quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Epílogo


Marcelo parece satisfeito me conduzindo em meio à multidão. Todos me cumprimentam e ainda parecem admirados com a minha trágica história. Mas eu ignoro seus olhares ora curiosos ora condescendentes.

Eu sorrio para Marcelo que tenta me puxar para um dos brinquedos espalhados pelo parque de diversões em festa. É a primeira vez que me permito sair de casa, numa tentativa de me divertir, e nem ao menos sei quanto tempo faz desde que tudo ocorrera, apenas sei que parece ter sido bastante, uma vez que tudo me parece estranhamente novo. O sol irradiando minha pele, as pessoas e suas risadas, o vento soprando meus cabelos, as crianças correndo excitadas, os passarinhos indo ao chão comer grãos de pipoca, o cheiro da grama e da natureza à nossa volta.

Tudo ganha uma nova beleza e eu a absorvo em toda sua intensidade. Na mão de Marcelo segura à minha, posso sentir o anel de compromisso, embora o meu permaneça guardado com ele. Eu nem ao menos sei se um dia voltarei a usá-lo, mas a companhia de Marcelo, um amigo especial e compreensivo, é como um antídoto para minha dor, embora ela ainda permaneça comigo.

Talvez por ele ter compartilhado parte do meu pesadelo, ou até mesmo por ter acreditado em mim e me ajudado sem hesitar quando precisei, mas em sua companhia não me sinto completamente vazia.

Eu sorrio maravilhada por a vida me parecer novamente benevolente, embora eu não a tenha perdoado, apenas decidido lhe dar uma chance de me provar que ainda vale a pena. Por Dan, em sua memória. E, percorrendo o parque movimentado, encantada por não me sentir tão solitária, agradeço quando um vendedor me oferece um balão em forma de coração.

 Talvez tenham sido esses pensamentos, ou o sol, ou o vento em meus cabelos, ou a felicidade que me invade. No entanto, por apenas um instante eu encontro o rosto de Dan na multidão, os mesmos olhos, entre doloridos e resignados, os cabelos escuros caindo-lhe sobre eles, o nariz harmônico, os lábios convidativos, os jeans escuros, e a camiseta de uma banda de rock desconhecida, coberta por seu casaco.

Sinto meu coração parar, fazendo meu sangue se esvair do meu rosto, como se apenas tomasse impulso para começar a bater enlouquecidamente contra meu peito, forçando sua saída, livre para procurar Dan em meio à multidão, uma vez que meus olhos já o perderam. Contudo, por ele ainda estar convalescente, seu movimento repentino apenas o faz doer ainda mais.

Talvez tenha sido um impulso gerado pela dor súbita em meu peito, ou a esperança que Esther plantara, mas que permanecera adormecida por todo esse tempo, e que agora ao receber seu primeiro alimento, se permite germinar. Entretanto, me vejo soltar a mão de Marcelo e correr em meio à multidão, procurando em todos os rostos aquele olhar que eu já me convencera de que nunca me abandonaria. Continuo a correr, não me importando quando me debato contra as pessoas, nem quando meu fôlego começa a faltar, nem mesmo ao me ver chorar. Porque eu não permitirei que Dan fuja novamente. Não se eu puder fazer algo para impedi-lo.

Contudo no meio da minha perseguição ineficaz deixo escapar meu balão que sobe ao céu decididamente. E então eu entendo o que ainda me era um mistério e permito que ele vá e encontre Dan. Porque eu já sei que o lugar do meu coração não é mais no meu peito, que se tornou um solo árido e infértil, e sim com Dan, onde quer que ele esteja.

E vendo meu coração ir ao céu decidido, percebo que foi Dan que o chamou, para que eu nunca me esqueça de que tudo realmente aconteceu.

Capítulo 29 - Quimera


É estranho que eu me veja rodeada pelas mesmas pessoas que estavam comigo na primeira vez que eu vira Dan, exceto por ele não estar aqui, nem ao menos estar respirando o mesmo ar que eu respiro em algum lugar no mundo.

            Já faz duas semanas que eu soubera de sua morte, completando um mês que eu o vira pela última vez, e sentira o toque dos seus lábios por apenas um milissegundo, do qual eu jamais me esqueceria.

Talvez eu já soubesse que nós nunca mais nos encontraríamos, mas o consolo de saber que ele vivia em algum lugar no mundo, sentia o mesmo sol dourar sua pele, a mesma brisa bagunçar seus cabelos, e o mesmo ar preencher seus pulmões ainda me traria alguma felicidade. Ou talvez a dor, amenizada pela esperança de um dia nós nos reencontrarmos, seria menor.

Mas agora tudo me traz lembranças dele, ver cada pessoa que já estivera em sua presença, e até eu mesma. Eu o sinto impregnado em minha pele, como uma cicatriz. Ouvir minha própria respiração me lembra o som da sua, sentir meu toque me lembra o seu, até mesmo o seu cheiro ainda está em mim.

 E eu me vejo ser abraçada por minhas amigas quando começo a soluçar caindo em prantos, o que apenas me entristece ainda mais, ao vê-las se esforçarem sem sucesso em fazer cicatrizar as feridas que ainda sangram me consumindo por dentro.

E eu choro por elas me pedirem para desabafar, e eu não poder fazer isso, porque elas se assustariam e não entenderiam. E mesmo que eu pudesse, não conseguiria, uma vez que a dor que me aflige é incapaz de ser expressa em palavras, gestos, expressões, nem mesmo em gritos agonizantes. Uma vez que toda sua magnitude pode ser apenas sentida, e é o que tenho feito por todo esse tempo.

Elas parecem preocupadas ao tentarem me consolar, e vejo refletido em seus olhares alarmados e cúmplices, numa tentativa de encontrarem as palavras certas a serem ditas, o quanto pareço arrasada. Elas mal sabem que não há palavras que sejam ditas, atos que sejam feitos, ou até mesmo promessas de um futuro melhor, que sejam capazes de me curar.

Porque para o que aconteceu não há volta, só me restando lamentar, me mantendo viva das lembranças da felicidade que me repletara e da vontade de fazer meus pais felizes. Mesmo estando alienada do mundo à minha volta, apática pela minha própria dor constante, eu podia ver o sofrimento dos meus pais, condescendentes à minha dor, logo quando deveriam irradiar felicidade por se verem finalmente livres.

Eu me esforcei tentando mostrá-los o mínimo de regozijo com as boas novas, mas podia ver em seus olhos cansados que não conseguia. Por fim, decidi apenas poupá-los de presenciarem meus momentos de mortificação. Uma vez que nos primeiros dias, os meus sonhos apenas pioraram, não havendo mais sonhos bons, em que eu relembrava nossos momentos felizes, apenas terríveis pesadelos, onde Dan era torturado até a morte pelos algozes contratados por Silas.

Podia ouvi-lo urrar de dor, e eu fazia o mesmo para mostrá-lo que sua aflição não era maior que a minha, e tentava consolá-lo dizendo que pelo menos seu sofrimento terminaria rápido, com sua morte, enquanto eu viveria o resto da minha vida com ele em minha alma.

E então encontrava seu olhar entre acusador e decepcionado, ainda pior do que vira dos meus pais, quando percebia que era eu quem o torturava. O seu rosto machucado me encarava com seu olhar triste, me fazendo correr para abraçá-lo, para tê-lo em meus braços apenas mais uma vez, afastar os cabelos que lhe caíam sobre os olhos, e beijar seus lábios feridos, sentindo seu corpo próximo a mim, para que nunca mais se afastasse.

