício do que eu vira mais cedo, ou pelo menos algum sinal de humanidade, mas seu olhar é repreensivo e quase de desprezo, e as lágrimas ficam mais difíceis de serem controladas. Não posso chorar! Exclamo para mim mesma. Não vou deixá-lo ver o quanto está me matando por dentro. Tento encará-lo com ódio, mas imagino que apenas minha dor transparece.

__Ela está fora disso. Somos só nós dois. __Responde voltando o olhar para ela, a qual me encara novamente com um olhar cúmplice, enquanto Dan a encaminha para seu quarto.

E antes que Dan a deixe entrar na sua frente, a ouço sussurrar para mim ainda sorrindo:

__Desculpa, mas ele é bom demais para eu não terminar o que a gente começou.

E então ele fecha a porta sem olhar para trás, deixando-me sozinha no meu desespero.

Eu corro para a cama, me escondendo embaixo dos lençóis, com a cabeça debaixo do travesseiro, pedindo que minha consciência apenas me deixe em paz. A antiga Manuela vence minhas defesas, e me vejo chorar, soluçando como uma criança, lamentando minha dor, a qual apenas aumenta. Os meus gritos morrem antes mesmo de alcançarem meus lábios, enquanto meu coração bate descompensado contra meu peito, e eu me surpreendo por ele ainda demonstrar alguma reação.

E eu lamento por ter me enganado, achando que aprendera alguma coisa com a minha dor. Percebo que continuo a mesma criança ingênua e sonhadora que se deixou encantar e iludir pelo mistério que ronda Dan, e que acredita no melhor das pessoas. Eu entreguei meu coração ao assassino dos meus pais. E agora que ele o rejeita, ao invés de agradecê-lo por me despertar da minha fantasia, sofro por não vê-la realizada.

Meu coração readquire seu ritmo normal, quase sem mais forças para se contrair quando a vida parece sem sentido, e as lágrimas se tornam esparsas. Abraço-me ao travesseiro, mas logo percebo que não deveria ter feito isso, pois sem tê-lo me protegendo os ouvidos, escuto os sons do quarto ao lado e eles não são os mais agradáveis.

Realmente, se essa é sua intenção, Dan conseguiu provar que é a pior pessoa que conheço, e não entendo como acreditei ter visto algum lado bom nele, e como posso amá-lo. Sim, os sentimentos que não me pareciam claros agora são quase gritantes para mim.

Eu o amo. Se não o amasse, se ele não ocupasse a maior parte do meu coração, a dor não seria tão grande agora. Ele fizera isso para me atingir. E mesmo com toda a sua crueldade não pode nem imaginar o quanto conseguira. Eu mal consigo respirar sob as cobertas, apertando o travesseiro contra meu rosto, embora ainda consiga ouvir a voz da mulher.

A dor não é o mais inteligente dos sentimentos, e eu nunca tomara boas decisões sob seu efeito. Mas quem se importa? Nada que ela me traga será pior do que isso. E então, num ímpeto, me levanto da cama, ainda em prantos.

É uma decisão egoísta, eu provavelmente me arrependerei dela depois. Mas quem se importa?! Eu não me importo. Não agora. Até mesmo minha consciência parece entorpecida pela dor, e mesmo que ela estivesse desperta eu não a ouviria.

No espelho do banheiro, me deparo com meu reflexo assustado, com o qual começo a me acostumar. Odiando a mim mesma por permitir que Dan ainda tenha o mesmo efeito em mim que causara na minha festa de aniversário, lavo meu rosto manchado pela maquiagem misturada às lagrimas, e ajeito meu cabelo. Procuro uma roupa mais quente, arrependendo-me de tudo o que eu fizera. Eu fora ridícula, fazendo um jantar, me arrumando para uma pessoa que só merecia meu ódio e desprezo.

Já passam das três horas da manhã, quando vou à cozinha e pego o pouco do dinheiro que restara após pagar o táxi. Na sala, encontro a porta sem estar trancada e a atravesso decidida, me proibindo de olhar para trás.

Vestindo uma camiseta, minha calça jeans e um casaco, enfrento a noite fria que se estende à minha frente, percorrendo as ruas da cidade com meus passos cansados. Alguns carros passam por mim, e me aperto em meu casaco, evitando olhares curiosos. Não há um único táxi que possa me levar ao centro, mas a caminhada me parece uma opção melhor para organizar meus confusos pensamentos, e o que eu pretendo fazer pode ser feito em qualquer lugar.

