__Isso
é comigo. E não me venha dizer que você não sabia.
__Eu
não sabia. Juro. Como eu poderia saber?! Alguém mais sabe?!
__E
sabe quem morreu? __Prossegue ignorando as perguntas de Carvalho, sem
demonstrar a raiva que parece conter, se é um indicativo a força que percebo em
seu braço.__ Esqueci. Você anda mal informado ultimamente. O Levi. E eu não sei
por que tudo parece tão relacionado. Eu diria que as duas mortes têm o mesmo
mandante. E você vai me dizer quem é.
__Eu
não sei, Dan. Eu não sei de nada do que você está falando. Eu juro. Você sabe
que eu nunca sei quem é o mandante, eu sou só um mediador, só repasso as
informações.
__Eu
sei, Carvalho. Mas só eu e você sabíamos onde encontrar o Levi. O mandante deve
ter mandado alguém aqui perguntar e você abriu a boca.
__Não!
__Persiste e lágrimas de desespero brotam dos seus olhos apertados numa careta
de dor. __Eu nunca faria isso com ele. Nem com você. Eu não disse nada.
__Eu
estou esperando. Mas não sei por quanto tempo vou continuar. __Contrapõe Dan
soltando a minha cintura. Eu me afasto um pouco, mas meus olhos continuam fixos
na expressão aterrorizada de Carvalho.
__Eles
me ameaçaram, Dan. __Confessa, chorando abertamente como uma criança que tem
seu crime descoberto e teme seu castigo. Um burburinho se inicia dentro do bar,
mas a porta permanece fechada. __Por que você foi se meter nessa confusão?! A
grana era boa. Era só fazer o serviço direito e cair fora. Por que salvar a
garota? Eu sempre falei para você só fazer seu trabalho.
__O
meu trabalho não diz respeito a você. __Vocifera Dan com um tom enojado e
colérico. A raiva transparece no seu rosto impiedoso.
__Eu
não pude fazer nada. Eles me ameaçaram. Estão furiosos atrás de você e da garota.
Não devia ter brincado com o dinheiro deles, nem com as execuções. Era
prioridade máxima para eles.
__Quem
são eles? __Inquiri Dan secamente.
__Você
não vai querer se meter com eles. Vão acabar com você. Entrega a garota, diz
que você gostou dela e quis se divertir um pouco, que não sabia que era tão
importante. Se você der um trato nela, entregar o corpo e se alistar para o
serviço deles, vão perdoar você. Não vai nem precisar devolver o dinheiro. Quem
não gostaria de ter você trabalhando para eles? Não há nenhum executor como
você, Dan. Você é o melhor.
Eu
tremo com o efeito de suas palavras. Ele planeja contra minha vida na minha
frente, ignorando a minha presença, como se eu fosse uma caça, a qual eles
debatem como repartir entre si. Controlo minha ânsia de vômito e meus tremores.
Dan o encara impassível, e isso, de uma forma estranha, me acalma.
__
Quem são eles? __Insiste impaciente, aproximando-se de Carvalho fazendo-o
vacilar.
__Eu
não posso dizer. A não ser que você faça o que eu estou falando. Mata a garota
e entrega para eles. Faz o que eu estou falando. Não se mete em confusão.
__
Quem são eles? __Dan pergunta exaltado, numa proximidade perigosa de Carvalho
que volta a chorar abertamente, com seu corpo tremendo involuntariamente de
pavor.
__Eu
não posso falar... Eles vão me matar! Vão me matar!
E então eu vejo Dan num milissegundo segurar Carvalho
pelo colarinho, fazendo-o se ajoelhar aos seus pés, enquanto pressiona o cano
de sua arma contra o seu rosto numa careta de horror, encharcado de lágrimas.
__Você duvida de que eu faça o mesmo?! __ Sussurra com o
rosto impassível mal me permitindo escutar. O seu olhar frio transparece
repugnância enquanto fixo no rosto de Carvalho que soluça em meio às lágrimas.
Estremeço diante dessa visão, Dan não parece se importar em tirar a vida desse
homem que apela por clemência. Sua face tão bonita e jovem não demonstra
qualquer expressão. Desde que ele surgira em minha vida, eu já vira algumas
mortes, mas acredito que nunca me acostumarei. Independente de quem seja, é uma
vida, e qualquer forma de vida é sagrada.
__Dan, eu sou seu parceiro. Não faz isso comigo, eu
imploro. __Clama Carvalho aumentando o tom de voz, fazendo com que Dan aperte
ainda mais o cano da arma em seu rosto. Eu me surpreendo por ninguém sair do
bar para salvar Carvalho, talvez eles estejam como eu, assistindo inertes a esse
espetáculo do horror.
__O Levi também era seu parceiro. E você não pensou duas
vezes quando entregou onde ele estava. Você sabia que ao contrário de você, ele
não responderia nada. E eu já estou envolvido.
__É o povo do Silas, cara. __Entrega trêmulo. __O pai
dela tinha alguns negócios com ele, mas estava querendo parar. Ele achou que a
vida de cidadão honesto tinha volta. E ainda tentou entregar alguns furos para
uns caras novos que estão querendo roubar os negócios do Silas, em troca da
proteção deles. Dançou. E foi você que tocou a música, Dan.
Eu me aproximo num reflexo. Do que ele está falando? Quem
é Silas? O que meu pai tem a ver com tudo isso? Negócios? Que negócios? Eu
quero as respostas para essas perguntas, no entanto, com um olhar, Dan me diz
para me manter em meu lugar.