E eu me via acordar chorando e gritando, tremendo e tossindo ao perceber que Dan nem ao menos tivera direito a um enterro digno. Possivelmente o seu corpo jazia em alguma vala, ou fora dilacerado por abutres. Eu tinha que controlar minhas náuseas ao imaginá-lo sendo torturado e se decompondo em algum lugar imundo, e não foram poucas as vezes em que eu precisara correr ao banheiro e vomitar.

À medida que eu via meus pais se revezarem para irem ao meu quarto ver se eu estava bem, tentei diminuir os meus gritos de desespero, que foram substituídos pelos meus tremores e espasmos de dor, que se tornaram cada vez mais fortes, mas pelo menos meus pais pareceram acreditar que eu melhorara.      

Eu me sentia no mesmo abismo lindo em que Dan me levara, onde nós nos amamos pela última vez, no entanto, isso agora não me trazia uma boa sensação. Era como se eu estivesse caindo, temendo me despedaçar no choque com as pedras, desesperada com a iminência da morte, até o ponto em que sabemos que não há mais volta, e só nos resta desejar que a colisão não seja muito dolorosa e que a morte seja rápida.

 É a sensação do desespero da queda associada a uma colisão lenta e contínua, em que eu me sinto despedaçar pouco a pouco, sentindo toda a sua dor, sendo que o consolo da morte nunca vem.

Encontro os olhares ainda preocupados das garotas, que parecem em dúvida se devem continuar no meu quarto em silêncio ou irem embora me deixando sozinha na minha dor. É a primeira vez que elas me visitam, embora no dia seguinte ao que soubemos da morte de Silas tenhamos voltado à nossa cidade, e desde então elas pedem à minha mãe para deixá-las me ver.

Eu entendo a relutância da minha mãe em não autorizá-las. Não seria bom para ninguém que elas me vissem enquanto eu passava todo o dia ora gritando e chorando, ora inerte, quase inanimada. Minha mãe deve ter percebido minha aparente melhora, imaginando que agora seria seguro deixá-las me cumprimentarem.

Eu realmente estou me esforçando para não apavorá-las e até mesmo sorri quando as vi entrar como quem entra num hospital, no leito de alguém que estivera entre a vida e morte, o que não deixa de ser verdade, exceto que o meu quarto está mais parecendo um necrotério. 

E é tão doloroso ver o quanto elas se importam comigo, assim como meus pais. É difícil ver a vida que Dan se sacrificara para me dar de volta finalmente retornar. Talvez eu queira dizer a ele, onde quer que esteja, que eu não quero, que irei recusá-la e ele pode voltar para mim.

Porque mesmo amando os meus pais, as minhas amigas, eu sei que trocaria tudo para tê-lo de volta. Mas como ele mesmo dissera isso é exigir demais da vida. Então por que a vida não puniu a mim?! Talvez se eu soubesse que Dan não precisara morrer para me dar essa vida, seria mais fácil aceitá-la, sabendo que ele estava sendo feliz em algum lugar.

Elas parecem estar dizendo alguma coisa, mas mal posso ouvi-las. Uma dor súbita me aflige quando as vejo se levantarem se dirigindo à porta parecendo frustradas. Dan morrera para me dar a minha antiga vida, e se eu a recusasse estaria o deixando ter morrido em vão. Isso eu não posso permitir. Mesmo que não concorde com seus motivos, vou deixar sua memória viva em mim. Certa vez ele me pedira para obedecer a ele, e é isso o que irei fazer.

Dan me dera minha antiga vida de volta e sou incapaz de recusar qualquer coisa que venha dele. Querendo ou não, é na minha vida que a sua irá continuar. Talvez o nosso rápido encontro nessa vida em alta velocidade também tenha conseqüências maiores a longo prazo, além da dor e da lembrança do seu amor que me acompanham inexoráveis.

 Dan me fez ver com outros olhos a minha antiga vida, e ele conseguiu alguém para sempre se recordar dele após sua partida, uma vez que é na lembrança de quem nos ama que continuamos a viver.

E então quando eu as vejo abrirem a porta, começando a acenar em despedida, sem esperar qualquer resposta minha, eu digo, me surpreendendo com o som calmo da minha voz, uma vez que há muito tempo eu não a ouvia, exceto em gritos.

__Meninas, por favor, não vão.

Elas correm para minha cama emocionadas, cada uma sentando-se num pequeno espaço, felizes com seus sorrisos radiantes e seus olhos marejados, por eu mostrar qualquer reação, e eu sorrio de volta, libertando lágrimas, que pela primeira vez, são de felicidade.

__Oh, Manuela. Nós sentimos tanto sua falta. __Choraminga Thaís. Eu sei que ela já dissera isso logo que entrara no quarto, mas é como se fosse a primeira vez, e então eu respondo.

__Também senti saudades.

__Ah, Manuela. Nós quase enlouquecemos quando soubemos da sua morte. __Afirma Martha, segurando minha mão imóvel entre as suas.

__E depois com aquela história do Marcelo, então! __Ouço Bárbara declarar animada. __É claro que nós não acreditamos. Que absurdo! Eu não sei de onde o Marcelo inventou tudo aquilo! Você pagar para matar seus pais?! Meu Deus! Que absurdo!

__Mas o Matheus me disse que foi o pai dele. __Assegura Luana em defesa de Marcelo. __O Marcelo chegou todo ferido falando um monte de coisas. Primeiro o pai dele disse que era melhor não falar nada, não se meter. Mas o ataque é a melhor defesa, então tentou defender o filho, antes que a culpa caísse para ele. Mas o Marcelo não concordou com essa teoria de que você teria pagado e ainda estava tendo um caso com um assassino.

__Pois é. Caramba! E era aquele cara que estava no seu aniversário! __Exclama Bárbara em excitação. __Bem que eu o achei muito estranho! Todo esquisitão. Que louco! Seqüestrar você e seus pais, fingir que vocês estavam mortos para assustá-los, mantendo vocês vivos só para pegar mais dinheiro, e depois querer matá-los por vingança ao seu pai. E você ainda conseguiu fugir, procurou o Marcelo, mas depois voltou com medo de que ele fizesse mal a seus pais. Meu Deus! Que história maluca! Ainda bem que ele morreu.

Mesmo me esforçando para parecer calma e simpática, não consigo me impedir de chorar ao ouvir as palavras de Bárbara. Disso eu não pudera perdoar meus pais. Se contássemos a verdade ao voltarmos, descobririam os crimes do meu pai, e toda a rede de negócios ilegais de Silas, que agora pertence aos seus inimigos, agora aliados da minha família, teria sido descoberta. E todos, inclusive meu pai, seriam presos.

E então meu pai decidira contar essa mentira à polícia e à imprensa, justificando nosso retorno do mundo dos mortos, uma vez que apenas assim poderíamos voltar à nossa cidade, onde meu pai comprou outra casa, retomando seus negócios lícitos como investidor.

 Em troca de ter conseguido o apoio de Dan para executar Silas, e das informações que dera, meu pai finalmente conseguira se libertar, não sendo mais obrigado a se envolver em qualquer transação.

Eu ainda não recuperara minha consciência ao saber da decisão dos meus pais. Mas não contive um acesso insano ao sabê-lo. Dan fora nosso herói, se sacrificara para sermos livres, e agora seria o único vilão da história. Quando todos deveriam aclamá-lo como um herói, ele morreria como um criminoso. E eu nem ao menos posso contar a todos o quanto ele foi e ainda é especial para mim, e como era uma pessoa boa.

Por fim, ele morreu como a vida o fez, um assassino, um criminoso, uma pessoa má. E mesmo conhecendo a maravilhosa pessoa que ele fora, devo me manter em silêncio, para meu pai permanecer em liberdade, impune.