 A noite está movimentada, as pessoas não se incomodam comigo, nem se surpreendem ao ver uma garota andar sozinha pelas ruas no meio da madrugada, então nem preciso me impedir de chorar, tendo minhas lágrimas logo dispersas pelo vento frio.

Entro num bar escuro e abafado, onde entrego parte do dinheiro, pedindo um cartão telefônico. Há homens e mulheres se divertindo, bebendo e dançando e imagino que Dan possa ter encontrado sua companheira aqui. Eu quase me identifico com eles, pessoas solitárias comemorando o Natal sozinhas e tentando encontrar uma companhia antes que a noite acabe.

Protejo-me no telefone público. O vento gélido bagunça meus cabelos, e trêmula digito os números que já sei decorados. O telefone toca algumas vezes, e cruzo os dedos para que alguém atenda. Meu pedido é atendido quando ouço uma voz meio sonolenta e confusa ao telefone, fazendo a calma me envolver, enquanto sem sucesso me impeço de chorar.

 __Alô. Quem fala?! __Ouço Marcelo perguntar quando permaneço em silêncio, sabendo que qualquer coisa que eu diga será ininteligível por entre as lágrimas.

­­__Sou...eu...__Choramingo mais calma, graças ao efeito quase imediato de sua voz.

__Quem? __Insiste, parecendo quase assustado.

__Sou...eu...Manuela.

Um silêncio aterrorizante persiste do outro lado da linha e eu imploro a Deus que não permita que ele desligue.

__Isso é uma brincadeira?__Sua voz está vacilante e posso ouvir sua respiração ansiosa. __Eu não acho engraçado.

__Você precisa acreditar em mim, Marcelo... __Exclamo tentando conter minha aflição, para não assustá-lo ainda mais.__É uma história louca, mas eu preciso de você.

__Você é doente! O que você quer com essa brincadeira de mau gosto?! Eu vou descobrir quem é você e isso não vai ficar assim! __Vocifera exaltado, embora eu perceba sua voz embargada.

__Eu me arrependo tanto de não termos ido para aquele quarto na noite da nossa formatura. __Digo desesperada para que ele acredite, embora minhas frases sejam soltas, e não façam sentido. __Nós iríamos ter nossa primeira noite na nossa festa de domingo que nunca houve, embora você tenha me dito que seria na segunda-feira, e que nunca nos esqueceríamos dela. Na noite de formatura, você me deu um anel de compromisso, dizendo que apesar de outros caminhos estarem nos sendo apresentados queria que eles continuassem entrelaçados.

__E eu estou com ele guardado junto com o meu. Eu peguei de volta do dedo da Manu, pouco antes do enterro dela, para sempre me lembrar dela. Você está brincando com um assunto muito sério. Eu vou desligar.

__Não, Marcelo. Sou eu. A sua Manuela. __Choramingo, quase desistindo ao ouvi-lo incrédulo.__Eu amo você. Como eu saberia dessas coisas?! Faça-me alguma pergunta. Qualquer pergunta.

__Eu não vou fazer nenhuma pergunta. Você vai saber as respostas. Eu aposto que é uma piada do Alexandre ou da Martha. Fala para eles que estão de parabéns, até mesmo a voz é idêntica. Mas não se faz uma piada com esse tipo de coisa.

__Não é uma piada! __Insisto chorosa. __Você pelo menos viu o meu corpo? Não era eu!

__É claro que eu vi. E pare de falar na primeira pessoa, como se você fosse a Manu. Pelo menos tenha respeito pelos mortos. E o corpo dela estava desfigurado, eu nem ao menos pude reconhecê-la, exceto pelo anel. __Continua com a voz emocionada. __Eu a amava, e ainda não a esqueci, e acredito que nunca esquecerei. Ainda não cicatrizou, e não sei se um dia eu poderei rir de uma piada como essa. Tenha uma boa noite.

Eu afasto o telefone. E percebo que não tenho esse direito. Ele ainda está sofrendo, e não quero fazer com ele o mesmo que Hugo fizera comigo, reabrindo minha ferida que começava a cicatrizar. O arrependimento me invade, e eu não sei quantas vezes mais tomarei medidas precipitadas e infantis, acreditando estar fazendo o certo, porém sem me importar com os sentimentos alheios. Mas não posso desligá-lo.