Obedeço e Carvalho prossegue com seu depoimento, numa
tentativa de reconquistar a confiança de Dan:
__Você sabe que com o pessoal do Silas não tem
brincadeira. Vão acabar com você se te pegarem. Eles estão em todo lugar.
Talvez tenha até alguém aqui no bar que vai falar para eles que você está aqui.
__Obrigado pela preocupação. Quem são esses caras novos?
__Eu não sei. __Carvalho parece mais aliviado, e sua
respiração se torna mais uniforme, no entanto, continua ajoelhado com a arma de
Dan em seu rosto. __Eu não sei mesmo. Eles devem estar começando por lá, na
cidade dela. Não se mete nessa briga, que só vai se dar mal quem ficar na linha
de fogo.
__O Silas nunca vai deixá-la em paz?
__Não, Dan. Você sabe como é essa questão de desertor e muito
mais de traição. É uma questão de honra para ele, e exemplo para os outros
empregados. Só se o Silas morrer, Dan. Os homens dele vão morrer também ou se
renderão aos novos no mercado. Mas o cara não morre. Isso é impossível, até
mesmo para você. Conselho de amigo.
__Está certo. __Afirma Dan retirando a arma do rosto de
Carvalho, que não tem receios de demonstrar sua felicidade extrema. Suas pernas
ainda tremem e estão sujas de barro quando ele se levanta. Dan se afasta e me
entrega as chaves do carro me pedindo que vá para lá e o espere.
Eu não consigo obedecer a ele e permaneço parada quando
Carvalho abre os braços com um grande sorriso para Dan:
__Parceiros de novo, Dan?! Eu realmente sinto muito.
__Dan retribui o abraço sem jeito e volta a andar com o rosto consternado, em
minha direção. Eu continuo o caminho, mas paro quando ouço Dan falar se virando
para olhar para Carvalho que sobe aliviado os degraus para a varanda, ainda
sorrindo.
__Eu já ia me esquecendo de dizer uma coisa. Quando eu encontrei
o Levi, ele ainda estava vivo e me fez um último pedido.
E antes que o sorriso de felicidade possa abandonar o
rosto de Carvalho, eu o vejo cair, com seu corpo batendo repetidamente nos
degraus até que descansa no chão de barro, com uma mancha vermelha no lado
esquerdo de seu terno cinza.
E então o meu grito de horror é calado pela voz de Dan
que ordena:
__Corre. __E mais uma vez eu obedeço, quando inúmeros
homens saem como um furacão pelas portas do bar, atirando em nossa direção.
Dan assume o controle do carro, e não imagino como o
alcançamos tão rápido. O carro segue a estrada no sentido oposto do pelo qual
viemos. A tempestade que se prenunciava se inicia, e a noite se fecha acima de
nós. Os faróis do carro iluminam apenas um metro à frente, mal nos permitindo
ver a escura estrada entremeada de árvores, com seu chão de terra e pedras,
fazendo o carro sacolejar pelo caminho.
Olho aflita para trás, encontrando as luzes de farol que
ainda nos perseguem. Dan faz o mesmo. No entanto, não parece aflito. Seus atos
parecem metódicos e determinados, quando segura com apenas uma mão o volante,
mal olhando para estrada à frente, com o olhar fixo no retrovisor, recarregando
sua arma.
__Segure o volante. __Decreta soltando o volante, se
inclinando para fora da janela do carro, sendo atingido pela enxurrada e atirando
contra os nossos perseguidores. Num impulso, eu obedeço a ele, antes que o carro
bata em uma das árvores que aparecem no meio da estrada, me obrigando a
desviar.
O carro se agita, como um cavalo selvagem, sob o meu
comando, enquanto tento desviar das árvores, seguindo as curvas da estrada, mal
enxergando na escuridão. Os limpadores de pára-brisa afastam a água que se
derrama, assim como os galhos de árvores derrubados pela violência da
tempestade. Dan continua a acelerar o carro a uma velocidade assombrosa,
enquanto troca disparos, abafados pelo som ensurdecedor da chuva, com os carros
que permanecem em nosso encalço.
As balas se chocam contra o carro, sem perfurá-lo, por
ser blindado, mas mesmo assim sinto o pânico me dominar, enquanto me abraço ao
volante, tentando fugir dos nossos perseguidores que se distanciam. O caminho se
torna cada vez mais fechado à nossa frente, e eu me pergunto até quando
conseguirei agüentar ao perceber que não há sinais que indiquem a direção da rodovia,
apenas mais e mais árvores na floresta fechada.
No
entanto, quando olhando para a direção de Dan enxergo uma fresta de luz em meio
à escuridão da floresta, viro o carro bruscamente não me importando com o
terreno pedregoso nem com os galhos que reclamam à nossa passagem, apenas
tentando me prender àquele fio de esperança, antes que fiquemos presos na mata
cerrada, tornando-nos vítimas fáceis aos nossos caçadores.
E
então quando a auto-estrada nos recebe em sua calma silenciosa, meu corpo
trêmulo inclinado sobre o volante se tranqüiliza e percebo que os carros se
perderam pelo caminho me permitindo respirar.
Dan retorna à sua posição encharcado, tomando o controle
do carro. E eu me encolho vacilante em meu assento, sem poder encará-lo. A
noite silencia. As últimas gotas de chuva escorrem pela janela. Elas não podem
me alcançar, mas posso senti-las escorrendo pelo meu rosto, e seu gosto é
insuportavelmente amargo.