Minha mãe irritada me questionou se eu queria meu pai preso, toda nossa família vivendo à margem da sociedade, e, além disso, insistiu, Dan consentira caso isso acabasse acontecendo.

Eu calei meu ataque de protesto, por nem ao menos a memória de Dan ser preservada. Talvez Dan estivesse certo sobre a sua teoria quanto às pessoas. Ele estava correto ao considerar todos como seus inimigos, uma vez que até mesmo após sua morte, todos se comportam da mesma maneira.

E eu deixei de me importar, pois ninguém conheceu Dan como eu. Ele foi como uma raridade, uma preciosidade, e me sinto honrada ao perceber que fui a única que tive acesso a tal maravilha.

No entanto, ouvir Bárbara felicitando sua morte, é demais para eu suportar. E a ferida que começava a coagular transborda sangrante novamente.

__Nada disso importa mais. __Vejo Thaís começar, percebendo meu sofrimento. __Porque a Manu está aqui com a gente. Duvido que ela goste de recordar essas coisas. Ela ainda está muito abalada com tudo o que aconteceu.

__É verdade. __Martha concorda dando um olhar repreensivo à Bárbara que me pede desculpas com os olhos marejados. __A vida continua. E estamos aqui para lhe dar todo o apoio, Manu. Tudo o que você precisar, amiga. Mas acho que você ainda precisa descansar. Nós voltaremos amanhã sem falta.

__Obrigada por terem vindo. Eu... amo vocês.

Elas se despedem sorridentes com a minha melhora, satisfeitas consigo mesmas por terem me ajudado. No entanto, quando vejo todas saírem me acenando em despedida, percebo Esther que permanecera em silêncio se aproximar de mim, acariciando meu rosto.

__Manuela, seus pais devem ter seus motivos para estarem contando essa história. Mas eu sei que foi algo muito maior do que isso. Você não precisa e talvez nem possa me contar. No entanto, você não parece estar sofrendo pelo que passou, parece estar chorando por alguma perda.

__Esther... __Inicio admirando-me com sua intuição audaciosa. __Talvez seja melhor você não saber de nada.

__Eu vi o que aconteceu na sua festa de aniversário. Foi o Dan que matou aquele cara que estava apontando outra arma para você. Eu não falei nada, porque se alguém tinha ou não que falar alguma coisa era você. Deixei que você decidisse. Mas ele parecia estar protegendo você. E quando vi vocês dois conversando na festa, rolou alguma coisa. Eu pude sentir de longe. Nunca falarei isso para ninguém, eu juro. E só estou falando sobre essas coisas, porque imagino que talvez você queira desabafar, já que não pode falar com mais ninguém.

E então eu me vejo a abraçar trêmula, soluçando em seu ombro, sem conseguir me controlar quando ela parece pedir isso, que eu não me controle.

__Esther! É terrível! Ele morreu para me salvar. Eu o amo tanto. Tanto. Eu sei que parece assustador, mas o Dan não é assim como todos dizem. Ele era bom, apenas estava confuso, tinha idéias imprecisas. Mas ninguém acredita, ninguém nunca acreditaria.

__Eu acredito, Manuela. Se você está me dizendo, eu acredito. Mas ele morreu mesmo? __Pergunta me encarando com seu olhar inquisitivo.

__Morreu. E eu me sinto tão culpada. Nós estávamos tão bem, e então eu surtei, falei coisas que não devia. Eu fui tão infantil. __Lamento com minha voz entrecortada. __Ele disse que nós não podíamos ficar mais juntos. Talvez eu aceitasse isso, mas agora ele está morto. E dói tanto. Dói tanto que eu não sei por quanto tempo ainda conseguirei agüentar.

__Talvez você não devesse perder as esperanças, Manuela... __Comenta me analisando cautelosa, com um brilho intenso em seus olhos. __A morte dele me parece muito conveniente. Talvez ele ainda esteja... __No entanto, antes que Esther possa acabar e que eu comece a entender o real motivo de sua frase, vejo minha mãe surgir à porta, envergonhada por ter nos interrompido.

__Desculpa, meninas. É porque as visitas não param de chegar. O Marcelo está aqui, Manuela.

__Acho melhor eu ir. Nós nos vemos amanhã, Manuela. E não se esqueça do que eu disse. __E então vai embora, e eu puno meu coração por se encher de esperanças ao imaginar um sentido absurdo em suas palavras.

E antes que eu possa me despedir de Esther, vejo Marcelo entrar no quarto com um buquê de rosas brancas. Ele parece hesitante me observando à porta, e quando eu sorrio, se aproxima, sentando-se na poltrona próxima à minha cama, após me entregar o buquê, o qual agradeço, enrubescendo.

__Manu, você parece melhor. Eu não sei nem por onde começar... Eu sinto tanto por aquela reportagem idiota. O meu pai disse que era o melhor, e eu confesso que estava meio cego de ciúmes. A teoria que ele me explicou parecia absurda, mas você parecia gostar dele. Eu não entendi nada. Mas tudo felizmente já passou.

__Tudo bem, Marcelo... Você estava confuso. E quem não ficaria? Depois do que eu fiz você passar naquele dia, não tenho o direito de julgar nada do que você tenha feito.

__Eu nem acredito que você está aqui novamente. E você me dizendo que aquela Manu tinha morrido. __Sorri segurando minha mão nas suas, numa das quais eu vejo o anel de compromisso que ele me dera há mais de dois meses. __Ela está bem aqui na minha frente. Um pouco abatida e entristecida, mas aqui. Tudo o que eu pedi agora finalmente se realiza, do jeito que eu pedira. Sem mais medos nem assassinos ao redor.

__Marcelo, você está usando o anel...

__Ah, o anel... Desculpa. Eu não quero apressar nada, mas desde aquele dia o mantenho no meu dedo. Nunca perdi a esperança de que você voltaria para mim, e agora você está aqui.  Eu amo você, Manu. E quero que você saiba, que mesmo com tudo o que você falou sobre aquele cara, nada mudou em mim. Entendo que você estivesse confusa. Não me senti traído nem nada do tipo.

__Marcelo, esse não é o momento...

__Eu sei. Mas eu queria estar por perto, como seu amigo, se você permitir. __Pede disfarçando sua frustração com seu sorriso bondoso, fazendo meu coração apertar dolorosamente quando percebo uma cicatriz em seus lábios, lembranças de um dia que nunca esquecerei. __Eu quero cuidar de você, estar ao seu lado, ajudá-la a curar essas feridas. Certa vez, uma sábia garota me disse, quando eu acreditava ter perdido um grande amor, que eu deveria recomeçar, seguir em frente. E é isso que eu digo a você, Manu. E eu vou estar aqui para ajudá-la a percorrer esse caminho.

__Obrigada, Marcelo. __Agradeço o abraçando. Eu o vejo conter as lágrimas quando se afasta de mim, após beijar demoradamente meu rosto. Eu o beijo de volta grata por sua demonstração de carinho, e sorrio quando ele desaparece pela porta.

As lágrimas caem pelo meu rosto silenciosamente enquanto me indago se realmente mereço tanto amor. Eu tento disfarçá-las quando vejo minha mãe entrar, no entanto ela parece tão satisfeita, pegando as rosas dos meus braços, e colocando-as num jarro com água que ela mesma trouxera, que mal percebe minha dor. Mas eu não a culpo e retribuo seu sorriso quando me abraça extasiada.

__Manu, eu e seu pai estamos tão felizes que tudo esteja voltando ao normal. Nossa vida calma e feliz novamente. Nossa família, suas amigas, Marcelo... Não há mais limites para os seus sonhos, nem empecilhos para suas realizações. Agora o mundo é novamente seu, e você vai perceber, que passando algum tempo, será como se aquele mês nunca tivesse existido. Eu prometo. __E então se despede sorrindo.

