terça-feira, 21 de agosto de 2012

Capítulo 10 - Conserto (parte 2)


Sarah afere minha pressão e avalia meu pulso, e me cumprimenta sorridente quando vê que acordei. Ela retira o soro, pedindo para que eu seja cuidadosa, para não precisar usá-lo novamente. E relata já passar das duas horas da tarde, quando pergunto a hora. Eu tento me levantar, mas minha cabeça está pesada. Sarah sorri, alertando que agora eu começarei a sentir os machucados do dia anterior, o que percebo, quando sinto meus lábios latejarem.

Enquanto troca meu curativo, parecendo mais aliviada ao ver que o ferimento está melhor, me afirma que Dan cuidará de mim, dará meus medicamentos, tanto analgésicos como antiinflamatórios e trocará meus curativos, pois está deixando a cidade.

__Por quê?! Ele a ameaçou?! __Pergunto, mas logo me reprimo por estar novamente acusando Dan, apesar de tudo o que ele fizera e ainda fará por mim.

__Não. __Sorri, olhando para mim de um modo estranho. __Eu não me importo em deixar essa cidade. Com o dinheiro que ele me deu, posso recomeçar minha vida em outro lugar com meus filhos. Além disso, o rapaz disse que é para minha segurança.

Eu agora entendo o seu olhar estranho, é aflição. E percebo que há reais motivos para tal, se alguém imaginar sua relação comigo e com Dan fará o mesmo que fizeram comigo, tentando obter informações. Essa idéia me apavora, e me percebo chorando, quando, lutando contra o meu mal-estar que reluta em me deixar sair da cama, me levanto e a abraço.

__Menina! Cuidado! Você ainda não está bem.

__Tudo bem. __Digo, sentando-me, uma vez que meu pé doera com meu movimento brusco. __Foi você mesma que disse, tudo vai ficar bem.

__Vai sim. __Diz sorrindo, me abraçando de volta. __Cuidado. Estarei rezando por você. Mas precisa ser cuidadosa. E tenta falar com ele. Está tentando disfarçar, mas eu percebo a preocupação dele. Aposto que está com uma vontade danada de entrar aqui, só não tem coragem. Você tem sorte que alguém como ele goste tanto de você. Só deveria dar mais valor a isso.

Encaro estupefata a porta por onde Sarah sai após dizer palavras tão absurdas. Reprimo meu coração que bate acelerado e contente, animado com a ilusão plantada por essa senhora ingênua.

Com dificuldade consigo me levantar, alcançando a cômoda e observando-me no espelho. Eu me assusto com meu aspecto. Meu cabelo está uma bagunça, e isso é o de menos. Meu rosto está inchado, imagino de tanto chorar, e das bofetadas que eu recebera de Augusto e Hugo. É estranho, mas reconfortante saber que eles estão mortos agora. Ao mesmo tempo em que isso me acalma, me apavora, por saber que outros virão. Talvez piores que eles. E não sei até que ponto posso esperar ou mesmo exigir que Dan me salve.

Meus lábios estão intumescidos e feridos e eu pareço realmente abatida, mais pálida e magra, com uma expressão constante de dor na face. Com dificuldade, consigo alcançar a porta do quarto, ignorando a dor, e a abro me deparando com o silêncio. Pela janela, posso ver que o carro não está estacionado, imaginando que Dan deve ter levado Sarah à rodoviária.

Debaixo do chuveiro, sinto a água bater sobre meu corpo. É uma boa sensação de limpeza. Tento me equilibrar com meu pé machucado protegido numa sacola, enquanto tento mantê-lo afastado de mim. Os pontos machucados do meu corpo, que são muitos, doem com a pressão da água. No entanto, quando se acostumam, o alívio pela corrente de água fria é imediato e me sinto entorpecer, de uma forma boa, diferente da que eu sentira no dia anterior.

Meu cabelo agradece quando o desembaraço com o condicionador. E uma sensação de frescor me invade. Visto o meu antigo vestido que eu encontrara em uma das gavetas da cômoda, e a visão que tenho de mim no espelho agora me agrada, com meus cabelos úmidos soltos, devidamente penteados e comportados, meu rosto limpo e parecendo um pouco mais saudável, apesar dos machucados que parecem menos perceptíveis, e meu vestido que me dá um ar jovial.

Retiro a sacola que envolve o meu pé, e até ele parece melhor, com o curativo intacto. E eu já consigo encostá-lo no chão, sem que ele doa insuportavelmente. Embora, eu continue a mancar enquanto ando.