Colocando-o de volta ao meu ouvido, percebo que Marcelo também não desligara, e ouço sua respiração ansiosa do outro lado.

__Marcelo?

__Oi.

__Eu não tenho o direito de fazer isso com você. É melhor você esquecer essa conversa. Eu não quero machucá-lo, reabrir essa ferida que eu mesma causei. Eu não deveria ter ligado, voltado a interferir na sua vida, quando você começava a me esquecer. Nós tivemos ótimos momentos, momentos inesquecíveis, mas isso agora faz parte de um tempo que não voltará. De uma Manuela que nunca existirá novamente. Você está certo. A Manu está morta.

__Eu nunca me esqueceria de você. __Marcelo diz com a voz entrecortada, parecendo emocionado.

__Ah, Marcelo...__Choramingo com a voz embargada, como se visse as primeiras luzes do sol após uma longa e turva noite, invadida por uma felicidade que me aquece o coração ferido. __Obrigada por acreditar. Eu estou sendo tão egoísta trazendo você para esse pesadelo no qual vivo desde que nos separamos naquela quinta-feira. Eu quero tanto você aqui comigo, mas não tenho certeza se é seguro nós nos encontramos. Eu falava sério quando disse que não quero machucá-lo.

__Manu... É claro que temos que nos encontrar. Mesmo que eu não acreditasse nessa ligação, mesmo que fosse uma brincadeira, eu nunca perderia a mínima oportunidade de encontrar você. Eu não perderei você novamente. Eu amo você. Onde você está?

__Marcelo, você não imagina como é bom ouvir isso. __Agradeço com meu coração esboçando um sorriso, embora ainda esteja machucado. __Mas não é seguro. Não quero envolvê-lo nisso. É um pesadelo horrível.

__Eu não me importo. Eu quero estar onde quer que você esteja. Eu quero você. __Afirma parecendo mais seguro e quase animado.

__Meus pais não morreram num acidente, Marcelo. Eles foram assassinados. E agora há pessoas tentando me matar também. __Confesso imaginando se eu acreditaria se estivesse em seu lugar.

__Você tem certeza, Manu?!  Quem poderia matar seus pais? E quem poderia querer a sua morte?

__É complicado, mas não posso falar sobre isso por telefone.

E então me despeço marcando um encontro com Marcelo numa lanchonete próxima à praça da cidade. Eu duvido que Dan me procure após o que aconteceu, e não sei no que Marcelo pode me ajudar. No entanto, eu nunca precisara tanto do seu amor como agora. Distanciando-me, com um sorriso nos lábios, do telefone público, me dirijo ao centro da cidade, onde Marcelo me encontrará daqui a quatro horas. E como mágica, sinto os pedaços do meu coração começarem a se juntar novamente, embora ainda possa sentir o fel da dor escorrer pela minha boca.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Capítulo 15 - Gosto


O seu gosto é amargo, mas não de um jeito ruim, se tornando quase adocicado quando alcança a parte mais profunda da minha garganta. Experimento novamente. É um gosto diferente, e sinto que a cada vez que prová-lo, ficará apenas melhor, se confundindo com o gosto natural da minha boca.

Satisfeita, descanso a colher nas bordas da panela. Ouço um som agudo e abro sorridente o forno, no qual o termômetro elétrico apita, indicando que o peru está pronto, e pela sua coloração dourada no ponto certo, parece perfeito. Com a ajuda da luva de cozinha o retiro do forno. Ele não está tão pesado, pois eu comprara um pequeno, uma vez que seria apenas para mim e Dan.

Repouso a bandeja na mesa da sala, a qual eu enfeitara com uma toalha de estampas natalinas. Despejo o molho ainda quente, que acabara de experimentar, num recipiente de vidro e o coloco também na mesa. Verifico novamente, toalha da mesa imaculada, duas cadeiras, dois pratos, talheres, taças, recipientes com arroz, salada, colheres para se servir. Tudo está pronto.

Indo à cozinha, verifico o champanhe que permanece na geladeira para que não esquente. Tudo pronto. Já passam das onze horas da noite. Véspera de Natal.    

