Entretanto, isso poderia acontecer com qualquer um, não? Qualquer um
que não tivesse muita sorte. E aquele homem que morrera fatalmente não estava
tentando me matar, talvez ele só estivesse com uma arma. Sei lá. Como posso
saber os motivos de alguém que anda com uma arma? Deve ter sido por segurança,
não? Não foi isso que justificava o NÃO das pessoas no referendo do
desarmamento? Embora ele não devesse ter levado uma arma para a festa de todo
modo.
Talvez ele soubesse que Dan planejava matá-lo. Ou talvez nem
houvesse arma nenhuma, como a polícia confirmara. Estava muito escuro, no final
das contas. Assim eu me sentia melhor. Dan
era outra coisa. Ainda não conseguia explicar para mim mesma sua aparição e me
confortar de que ele não era um perigo.
Mas ali, vendo minha mãe sorrir e pela primeira vez completamente
feliz com o serviço das empregadas, meu pai se esforçando para participar da
conversa, Marcelo ao meu lado, segurando minha mão por todo o jantar, e
trocando olhares e sorrisos cúmplices comigo, eu percebia que nunca fora tão
feliz.
Relembrando das meninas que passaram a tarde comigo, e de como fora
divertido conversar com elas, notava que elas eram minhas amigas. E tudo me
parecia perfeito. Era extremamente egoísta, mas enquanto uma vida se acabava a
minha recomeçava e parecia maravilhosa.
Os meus pais eram ótimos. Minha mãe, uma bela mulher de 36 anos,
amiga, conselheira e companheira. Era divertido ver que suas maiores
preocupações eram suas festas, a organização da casa, e todas as novas coleções
de moda, que segundo ela não se restringia às roupas, mas se estendia até mesmo
aos utensílios de banheiro. Ela tivera uma curta carreira de modelo antes de se
casar com meu pai, mas logo que nasci, se dedicou a casa, entretanto nunca
deixando de ser uma mulher independente e admirável.
Meu pai, um homem sério e poderoso, como podia ver pelo olhar
respeitoso que seus subordinados sempre lhe destinaram. Ele contava apenas 40
anos, mas eu sempre me maravilhara com a extensão do seu império. Era engraçado
como ele sempre me chamara de sua princesa, e eu sempre acreditara, sem nunca
esquecer o que ele mais me ensinara, que do tamanho da sua grandeza deveria ser
o tamanho da sua humildade.
E agora eu tinha amigas divertidas. Martha, com seu ar de liderança
e sua diversão quase maldosa. Luana com seu jeito desinteressado e cético.
Bárbara com sua curiosidade sem fim. Até mesmo Esther, com seu mistério e
superioridade. E Thaís sempre meiga e tímida. E talvez elas sempre tenham sido
minha amigas, mas apenas agora eu tinha a sorte de perceber. Elas, que
auxiliadas por qualquer detalhe do destino, acabaram me unindo a Marcelo. E
isso eu nunca poderia esquecer.
Marcelo. Um capítulo à parte. Eu não saberia dizer há quanto tempo
ele povoava minha mente. Era estranho tê-lo me beijando demoradamente em
despedida após o jantar de domingo, enquanto ele fora o meu maior sonho por
tantos anos. Houve outros garotos no início da minha adolescência, mas nenhum
nunca ocupara o lugar que sempre pertencera a ele, o qual ele agora empossava.
Sim. A minha vida estava ótima. E eu não poderia assumir a culpa de
todos os males do mundo, muito menos deixá-los me impedir de viver, logo quando
a estrela da felicidade sorria para mim.
E nem mesmo quando fui à escola no dia seguinte, e alguns alunos
ainda pareciam assustados, e ouvi vários rumores e sussurros sobre o assunto,
além de perceber olhares receosos, nervosos ou até mesmo acusatórios em minha
direção, essa convicção me abandonou. Nem mesmo quando ouvi Thaís, que só
apareceu na escola no fim da semana, chorar em meu ombro seus medos e tudo o
que vira naquela noite. Nem mesmo com sua defesa e desespero frente à
efemeridade da vida.
O fato de ela ter sorrido e
me agradecido por tê-la feito se sentir melhor dizendo tudo isso, a convencendo
de que ela deveria fazer como eu, seguir em frente, e uma vez que a vida
realmente é muito curta, deveria aproveitá-la, como a vi fazer logo depois,
convidando Pedro para sair, apenas comprova a veracidade da minha conclusão.
E foi com esse pensamento que me deitei para dormir todas as noites,
após conversas e sessões de namoro quase intermináveis com Marcelo na varanda
da minha casa, tendo a graça de ter sonhos bons. Até hoje à noite, quando
acordei de um pesadelo gritando o nome de Dan.
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