Quando saio do banheiro, um pouco mais otimista quanto à minha situação, me deparo com Dan saindo do meu quarto. Ele tenta disfarçar sua apreensão, parecendo despreocupado, observando-me dos pés á cabeça, demonstrando estar satisfeito com o que vê.

__Você parece melhor. __Comenta sem mostrar muito interesse, embora eu possa quase enxergar um pouco de alegria em seu olhar indiferente.

__E estou. __Respondo com meu melhor sorriso que faz meus lábios doerem, embora eu não me importe.

__Que bom. __Diz, encaminhando-se para seu quarto.

__Eu preciso conversar com você. __Insisto em manter o diálogo que ele sempre evitara.

Dan se volta para mim, lendo minha expressão. Posso vê-lo imaginando o que o espera. Ele parece em dúvida, mas acaba se decidindo a ficar, permanecendo em silêncio.

__Obrigada. Não...__Interrompo-o antes que ele tenha a oportunidade de me impedir, quando o incômodo transparece em seu rosto, e o vejo começar a se afastar. __Eu preciso dizer. E prometo que serei breve... Eu sou eternamente grata a você, não apenas por ontem, mas por tudo o que eu sei, e ainda mais o que imagino que você já tenha feito por mim. Desde o meu aniversário, ou talvez até mesmo antes.

Ele permanece em silêncio e minha segurança começa a me abandonar, quando percebo que não apenas a minha voz, mas também meu corpo, começam a estremecer. O olhar sério de Dan, à espera que eu termine o meu discurso, transparecendo quase impaciência, me torna ainda mais insegura. No entanto, tentando vencer meus medos, prossigo trêmula.

__Eu não tenho palavras para me desculpar, muito menos justificar, o que eu fiz ontem. Apenas peço que você me perdoe. __Concluo percebendo que eu não dissera nada sobre o que eu realmente sentia.

__Você fez de propósito? __Dan pergunta calmamente, como se já soubesse a resposta.

__O quê? __Pergunto confusa.

__Você pisou conscientemente naqueles cacos de vidro?

O seu olhar é inquisitivo e quase cruel. Eu não sei o que dizer, mas acabo decidindo pela verdade, a qual não tenho coragem para falar, mas transpareço num sinal afirmativo com a cabeça.

__Você é louca. __Fala parecendo decepcionado, e desviando seu olhar.

__Eu... __Minha voz falha quando tento argumentar. __Eu queria vingar a morte dos meus pais. E imaginei que faria isso entregando você à polícia. E não havia como fugir. Eu nunca pude entender o porquê de eu ter sido poupada, enquanto meus pais haviam morrido. Imaginei que era por isso. Como eu não havia denunciado você antes, deixando-o livre para matar meus pais, achei que essa era minha punição. Sobreviver a eles, para vingá-los.

__Punição?! __Perguntou incrédulo, me encarando novamente. __Você é sadomasoquista? Espero que o que você passou já tenha sido punição suficiente.

__Era uma idéia tola. Mas foi o que me manteve viva. Senão eu teria me matado no dia em que soube da morte deles.

__O quê?! __Sua incredulidade beirava a raiva.

__É. __Prossigo envergonhada. __Você teria me salvado em vão. Contudo, não se preocupe. Eu não penso mais em me matar.

__E qual é o motivo que mantém você viva agora?

__Provar a você que valeu a pena. Deixar que você me leve para esse lugar seguro. Para que você atinja seu objetivo.

__E depois?__Indaga, parecendo cansado com minhas respostas que considera absurdas.

__Eu não sei. __Confesso.

__Você podia viver apenas por si mesma, um dia após o outro. Para se fazer feliz. E não para vingar seus pais, ou me satisfazer. Não é isso o que eu quero. E apenas assim a sua vida valerá a pena para mim. __Suas palavras são doces, contrastando com sua expressão dura e seu ar de reprovação.

Eu sorrio. É difícil acreditar na possibilidade de um dia voltar a ser feliz, mas não falo nada. Pois ainda não acabei.

__Eu vou obedecer a você. Dou minha palavra. Juro pelos meus pais. No entanto, eu não quero continuar presa aqui. Sinto falta do ar puro, de andar pelas ruas.

Posso ver Dan me analisar. Ele parece em dúvida enquanto me observa com seriedade, entretanto, percebo seu corpo relaxar quando ele retira a chave do carro de seu bolso.

__Está bem. Vamos almoçar.

E então, me segurando pela cintura, com meu braço rodeando seu pescoço, ele me ajuda a sair pela porta que agora passa a ser realmente uma passagem, e não a grade de uma prisão. E me permito sorrir, quando meu coração faz o mesmo.

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