Indo ao meu quarto, tentando controlar a ansiedade, me encaro no espelho. Cabelos soltos e obedientes com seu brilho natural recuperado após tê-los lavado com xampu e condicionador adequados para suas raízes oleosas e pontas secas. Maquiagem leve, dando um ar natural, e disfarçando os machucados que já quase haviam desaparecido.

Giro, olhando todos os meus ângulos no espelho. O vestido que eu comprara é simples, mas tem um brilho próprio, e sua cor escura realça minha pele clara, além de sua forma valorizar meu corpo.

Reprimo minha consciência quando ela me pergunta o que estou fazendo, verificando o jantar, a casa e o meu aspecto pela milésima vez na noite. Dou um último retoque no batom, que borrara quando eu experimentara o molho, e volto para a sala. Sento numa das cadeiras encarando a porta pela qual Dan entrará a qualquer momento.

Meu pé balança inconscientemente dentro da minha sandália de salto médio que eu comprara. Tudo bem que eu estou dentro de casa, mas é Natal, acho que posso usar uma sandália mais chique nessa ocasião.

Onze e meia. Ótimo. Sem sinal de Dan. A insegurança me angustia, talvez ele passe a noite fora.

Atravesso a sala, indo para o corredor no qual há as portas da cozinha, dos dois quartos, um do lado do outro, do banheiro e da área de serviço, procurando sem sucesso algo para aliviar minha ansiedade.

A cidade para a qual nos mudamos é pequena, um pouco distante da minha antiga cidade, mas acolhedora, com suas casas simples, porém espaçosas, separadas da vizinhança pelos muros baixos. Eu já a visitara algumas vezes com meus pais, para fazer compras, pelo seu menor preço e suas manufaturas, uma vez que no comércio sua economia se baseia. As ruas e casas ainda estavam mais enfeitadas que na minha cidade, pisca-piscas, lâmpadas coloridas, guirlandas e árvores de natal nas lojas que abriam. Anjos de metal com luzes douradas se distribuíam pelos postes da praça principal, onde uma árvore frondosa esculpida como um pinheiro se estendia rodeada de pingentes brilhantes e multicoloridos.

Apesar de a cidade ser primariamente comercial, havia lanchonetes, bares e restaurantes, além de lindas paisagens naturais felizmente preservadas, árvores dispersas pela cidade, algumas inclusive esculpidas nas mais diversas formas na praça principal da cidade, em frente à igreja.

Dan permaneceu silencioso pelo restante do caminho, não parecendo observar a cidade, enquanto continuava seu percurso. Eu já acreditava que essa era apenas mais uma das cidades pela qual nós passaríamos, antes de chegar ao nosso destino, quando Dan desacelerou o carro ao chegamos à parte mais periférica da cidade. Havia apenas casas esparsas e a partir dali a estrada continuava em declive.

Estacionando o carro, antes de descer para abrir o portão da garagem da casa, Dan me informou, sem muitas palavras, que ficaríamos alguns dias. Era bom entrar numa casa novamente após passar tantos dias quase vivendo na estrada. Ela parecia arejada com um pequeno jardim ao lado da garagem apertada, e suas amplas portas e janelas baixas de madeira.

Carregando minha mala, atravessei a porta da casa, me deparando com a sala, mais espaçosa do que a da casa na qual eu ficara com Dan. Havia um conjunto de sofá próximo a uma estante de livros com uma televisão, além de uma mesa e algumas cadeiras, numa espécie de sala de jantar improvisada. Dan me informou que fora aqui que ficara na época em que nos conhecemos, e ainda tinha alguns meses de aluguel pagos. Surpreendi-me por haver dois quartos, se apenas Dan morara aqui, porém era a única casa já mobiliada disponível, pois os donos estavam viajando, segundo o que me disse.

Meu quarto era quase aconchegante com um guarda-roupa com espelho, uma cama de casal confortável, com criados-mudos, abajures, cômoda, largas janelas com cortinas de tecido, ar-condicionado, além de ser uma suíte, assim Dan não mais precisaria ver meu terrível aspecto pela manhã.

Guardei minhas poucas roupas, numa das gavetas, esperando que Dan não aparecesse e me impedisse, dizendo que logo iríamos embora. Distribuí meus objetos pessoais sobre a cômoda, ajeitando-os, e sentindo-me quase no meu quarto. Um otimismo me invadira desde que eu me conformara e parara de lamentar minha antiga vida que não voltaria e tentei aproveitá-lo.