Eu me vejo voltar a chorar enrolada nos lençóis com minha dor voltando ainda mais forte. Porque minha mãe está certa. Está absurdamente certa. Tudo o que eu mais temia está acontecendo. Todos estão se esforçando para que a minha vida volte a ser como era antes, e o pior é que isso está realmente acontecendo. Tudo está voltando à normalidade, e aquele mês com Dan parece cada vez mais distante, levando embora as boas lembranças, e me deixando apenas a dor e o vazio da perda.

É como a sensação de ter tido um sonho bom, mas não saber ao certo o que aconteceu, por ele ter se misturado a um terrível pesadelo. É como se eu acordasse de mais um dos meus muito vívidos sonhos, sabendo que ele fora irreal, que nada daquilo realmente ocorrera comigo.

Uma ilusão na qual eu ingenuamente acreditara. Um sonho que se desvanecera ao clarear do dia. Uma fantasia infantil que todos insistem para que eu esqueça. Uma alucinação produzida por minha mente perturbada. Uma utopia, um lugar perfeito, na qual minha entrada não é mais permitida. Uma miragem, ou até mesmo uma quimera.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Capítulo 28 - Caminhos


            No silêncio do meu quarto, fecho os olhos para que o sono venha e me abrace, me levando para longe dessas águas turbulentas. São três horas da manhã, e continuo a rolar na cama, escondendo-me nos lençóis, com minha cabeça embaixo do travesseiro, tentando esvaziar minha mente para que eu possa dormir. Mas é impossível.

            Não há como minha mente não ficar pensando em mil e uma coisas simultaneamente, e nem ao menos tenho o sono ou a companhia de Dan para afastar meus medos. Sentando-me na minha cama, desistindo de esperar pelo sono encaro o quarto à minha volta. Está tudo escuro, e me vejo tentada a descer as escadas.

            No entanto, não sei se estou preparada para mais um dos meus encontros noturnos com Dan. Eles nunca tiveram bons resultados. E muito menos agora seria diferente.

            É incrível que a neve ainda continue a cair no seu ritmo tranqüilo enquanto toda a minha vida parece desmoronar em alta velocidade. Contemplo a noite pela janela do meu quarto, vendo um novo mundo que eu sonhara tanto em conhecer, mas em diferentes situações.

            Eu não sei se serei capaz de voltar à vida que agora meus pais me propõem. Faculdade, antigos amigos de escola, até mesmo Marcelo, parecem tão pouco frente à intensidade do que eu vivi com Dan.

            Afasto esses pensamentos da minha mente. É como se eu me despedisse de Dan. Mas mesmo não tendo o perdoado, não estou pronta para vê-lo sair da minha vida, quando ele se tornou a parte mais importante dela. O meu oxigênio.

            Como uma resposta aos meus pensamentos, olhando para baixo, para onde os flocos de neve se depositam, pintando o chão num branco imaculado, diviso Dan saindo da casa, e antes mesmo que eu possa entender o que ele está fazendo, me percebo chorando novamente.

            Ele carrega as suas duas malas, se dirigindo ao carro decididamente, sem nem ao menos olhar para trás. A minha consciência, a antiga Manuela que ganhara força dentro de mim, acreditando que sua vida de sonhos seria recomeçada de onde parara, grita para que eu pare.  Mas a Manuela que surgira desde o meu aniversário de dezessete anos, que fora alimentada pelo meu amor por Dan, embora enfraquecida, no seu leito de morte, tem seu último sopro de vida, antes de desfalecer, fazendo-me descer as escadas correndo, sem me importar que eu esteja vestindo ainda a mesma roupa, e calçando apenas uma sandália.

            Eu encontro meus pais subindo as escadas, curiosos com minha aflição ao descê-las. O olhar da minha mãe parece ter compreendido minhas razões, embora meu pai permaneça em dúvida.

            __Mãe, para onde o Dan está indo?! __Pergunto sem fôlego.

            __Filha... __Meu pai inicia com um sorriso satisfeito. __Nós vamos derrotar o Silas. Conseguimos contatar meus novos aliados que darão todo o suporte para Dan conseguir executá-lo. Ficaremos livres e poderemos voltar para casa.

            __O quê?! __Exclamo continuando a descer as escadas enlouquecidamente, em direção a porta antes que Dan parta. __É muito perigoso. É impossível matar o Silas.

            __É isso que o Dan faz, filha. __Meu pai continua complacente. __E ele é o melhor no que faz. Vai dar tudo certo.

            __Manuela...__Chama minha mãe quando alcanço a porta, não me importando que o vento frio que entra por ela me faça congelar. __Veja lá o que você está fazendo.

            __Não, mãe. Não me impeça isso. __Choramingo, embora minhas lágrimas quase virem pedaços de gelo quando percorro a distância até o carro no qual Dan já entrou. Eu grito o seu nome antes que ele dê a partida, tremendo, embora eu saiba que não é apenas pelo frio cortante que queima a minha pele.

            __Manuela, o que você está fazendo?! __Dan indaga, saindo do carro e retirando seu casaco com o qual me envolve, me olhando num misto de ternura e dor. __Você vai congelar aqui fora. Entre. Volte para os seus pais.

            __Por que você está fazendo isso?! Voltando para aquele pesadelo?! Para matar Silas?! Por quê?! É pelo dinheiro?! Meus pais pagaram mais cinco milhões de euros para fazer isso?! Você vale muito mais do que esse dinheiro, Dan! A sua vida vale muito mais.

            __A sua vale mais, Manuela. Os seus pais não me pagaram nada para eu estar fazendo isso. Mas eu tenho que fazê-lo. Eu destruí a sua antiga vida, os seus sonhos, os seus planos. E ainda confundi a sua cabeça, me aproveitei da sua fragilidade.

            __Você não se aproveitou de nada, Dan! __Insisto não me importando por estar chorando abertamente. Do que ele está falando?! __Esse foi o melhor mês da minha vida, Dan! E eu devo a você!

            __Manuela, você está confusa. Mas eu já estou conseguindo reparar os danos que eu cometi na sua vida. Você tem seus pais de volta, e assim que eu matar o Silas, você poderá voltar à sua cidade, aos seus amigos, aos seus planos, e ao seu namorado. Ele a ama como você merece, e você o ama também.

            __Dan, pare com esse discurso bondoso. Você não se importa com nada disso, nem eu. É claro que eu estou feliz por meus pais estarem vivos. E eu não quero ter que escolher entre a sua vida e a deles. Eu não conseguiria. Mas, por favor, não faça isso por mim. Eu nunca vou me perdoar se você morrer por minha culpa. Eu falei tantas besteiras naquele dia, mas estava chateada. Eu amo você, droga.

            __Manuela, você já está se tornando parecida comigo. E eu não quero isso. Eu já destruí minha vida por minhas próprias escolhas e não vou permitir que você destrua a sua. Se você ficasse comigo, aconteceria com a sua mãe o mesmo que aconteceu com a minha, e você levaria essa vida errante e arriscada que eu levo. E eu nem estaria vivo para chorar no seu túmulo, então ninguém choraria, como você me disse certo dia. Não é isso o que você quer, nem o que eu quero. Volte para os seus pais enquanto no seu caminho ainda há volta. Eu agradeceria se alguém tivesse me dado essa oportunidade antes, e me feito ver que ela era o melhor a se fazer.

            __Dan, e os nossos planos?! __Pergunto com meus dentes chocando-se entre si, enquanto as lágrimas ainda deixam o vento frio mais violento contra meu rosto.