Indo a sala, me deparei com Dan que já se preparava para sair.

__Aonde você vai? __Indaguei me impedindo de me preocupar por ele estar acordado há mais de vinte e quatro horas.

__Ao escritório do seu pai, reconhecer o território. __Respondeu já se dirigindo à porta, tendo trocado a camiseta por uma mais social.

__Eu posso ir com você?

__Eu já disse que não. E ao escritório do seu pai?! É óbvio que eles reconheceriam você.

__Eu posso me disfarçar. E apenas me achariam parecida. Ninguém acreditaria que estou viva. E por que não reconheceriam você? Muitas pessoas da minha cidade viram você na minha festa.

__Podem ter me visto, mas não realmente prestado atenção. Duvido que se lembrem de mim. Essa é outra qualidade minha. Eu sou quase invisível.

__Mas eu vi você na minha festa, e quando você estava saindo também. E mesmo que tudo aquilo não tivesse acontecido, eu ainda me lembraria de você. Você é diferente... __Terminei a frase num murmúrio ao imaginar como ele interpretaria tal declaração.

__Espero que isso seja apenas com você. __Redargüiu parecendo incomodado. __E acho melhor você não sair da casa, mas você não está presa. __Concluiu deixando uma chave da casa sobre a bancada da janela, próxima à porta, por onde saiu sem se despedir.

Ele chegou apenas no início da noite sem muitas notícias. Retornando nos dias seguintes à cidade, dando-me permissão para que apenas almoçasse no restaurante próximo e fizesse algumas compras no supermercado, ao me deixar um de seus cartões de crédito, algumas notas de dinheiro e minha identidade falsa para qualquer eventualidade.

A maioria dos arquivos do meu pai era comum, negócios da empresa de investimento antigos e sem importância. Dan ainda conseguira invadir o escritório do meu pai, no entanto, o cofre que encontrara e abrira estava vazio, o que apenas comprovava que mais alguém havia vasculhado a sala à procura de informações. Ele evitava me contar detalhes, contudo havia outro cofre que não conseguira abrir. E eu me esforçava em procurar possíveis senhas sem sucesso.

Eu percebi que ele começava a considerar tal tarefa sem muitas chances de êxito, e me esforcei para ajudá-lo. Entretanto, os dias passaram em silêncio, interrompidos apenas pelas minhas idéias súbitas da possível senha, oito letras, sem números.

No táxi que me levava ao restaurante, um diferente a cada dia, para evitar que lembrassem meu rosto, o taxista de sotaque espanhol, me cumprimentou com um feliz natal caloroso, sorrindo ao me ver confusa por já ser dia 24 de dezembro. Um sentimento de nostalgia me invadiu, enquanto eu admirava as pessoas passando pelas lojas sorrindo com seus familiares e amigos, e então me decidi a fazer algo especial. Dan era minha família, e eu lhe devia eterna gratidão, além de ele estar com dificuldades.

Eu nunca aprendera a cozinhar, no entanto enquanto percorria as prateleiras do supermercado, me esforçava para lembrar quando fazia compras com minha mãe. Era divertido vê-la escolher rigorosamente os ingredientes dos pratos que preparava em ocasiões especiais. Enquanto entregava as compras a Juan, o taxista que colocava as sacolas no porta-malas, desejava que Dan não me recriminasse por ter usado seu dinheiro para futilidades, como talvez ele imaginasse.

O movimento na cidade era intenso, com todas as pessoas deixando para comprar na última hora seus presentes de natal, e num impulso repentino me vi adentrar uma loja de roupas, envergonhada por ainda vestir o vestido que Dan comprara em algum supermercado. Controlei meus gritos de excitação ao admirar as peças de roupa. Nunca fora viciada em compras, mas elas sempre foram uma boa terapia.

Um vestido mais lindo que o outro, e eu podia sentir, que onde quer que minha mãe estivesse me aprovaria nesse momento. Experimentei blusas, sandálias, vestidos, calças, sem conseguir me decidir. Até que o vi. O vestido perfeito para a sandália que eu até já escolhera. Simples, mas sob medida, se ajustando perfeitamente ao meu corpo. Na altura perfeita das minhas coxas, nem muito curto, nem muito puritano. Apertado na cintura, e se encaixando perfeitamente em meus seios, seguros apenas por suas finas e delicadas alças.