            __Manuela, eu nunca aproveitei tanto a vida como nesse último mês. Você me fez ver, ouvir e sentir coisas que eu nunca havia experimentado. E mais do que isso seria pedir demais de uma vida que eu nunca respeitei. Mas você, Manuela, você merece ter uma vida maravilhosa, uma vida que eu não mereço.

            __Dan, não fala isso! __Exclamo me abraçando ao seu pescoço, e segurando seu rosto próximo ao meu. __Se você acha que eu tenho direito a ser feliz, saiba que eu não mereço o que você está fazendo comigo.

            __Manuela, é melhor você ir para dentro. Seus pais devem estar preocupados, e possivelmente vendo tudo isso. Eu disse que você ainda me odiaria por ter misturado as coisas. E você estava certa, eu estava sendo o vilão na sua vida. E eu espero que assim que eu for embora, nada mais vá contra os seus sonhos, e que todos eles se realizem.

            __O meu único sonho será sempre que você esqueça essas idéias idiotas e volte para mim. Eu espero que ele se realize.

            __Manuela, você é a melhor pessoa que eu conheço. É impossível não amar você. __E então os meus lábios, que já pareciam congelados pelo frio, se aquecem pelo rápido toque dos seus, os quais se afastam antes que eu possa realmente beijá-los, quando ele se distancia levando o seu casaco. E eu sinto que tudo ficará bem e que ele voltará para mim, embora seja difícil acreditar nisso quando Dan entra no carro me deixando para trás. Porque eu sei que nada de bom acontece quando estamos separados.

            Eu corro para dentro, de volta para as escadas e para o meu quarto ignorando o olhar furioso e incrédulo do meu pai, que provavelmente vira tudo, e o ar de reprovação da minha mãe.

            __Manuela, pare!__Ordena meu pai enfurecido. __Você pode me dizer o que foi aquilo?!

            __Eu amo o Dan, pai. E estaria com ele agora, se ele me quisesse.

            __Era natural, Agenor. Foi o preço que pagamos por ter deixado a Manuela com ele. Ela estava fragilizada e se envolveu, mas tudo já acabou.

            __Nada acabou, mãe. Não se depender de mim. E parem de falar em preço, como se as nossas vidas fossem apenas transações comerciais. Ele é uma das melhores pessoas que eu conheço. E não é tão diferente de você mesmo, pai. E eu não sou tão diferente de você, mãe. Eu perdôo vocês, por tudo o que fizeram. E só faço isso porque seguiram o coração de vocês, os seus sonhos. E peço que assim como fui benevolente com vocês, vocês sejam comigo, e aceitem os meus sentimentos. __E então eu corro de volta para minha cama, antes que a dor me imobilize e me faça gritar.

 

            Duas semanas. Duas semanas fugindo, usando disfarces, viajando de carro, trem, e aviões particulares, nomes e documentos falsos. Eu já deveria estar acostumada a isso. Eu passara um mês apenas fugindo, mas sem Dan, e na expectativa de receber notícias suas, era tudo muito mais insuportável.

            Meus pais pareceram mais tolerantes, com o silêncio preenchendo nossos momentos juntos, e eu sentia que eles evitavam falar o nome de Dan na minha presença, como numa tentativa de me poupar de um sofrimento que já estava alojado em meu peito por todo o tempo, o qual eu me esforçava em não transparecer.

            Dan esteve todas as noites comigo. Nos meus sonhos. Ora bons, relembrando seus beijos e seu toque, me permitindo sentir até mesmo seu cheiro. Ora ruins, revendo sua imagem, torturado pelos seguranças de Silas. Não importava se bons ou ruins, eu sempre acordava chorando, e sem fôlego, me encolhendo e me abraçando às minhas cobertas.

            Eu me impedia de gritar e assustar meus pais, revelando minha dor, mas se tornava cada vez mais difícil dormir, sem nunca saber o que me esperava. Algumas vezes, enquanto nós três estávamos juntos, eu via meu pai se afastar com seu celular e imaginava que fosse Dan se comunicando. Ele sempre retornava dando olhares cúmplices à minha mãe, mas que sempre pareciam conter boas notícias.

            Era como um bálsamo. E eu sabia que Dan ainda estava vivo. O meu coração se enchia de esperança, embora eu imaginasse que Dan não voltaria. Mas não importava, minha única preocupação, todas as horas do meu dia, era sua segurança. Depois eu me preocuparia em encontrar algum meio de procurá-lo, ou esperava que a distância estivesse tão insuportável para ele como estava para mim, o fazendo esquecer nossa discussão e voltar para os meus braços.

O silêncio se tornou meu maior companheiro, vivendo das lembranças de Dan, e me vi cada vez mais afastada dos meus pais. Era estranho tê-los ao meu lado, e eu sentia quase como se não os conhecesse. Mesmo os amando, percebia que um abismo havia se aberto entre nós e eu não sabia como atravessá-lo. Temia que tivesse construído uma barreira no meu coração, impedindo-os de ocupá-lo. Entretanto, eu sabia que os amava, mas era como se não tivéssemos mais nada em comum, exceto que nossas vidas, embora ainda existentes, pareciam destruídas.

Eu os via se esforçarem, tentando me incluir na família que eu acreditara ter perdido. Mas mesmo com suas companhias, era impossível não me sentir sozinha sem a presença de Dan. Eles ainda vinham ao meu quarto, falando de como nossa vida voltaria a ser como fora, mas suas vozes pareciam como ecos distantes. Eu me angustiava por tratá-los assim, mas todo o meu corpo e minha mente estavam em estado de alerta, pensando apenas em Dan, todo o tempo.

Era como se, no final das contas, eu precisasse escolher entre meus pais e Dan. E percebia que começava a optar por ele. Contudo, me consolava ao acreditar que se fossem eles na mesma situação, se eu estivesse com Dan sabendo que eles corriam perigo longe de mim, estaria da mesma forma.

E me perguntava todas as noites, todos os segundos, por que eu não podia ter todos ao mesmo tempo. Eu os amava com toda minha força e não me queria ver separada de nenhum deles. E cada vez mais tinha medo de que a própria vida decidisse por mim, me tirando um dos dois.

 

Meu pai agradece em castelhano á senhora que indica nosso apartamento num pequeno hotel, numa cidade provinciana na América Central. Eu me surpreendo, me perguntando como ele pode ter aprendido a falar tão bem.

Segurando minha mala, a mesma que Dan me dera há tanto tempo, com as mesmas coisas, uma vez que apenas alguns itens a mais meus pais puderam comprar, me dirijo ao meu quarto. A viagem fora cansativa, e dormir é tudo que quero, mesmo sabendo que terei mais um dos meus sonhos. Apenas peço que seja um dos bons, embora eu saiba que acordarei chorando em desespero da mesma forma.

Mas antes que eu alcance o quarto vejo meu pai atender ao telefone. Ele se distancia, no entanto o apartamento é pequeno, me permitindo segui-lo com o olhar. Meu pai parece apreensivo ao atendê-lo, porém logo sua expressão angustiada se alivia quando o vejo sorrir abertamente, desligando o celular, e abraçando minha mãe e a mim emocionado.

Eu não me impeço de compartilhar um momento de felicidade com meus pais, embora nem ao menos saiba o motivo. Entretanto vê-los felizes, após tantos dias de sofrimento e angústia, me faz sorrir em cumplicidade.

__Estamos livres, minhas princesas. __Meu pai inicia com sua voz entrecortada, e seu rosto ruborizado em excitação. __Finalmente, o Silas está morto e nunca mais nos perseguirá. Nós voltaremos para casa. Na verdade, para uma nova casa. Tudo será como antes.

Eu continuo a sorrir, mas estremeço antes mesmo de ver o olhar angustiado do meu pai se dirigir a mim. O meu corpo se contorce de dor, embora eu mal possa senti-lo. E acredito que antes mesmo de ouvir as palavras apavorantes do meu pai, o sinto tombar ao chão.

           

 Tudo parece enevoado. O meu corpo está insuportavelmente pesado, não mais que meu coração, que embora tenha se despedaçado, dilacerando minha alma, se aperta em meu peito, me fazendo gritar. O que eu faço, não me importando que meus pais estejam ajoelhados ao meu lado, implorando que eu me acalme. Eu mal consigo vê-los, em meio às minhas lágrimas, com minha mente turva. Eu grito, e grito, quando ninguém me parece ouvir. Dan! Dan! Dan! Você não pode ter me deixado, Dan! Não pode ter morrido, Dan!

Eu clamo, mas imagino que as palavras não façam mais sentido quando são expelidas pelos meus lábios trêmulos. Encolho-me no meu abraço, como que segurando meu corpo para que ele não continue a se fragmentar externamente, como acontece no meu interior.

Sinto meu pai me carregar até minha cama e minha mãe me oferecer um copo com água. A minha vista está escurecida, e eu os identifico apenas por suas vozes ao longe. Pequenos pontos de luz se apresentam a mim, me permitindo apenas ver o rosto de Dan. Seu rosto em agonia, enquanto os executores o torturam, tirando-lhe seu último sopro de vida.

Não! Não! Não! Exclamo repetidamente. Isso não pode ter acontecido! Não com Dan! É como se o mundo acabasse, no entanto sua destruição é dentro de mim, com suas lavas de fogo me corroendo por dentro, me aniquilando lentamente, como se a dor de todas as pessoas do mundo me afligisse ao mesmo tempo e não houvesse ninguém para me salvar. Porque Dan não está aqui, ele não está nem ao menos vivo, e eu sei que falta muito pouco para que todo o arrasamento que ocorre dentro de mim se espalhe por todo o mundo, por todo o meu mundo.

Eu me sinto tremer em espasmos de dor, quando meu pai me abraça. É impossível identificá-lo, mas sinto suas lágrimas se confundindo com as minhas, quando ele implora para que eu me acalme, que ele está aqui para me salvar.

Tento dizer para ele que para mim não há mais salvação, mas são apenas sons aterradores sem sentido que saem da minha boca. Porque não há como me salvar, uma vez que eu nunca poderei suportar outra dor como essa. E o melhor me parece desistir.

Se eu pudesse me matar com uma faca rasgando minha carne, ou uma corda em volta do meu pescoço me retirando o ar que já me falta entre meus soluços desesperados, não doeria mais do que agora. Nada me parece pior do que isso.

O arrependimento pelas palavras que eu dissera, tentando machucá-lo por eu também estar machucada, e por tê-lo deixado partir apenas me mortifica ainda mais. Eu ainda posso sentir seu olhar enternecido e magoado encarando os meus. Não devia ter permitido que ele se fosse. Eu havia prometido que nunca nos separaríamos e quebrei minhas juras.

Dan estava perdido, magoado, queria provar a mim, a meus pais, e até a si mesmo, que era bom. Mas eu não me importava, já sabia que ele era bom sem precisar passar por isso. Ele acreditava não merecer ser tão feliz, e eu deveria ter lhe mostrado que tinha esse direito.

A vida havia sido injusta com ele, por isso nunca a respeitara, e agora ela dava seu golpe fatal, me tendo como sua cúmplice. Sinto o abraço da minha mãe, sussurrando meu nome implorativamente com sua voz distante. Dan, Dan, me ouço balbuciar, quando a minha dor parece menos aguda, se tornando quase amena, embora eu sinta que ela nunca me abandonará.

Eu vejo meus pais saírem do quarto, quando pareço me tranqüilizar, ambos dizendo que tudo ficará bem, pois voltaremos para casa. No entanto, eu tenho certeza de que nada nunca ficará bem. Porque quando a vida lhe dá golpes tão fortes repetidamente, você começa a encará-la como alguém terrível, que realmente não se importa com você. Então por que se importar com ela?

Fecho os olhos, me abraçando ao meu travesseiro, ainda chorando ao imaginar Dan ao meu lado. Ainda posso sentir seus lábios, sua respiração agora inexistente contra minha orelha, arrepiando meus cabelos, no qual posso sentir suas mãos firmes e suaves.

Ele também me fizera ver, ouvir, e sentir coisas totalmente novas e maravilhosas, e eu me arrependo por não ter tido a oportunidade de dizer isso a ele. Dan também era a melhor pessoa que eu conhecera, uma vez que mesmo tendo passado por tudo o que passara na sua vida, ainda fora capaz de me amar, e principalmente, de me deixar amá-lo.

Ele me fez conhecer uma vida louca e intensa, me mostrando que não vale a pena viver temendo o amanhã, quando se tem a maravilha do hoje. Porém eu sinto que nenhum dia será novamente maravilhoso quando sei que Dan não o está vivendo, compartilhando comigo.

            E então sorrio, talvez enlouquecidamente, ao perceber que Dan conseguira provar que eu estava errada afinal. Porque ele conseguiu, no final das contas, alguém para lamentar sua morte, encarando-a como a pior coisa que já lhe aconteceu. Mas nunca imaginei que essa pessoa seria eu mesma e que tudo aconteceria tão depressa.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Capítulo 27 - Reunião


Minha mãe continua a bater à porta, chamando por mim, para que eu saia e coma alguma coisa, mas mesmo chorando eu tento me manter em silêncio para que ela pense que eu estou dormindo. Ainda não são seis horas da tarde no Canadá, o dia ainda está claro, e o fuso horário não é uma boa desculpa para que eu esteja com sono. Mas talvez estar com seu coração estraçalhado, assim como sua vida, seja.

            Eu me encolho entre as minhas cobertas, ignorando que esteja nevando do lado de fora da minha janela. Por mim o mundo todo poderia explodir e desaparecer, que eu não me importaria.

            Talvez eu devesse escrever um diário para poder libertar tudo o que está aprisionado no meu peito me fazendo sufocar. Mas acredito que nada faria muito sentido. Eu permaneço em silêncio desde a conversa com Dan antes de embarcarmos, e me surpreendo que minha garganta esteja seca, e com um nó enorme que não consigo desatar, embora o meu rosto, meus cabelos, e até mesmo meu travesseiro estejam encharcados por minhas lágrimas.

            Agradeço por estarmos num chalé de dois andares, e que Dan esteja no térreo conversando com meu pai, e minha mãe, que desiste de me chamar, enquanto permaneço escondida no sótão, que no caso é o meu quarto, assim não posso ouvir sua voz.

            Fechando os olhos, ainda posso ver seu olhar triste e úmido me dizendo todas aquelas coisas. Mas eu não posso perdoá-lo. Quando se ama alguém como eu o amei, e se a dor terrível no meu coração é um indicativo, ainda o amo, não se pode perdoar.

            Talvez eu ainda me arrependa amargamente, mas enquanto a ferida que se abriu como num terremoto no meu peito continuar a sangrar, não posso nem ao menos vê-lo. Não sem chorar e ter que me esforçar para conter um grito de dor. Embora eu acredite que não possa fazer nada, nem mesmo respirar sem fazer isso.

            Ele nem ao menos encarou meu rosto por toda a longa viagem, desde onde estávamos até o Canadá. Embora ele ainda tenha me oferecido comida, e sugerido que eu não ficasse na cabine, podendo dormir numa das poucas poltronas destinadas aos passageiros.