Ainda sorrindo, tentando reprimir minha imaginação que fantasiava a respeito do que Dan pensaria ao me ver arrumada, entreguei a sandália e o vestido para a vendedora que aprovou minha compra, desejando que eu tivesse um Natal maravilhoso. E então senti meu ar faltar. Não por qualquer futilidade como compras ou a sandália mais perfeita. Era algo assustador, e não pude disfarçar meu pânico para a atendente, que me ofereceu um copo de água, o qual recusei querendo fugir dali. Era como ver um fantasma, mas no caso, o fantasma era eu.

Luana e Matheus entravam na loja abraçados. Ela saltitava, com os cabelos mais curtos balançando aos seus movimentos, e seu olhar brilhante ao admirar tudo e todos. Ela dava gritos de excitação ao ver os vestidos, os quais eu antes reprimira, com os braços rodeando o pescoço do namorado, que encantado sorria timidamente. Eu escondi meu rosto dentro dos meus cabelos, recebendo minhas sacolas e saindo como um raio da loja.

Correndo pela rua, contendo as lágrimas, que traiçoeiras haviam aparecido sem o meu chamado, entrei numa livraria para recuperar o fôlego. Eu estava feliz por ela, tentava me convencer. Por todos os anos que eu a conhecera, desde a infância, nunca a vira tão radiante. Assim como Matheus, que parecia imensamente feliz, ruborizando a cada grito da namorada. E não pude me conter de invejá-la.

Luana que sempre fora a mais pessimista das minhas amigas, que relutava em acreditar na beleza da vida, agora a transbordava. O seu sorriso e seu ar juvenil, com todos os sonhos e o mundo inteiro a seus pés. A paixão que transparecia em seu sorriso, no seu olhar sonhador e até mesmo na sua respiração.

Eu a invejei. A antiga Manuela era como ela, sonhadora, feliz, com o amor transbordando de seu peito. Mas então eu me repreendi por tê-la invejado. Se eu tivera que amadurecer tão rapidamente, ficava feliz e desejava que ela pudesse viver a ilusão de uma vida perfeita por muito tempo.

E então, quando as lágrimas que há pouco haviam sido derramadas desapareceram, subitamente percebi que ficava cada vez mais parecida com Dan. Cética e racional. E então saí da livraria, sorrindo para a vendedora que ficara preocupada com a forma que invadira a loja, e andei calmamente com minhas sacolas até encontrar Juan, descansando num bar, pedindo a ele que me levasse para casa.

Meus pensamentos são subitamente surpreendidos pela chegada de Dan. Ele retira seu casaco, descansando-o em seu braço, deixando à vista sua camiseta preta apertada, a qual revela os contornos dos seus músculos bem trabalhados, numa perfeita combinação com seus jeans escuros, e então me encara surpreso. Vejo seus olhos rapidamente percorrerem toda a sala, a mesa enfeitada com as comidas, as taças, os talheres, minha sandália, meu vestido e enfim meu rosto.

É como estar sendo avaliada esperando sua nota, e eu estremeço ao perceber que estou sendo reprovada.

__Qual é a piada? __Dan pergunta sem parecer estar achando graça, apenas aborrecido e cansado.

__Feliz Natal! __Ouço-me dizer com minha voz falha para minha eterna vergonha. Nunca havia me sentido tão ridícula antes, contudo me empenho em manter meu sorriso artificial no rosto.

__Natal?! De todas as coisas com as quais você poderia estar se preocupando, você se concentrou no Natal?! __Indaga incrédulo fitando-me quase enraivecido.

__Foi você mesmo quem me disse para curtir o momento... __Rebato disfarçando sem êxito minha decepção. __É o que estou fazendo. É véspera de Natal! Tempo de paz...

__Nós estamos no meio de uma guerra. E você é a causadora. E eu não acredito em Natal! De onde você tirou essa idéia?! Depois de tudo, você ainda acredita nessas baboseiras?

__Então ignore o Natal. __Continuo numa tentativa frustrada de não ter minha noite destruída. __É só um jantar, que parece realmente bom. Você poderia pelo menos comer alguma coisa.

__Eu estou sem fome... __Conclui voltando à sua impassibilidade habitual.

__Eu comprei champanhe, se você quiser. __Insisto começando a me levantar da cadeira. Nada está funcionando como o planejado, mas eu não desisto fácil.

__Como você comprou uma bebida alcoólica? __Pergunta me enfrentando e me retendo em minha cadeira.

__Eu tenho uma carteira que diz que tenho 18 anos, esqueceu?! E, fala sério, é champanhe! Não é nenhum crime.

__Que roupa é essa? Você vai sair?

__Não. É Nat... Tudo bem, é um jantar especial...

__Manuela, você está de batom? __Pergunta, mais afirmando com um ar aborrecido e alerta. __O que você está tentando fazer?

__Eu estou tentando ter uma noite agradável! __Exclamo levantando-me da cadeira, e me equilibrando nos meus saltos, não mais me importando em salvar uma noite já perdida. Eu realmente me esforçara em dar um momento agradável a Dan, sem executores, assassinatos, cofres, nem segredos. Apenas nós dois comemorando o Natal. __O que parece ser impossível na sua companhia! Droga! Eu estou tentando agradecer tudo o que você tem feito por mim. Fiz um bom jantar, e quis me vestir à altura. Mas tudo bem. Tudo esfriou. Tudo já deve estar uma droga mesmo. __Choramingo, não mais me preocupando que minhas lágrimas infantis possam borrar minha maquiagem, retirando as bandejas. No entanto, antes que possa levantá-las da mesa, sinto a mão de Dan segurando firme meu braço.

__Tudo parece ótimo... __Murmura, parecendo vencido. __Eu não estou nos meus melhores dias. Ainda não descobri qual é a senha. E é quase impossível violar a porta do cofre.

__E você tem algum dia bom? __Pergunto encarando-o chateada, tentando sem sucesso libertar meu braço preso em sua mão, reprimindo as lágrimas que forçam sua saída.

__Não, desde que eu inventei de te salvar. __Diz e eu posso quase ver um humor nos seus olhos antes de desviar meu rosto.

__Sinto muito. Agora pode me soltar. Eu tenho que tirar essa fantasia ridícula.

__Você não está ridícula. __Ouço-o dizer baixo, como se não quisesse ser ouvido.

__Patética talvez seja uma palavra mais adequada. Ou infantil. Ou mimada. __Prossigo e me surpreendo com as lágrimas. Eu não acredito! Essa Manuela havia desaparecido! O que ela está fazendo aqui agora me forçando a chorar?! Já não estou sendo ridícula o suficiente?! Questiono inconformada a mim mesma.

__Sem autoflagelação, Manuela. Eu realmente agradeço seu esforço. E você não é nada do que está falando. Você é uma garota incrível.

__Você não precisa mentir para mim. Eu não me importo. Você mesmo já disse que eu só tenho lados ruins. Você vê algum lado bom em mim? __Indago procurando seus olhos com os meus marejados, quando o percebo soltar meu braço, permanecendo em silêncio. __Eu sabia. Você estava mesmo certo com a sua teoria de que ninguém vale a pena.

__Você vale a pena... Apesar de tudo.

__Apesar de eu ser ridícula.

__Para de dizer isso. É melhor nós comermos.

__Perdi a fome. __Concluo, pegando um prato e estendendo a ele, enquanto permanecemos em silêncio.

 

O jantar estava realmente ótimo, uma vez que eu acabara comendo para tentar aproveitar o resto da noite, que não parecia de todo perdida. Dan se ofereceu para retirar a mesa, parecendo quase arrependido pela maneira com que recebera a minha surpresa. Enquanto comíamos, não trocamos muito palavras, mas pelo menos não discutimos nem nos machucamos, como era de costume quando conversávamos.

Distraída, contemplando a mesa de jantar já vazia, me assusto com o som dos fogos de artifício que prenunciam o Natal. Corro para abrir a janela e me surpreendo por os habitantes dessa pequena cidade terem esse costume, todavia logo meus pensamentos se esvaem enquanto me maravilho com a dança das cores no céu negro e estrelado, em suas diversas formas, alcançando alturas variadas.