            O avião era luxuoso e pela janela eu podia ver lindas imagens, o pouco do oceano atlântico que nós sobrevoamos até chegar aos Estados Unidos, e um pouco de cada país. Mas nada realmente me interessou. Depois das últimas palavras que trocamos ainda no carro eu não tivera coragem de lhe dirigir a palavra, e assim fez Dan.

            Eu tentei me distrair nas poltronas para não atrapalhá-lo ao finalizar seu trabalho. Eu me esforcei para não interrompê-lo como já fizera diversas vezes, e o vi parecer mais aliviado por finalmente poder se ver livre de mim.

            Foi difícil me impedir de chorar por toda a viagem. Eu não quis parecer uma adolescente patética lamentando sua terrível decepção amorosa, e acabei por conseguir chorar em silêncio.

            Nós aterrisamos numa espécie de pista de pouso improvisada, numa clareira branca pela neve em meio aos pinheiros. E então Dan me ofereceu um de seus casacos para me proteger do forte frio que nos esperava, me conduzindo, enquanto carregava as malas, até onde os meus pais me aguardavam, dentro do carro, para se protegerem da neve.

            Eu permaneci estática quando Dan parou próximo ao carro, controlando minha reação quando meus pais surgiram correndo emocionados em minha direção. Era como estar num sonho que eu desejara tanto, mas que me machucava terrivelmente. A dor que eu já sentia pela decepção com Dan ainda era acrescentada pela alegria dolorosa de rever meus pais, enquanto eu perdia a noção de realidade e fantasia. Mas não pude me impedir de chorar abertamente quando meus pais me abraçaram, talvez por ter tentado controlar aquelas lágrimas por todo o longo percurso, ou talvez por odiá-los por terem feito aquilo comigo, ou por estar enlouquecida de felicidade por ver que estavam vivos.

            Minha mãe segurou meu rosto entre suas mãos trêmulas, o inclinando até que estivesse à altura do seu. Ela chorava parecendo radiante, com seu sorriso perfeito e sincero, seus olhos brilhando de alegria, embora eu visse o cansaço e a tristeza em sua expressão, fazendo meu coração se apertar.

            __Você está tão linda, filha. Eu senti tantas saudades. Eu amo tanto você. Meu Deus! Eu não acredito que eu estou viva para ver esse momento. Eu pedi tanto. Eu pedi tanto que você estivesse em segurança. Oh, Meu Deus! Eu tive tanto medo! Manuela... Eu sinto tanto por termos metido você nessa confusão toda. Eu nunca pensei que teríamos que chegar a esse ponto. Eu imploro o seu perdão, filha. Perdoa a mamãe por ter feito você sofrer tanto.

            __Tudo bem, mãe. __Solucei retirando um dos muitos flocos de neve que haviam caído no seu cabelo agora loiro e liso. Ela me abraçou novamente, e eu podia sentir o seu corpo tremer de emoção no meu abraço enquanto ela soluçava no meu ombro. E nesse instante eu percebi que não importava nada pelo que havíamos passado, nem justificativas, nem perdões, eu tinha minha mãe em meus braços e nada se comparava.

            __Dan, obrigada por ter trazido minha filha sã e salva. Eu nunca poderei recompensar você. Nem com a minha própria vida. __Eu a vi agradecer abraçando Dan que pareceu desconsertado, mas impossibilitado de se afastar.

            __Manuela. __Iniciou meu pai procurando cauteloso o meu olhar. O seu rosto parecia ainda mais abatido que o da minha mãe, e eu podia ver algumas cicatrizes nos seus lábios, escondidas por sua barba, e em suas mãos, me fazendo estremecer ao imaginá-lo sofrer algo como o que eu, Marcelo e Dan havíamos sofrido. __Minha princesa. Perdão por ter enganado você, ter feito você acreditar que o papai era o seu herói, era um homem bom. As minhas intenções foram as melhores. Eu só queria dar o melhor a você. Eu nunca pensei que haveria conseqüências tão desastrosas. A sua mãe não teve culpa de nada. E eu vou entender se você não me perdoar. Não há perdão para o que eu fiz a você e à sua mãe. E eu seria um homem ainda mais desprezível se exigisse isso. Mas se eu puder pedir alguma coisa a você, é que não me odeie. Porque eu a amo tanto, minha filha. Tanto. Não houve uma noite, um minuto, um segundo, que eu não pedisse a Deus por sua vida.

            E então eu não pude me conter e o abracei sem conseguir conter meus soluços nem minha dor, agradecendo por estar vivendo aquele momento.

            Quando entramos no carro, eu no banco traseiro ao lado de Dan, e meus pais à frente virando-se intermitentemente para me contemplarem, ninguém pôde perceber qualquer problema entre mim e ele. Nem ao menos um silêncio se instalou entre nós, uma vez que meus pais não o permitiram, continuando a falar.

            No entanto, talvez sem querer expor seus sentimentos na frente de Dan, embora a todo momento demonstrassem sua gratidão por ter me mantido salva, meus pais não continuaram a falar comigo, pedindo desculpas. Na verdade, eles estavam muito apreensivos, especialmente meu pai, que fazia todo tipo de perguntas sobre William.

            __Dan, quanto tempo demorará para que esse William descubra que estamos aqui?

            __As fotos que ele mostrou a ela eram de vocês numa das cidades mais ao Sul. Entretanto, ele não parecia muito seguro, senão não teria pedido minha ajuda, ou talvez quisesse apenas criar confusão.

            __Ele criou algum problema a vocês? Fez alguma ameaça à Manuela? __Perguntou minha mãe apreensiva, segurando minha mão fria entre as suas protegidas por suas luvas.

            __Não. William nos propôs liberdade se o ajudássemos, mas ele nunca foi muito confiável.

            __Chegamos, Manuela. Espero que você goste. __Disse minha mãe sorridente, quando chegamos a um bonito chalé que deveria ter um tom escuro amadeirado se não estivesse coberto de flocos brancos. Os meus dedos estavam numa coloração azulada escondidos dentro do casaco de Dan, e eu sentia meus lábios trêmulos, enquanto meus dentes chocavam-se entre si pelo frio.

            Eu me dirigi a casa, abraçada à minha mãe, agradecendo por meu pai ter permanecido afastado entretido numa conversa com Dan sobre os futuros planos, pois não conseguiria disfarçar minha dor com Dan por perto.

            __Manuela, nós nem estamos podendo demonstrar toda nossa felicidade por estarmos novamente reunidos, nossa família. Desde aquele dia em que nos separamos só fazemos fugir, e infelizmente sei que você tem feito o mesmo. Nós passamos por tantas coisas, que eu espero que você não tenha passado. Mas não quero afligi-la contando histórias tristes. E nós não fazemos idéia de quando isso irá acabar, se um dia irá acabar.

            __Eu não me importaria se tivesse passado por todas essas coisas com vocês. Vocês não podiam ter feito isso comigo, me deixado acreditar que estavam mortos.

            __Eu sei, minha filha. Foi muito arriscado, mas mais arriscado seria ter fugido junto com você. Eu não sei como ainda estamos vivos. E sou tão grata ao Dan, por ele ter cuidado de você quando mais precisou. Nós nunca conseguiremos pagar essa dívida a ele. Eu sinto muito por termos feito você passar por tudo isso, mas não havia alternativa. E agora estamos todos juntos novamente, graças a ele.

            __É. Ele é realmente um herói. __Murmurei irônica ao vê-lo entrar na casa com meu pai. E por um segundo encontrei seus olhos, que pareciam quase doloridos. Eu não pude suportar, e pedi, antes que continuasse a chorar.__Eu estou muito cansada, mãe. Não consegui dormir na viagem. 

            __Claro, Manuela. O Dan nos disse que vocês estavam apressados e não puderam fazer muitas paradas. O seu quarto é lá em cima, onde é mais aquecido.