Um espetáculo criado pelos homens tentando imitar a beleza das estrelas cadentes, com raios de luzes multicoloridas se espalhando pelo céu, e caindo como uma chuva de prata em direção ao solo. Os sons dos estouros não mais me assustam e me percebo lembrando meus pais, desejando que eles não me recriminem por nunca ter tido tanta vontade de viver. 

Dan parece sem jeito quando se aproxima da janela para vê-los, e sorrio para que ele se aproxime. No entanto, ele permanece numa distância segura, com a expressão séria, observando o céu. Sua expressão não demonstra emoção, na verdade, parecendo estar com a mente distante. E eu me entristeço por ele não conseguir enxergar a beleza desse momento.

Infelizmente Dan vira apenas o lado triste e desagradável da vida, sob as lentes escuras e distorcidas da morte. Só imaginar tudo pelo qual ele já passara faz meu coração se encolher dolorosamente em meu peito, e talvez a minha missão, se eu ainda tenho alguma, seja fazê-lo ver e sentir a beleza.

__É lindo, não? __Começo sem receber resposta, a qual eu não esperava, apenas desejando interromper seus pensamentos sombrios. Os fogos de artifício já diminuem sua freqüência, entretanto agora são os mais bonitos que voando alto atingem o céu como um clarão se espalhando por ele e colorindo-o diversas vezes.

__Eu vejo um lado bom em você, Manuela. __Dan começa parecendo desconfortável e relutante em encarar meus olhos, no entanto acabo encontrando seu olhar, o qual me é indecifrável. __Na verdade, você é a melhor pessoa que conheço. Você não merece nada disso que está acontecendo. Eu realmente sinto muito.

Talvez tenham sido os fogos, me contagiando com sua euforia explosiva, ou a magia do Natal, e sua irrealidade infantil, a interferência dos meus pais, onde quer que estejam, ou a beleza da noite, o que ainda nos espera, ou o que já vivemos, as tantas vezes que ele me salvara, o jantar, ou suas palavras. Mas acredito que tenha sido o seu olhar enigmático.

Entretanto, com meus olhos mergulhados naquele olhar sombrio, vejo meu corpo, quase que involuntariamente, se aproximar do de Dan, que permanece estático me encarando, e minha mão subir á altura de sua nuca, trazendo seu rosto com delicadeza à altura do meu. E então, antes que qualquer resquício de racionalidade possa me impedir, me percebo encostando meus lábios levemente aos seus.

 É como se uma explosão se iniciasse. Como a pólvora sendo incendiada pela chama de uma simples fagulha. Num segundo meus lábios encostam-se aos de Dan e no outro sinto seus braços rodearem minha cintura, enquanto sua boca ávida procura a minha, beijando-a com urgência.

O seu gosto é amargo, mas não de um jeito ruim, se tornando quase adocicado quando alcança a parte mais profunda da minha garganta. Experimento novamente. É um gosto diferente, e sinto que a cada vez que prová-lo, ele ficará apenas melhor, se confundindo com o gosto natural da minha boca.

Suas mãos percorrem meu corpo, e eu o abraço forte para que nunca se separe de mim. O seu cheiro inebria minha mente, e sinto minha consciência se esvair, enquanto me perco em seus carinhos. Seguro seu cabelo que escorrega por entre meus dedos, e quando ele me senta na bancada da janela, eu deslizo minhas mãos para dentro de sua camisa, sentindo sua pele contra a minha, e seus músculos contraídos em tensão.

Ele mergulha seu rosto em meus cabelos, seguros em sua mão firme, beijando minha orelha, e meu pescoço, e eu me contorço de prazer no seu abraço, desejando que isso nunca acabe. Sua boca procura novamente a minha, e eu a entrego sem resistência, sentindo sua língua explorá-la. Eu o trago para mais perto de mim, pressionando meu corpo contra o seu, como que para fundi-los num só.

Porém eu teria caído da minha posição, se ele não tivesse me colocado em pé num impulso, distanciando-se de mim subitamente, parecendo transtornado.

__Não. __Diz com a voz entrecortada, e sua respiração ofegante. Seu olhar parece turvo e num ímpeto ele pega seu casaco e a chave do carro que descansava no braço do sofá. __Você está confundindo as coisas, Manuela.  

__O que houve, Dan?!__Exclamo resfolegante ajeitando meus cabelos e meu vestido. No entanto, ele não deve ter ouvido, pois já desaparece entrando no carro e saindo como um raio.