            Eu agradeci, recebendo o beijo de despedida do meu pai. Mas antes de correr escadas acima, entreguei o casaco de Dan, desviando-me de seu olhar ferido, agradecendo. Eu espero que ele não tenha percebido, mas estremeci quando o ouvi dizer “Não por isso.”

            Minha mãe volta a bater à porta implorando que eu a abra, dizendo estar preocupada comigo. Relutante, enxugo minhas lágrimas nos lençóis, e permito sua entrada, encontrando-a aflita.

            __Manuela, o que houve? __Indaga angustiada me abraçando ao ver meu aspecto lamentável. __Você estava chorando.

            __Não é nada. Não é muito fácil saber que seus pais estão mortos, e se sentir culpada até ao ponto de querer tirar sua própria vida, e depois descobrir que eles estão vivos.

            __Filha, foi necessário. __Lamenta sentando-se ao meu lado na minha cama, após aumentar a temperatura no aquecedor. __Você não está feliz?

            __É claro que eu estou feliz! __Soluço em seu ombro, recebendo seu abraço, não sabendo se estou realmente sendo sincera. __Eu nunca estive tão feliz em toda a minha vida.

            __É o Dan. __Afirma confiante, encarando meu olhar desesperado. __Eu vi a forma como vocês se olharam por todo o caminho. Eu apenas não comentei nada, pois não sei qual seria a reação do seu pai se imaginasse um relacionamento amoroso entre vocês dois. Talvez não seja a idéia de genro que ele imaginava. Mas eu temi isso antes mesmo de que acontecesse, ele era seu porto seguro, sua única companhia. Era natural que você fragilizada se envolvesse.

            __Meu Deus! Por que ninguém entende que eu realmente o amo? Independente se eu tivesse outras companhias, se soubesse que vocês estavam vivos. É claro que eu mudei muito depois de tudo, mas não foi porque eu estava fragilizada. Eu realmente quis. __Desabafo sem controlar a altura da minha voz.

            __Você o ama? É mais sério do que eu pensei, então. Mas, Manuela, vocês não têm qualquer futuro juntos. Você sabe disso, não sabe?!

            __E nós temos algum futuro, mãe? O Silas contratando todos os executores do mundo para nos perseguir?!

            __Eu sou sua mãe, Manuela. Eu só penso no seu melhor. E eu sei que não é do lado de um assassino que você será feliz.

            __Engraçado, você não achou isso nesse último mês. Está sendo hipócrita, dizendo que nunca poderá recompensar o Dan, pelo enorme favor que fez a vocês, mas sendo preconceituosa, dizendo que não seria seguro ficar com ele. Você não sabe quem ele realmente é. E é muito mais do que apenas um executor. Mas não se preocupe, ele concorda com você. Acha que eu o amo apenas porque era minha única opção, e que não é o melhor para mim.

            __Eu não estou sendo hipócrita, Manuela. Entendo que você tenha o conhecido, e seja grata a ele, como eu sou. Mas não podemos esquecer o fato de que ele é um assassino.

            __Mas salvou a minha vida!

            __Nós o pagamos por isso. É claro que ele se sacrificou por você, mas ele não tem nada a perder. Ele mata pessoas, Manuela. Você pelo menos achava que ele tinha nos matado.

            __Eu não sou diferente dele, mãe. Eu matei algumas pessoas.

            __O quê?! __Exclama tentando disfarçar seu horror. __Manuela!

            __É mãe. Eu matei duas ou três pessoas para salvar a vida do Dan e a minha própria. Porque, para mim, matá-las não era nada perto de salvar a vida dele, uma vida que certamente vale a pena. Mas eu não sei por que estamos discutindo isso. Estamos juntos novamente e o Dan vai sair para sempre de nossas vidas.

            __Ele ainda vai passar algum tempo conosco. Seu pai e ele estão planejando contra Silas, para finalmente ganharmos nossa liberdade. E não se preocupe, eu não falarei nada ao seu pai. Mas não é bom você se aproximar do Dan novamente. E eu estou pensando apenas em você quando falo isso, não quero que sofra. Você merece alguém igual a você, com perspectivas.

            __Tudo bem, mãe.

            __Eu vou buscar o jantar para você, e umas roupas minhas mais quentes.

            __Obrigada. __Murmuro, no entanto, ela não pode me ouvir, pois já saiu do quarto, me permitindo ver o enorme peso que parece carregar sobre os ombros.

            Levanto-me e olho o quarto ao meu redor, suas paredes e seu piso de madeira, minha cama com grossas cobertas situada abaixo da janela, pela qual posso ver flocos de neve cair no seu ritmo próprio e calmo. Eu não compreendo o que pode ser tão difícil de entender. Eles não sabem o que senti quando vi Dan pela primeira vez, quando o meu castelo de areia ainda não havia desmoronado. Mas talvez seja melhor assim, que eles nunca saibam, concluo enxugando as minhas lágrimas.

            Ouço passos entrando no quarto, minha mãe trazendo o jantar. No entanto, eles parecem mais hesitantes e pesados então me viro encontrando o rosto preocupado de meu pai.

            __Manuela, vim trazer seu jantar. __Informa descansando a bandeja de comida na minha cama, sentando-se ao meu lado. __Sua mãe me disse que você estava indisposta e não quis descer. E então eu insisti até que ela me deixasse subir. Algum problema?!

            __Não, pai. Mas eu não estou com fome. __Tento sorrir, embora sua expressão continue preocupada.

            __Manuela, você precisa se alimentar. Você está chateada comigo, não está? Eu entendo.

            __Não, pai. Não é isso.

            __Então o que houve?! O Dan me contou algumas coisas que me deixaram muito angustiado.

            __O que ele contou?! __Exclamo exaltada.

            __Do seu encontro com Marcelo, e depois Silas. Sobre os noticiários. É por ele que você está chorando, pelo Marcelo?! Porque pelo que eu conheço você, parece que está com o coração partido.

            __Não, pai. Não é nada. Eu estou bem.

            __Manuela, você ainda é a princesa do papai. Se você está triste, eu também fico. Eu não queria que você tivesse passado por nada disso. O Silas foi um enorme erro na minha vida. Eu era jovem, e ele me mostrou oportunidades impensáveis, e eu soube que conseguiria realizar todos os meus sonhos. E consegui, casei com a sua mãe, a mulher mais linda que eu conheci, e tivemos você, a criança mais adorável do mundo.

            “Foi tudo bom demais para ser de graça. Mas se eu pudesse, teria pagado o preço sozinho. Não teria forçado vocês a pagarem junto comigo. Eu e o Dan estamos tentando ver formas de podermos voltar à nossa vida de antigamente. Talvez você não queira detalhes, mas vamos nos unir aos inimigos do Silas, e eliminar todo seu poder.

Assim seremos livres novamente, eu encontrarei um trabalho honesto, você terá sua vida de volta, vamos ter uma nova casa, vai reencontrar os seus amigos, o Marcelo. Vai poder fazer a sua faculdade como uma adolescente normal. Será como se esse mês terrível nunca tivesse existido. Eu prometo isso a você. Nem que custe a minha vida.” __Conclui me abraçando, com a voz entrecortada, tentando disfarçar as lágrimas, se despedindo e me deixando sozinha no quarto com a bandeja de comida.

            E então será assim... Falo para mim mesma retirando a bandeja e descansando-a no chão, me enrolando aos lençóis, não impedindo que as lágrimas rolem por minha face... E então será assim como todos querem. Será como se nada disso nunca tivesse acontecido.

            Mas eu não sei se serei capaz de me esquecer do melhor e mais terrível mês de toda a minha vida. E eu não sei se é isso o que eu realmente quero.