terça-feira, 6 de novembro de 2012

Capítulo 23 - Procurados


Sou despertada pelo beijo de Dan, afagando meus cabelos. Minha mente ainda anuviada demora para reconhecer a realidade à minha frente. Tudo se apresenta a mim como um sonho remoto, porém o sorriso de Dan ao ver minha perturbação me demonstra que tudo realmente acontecera.

            Eu sorrio, e o beijo novamente, ruborizando e me escondendo nos lençóis, ao perceber meu corpo descoberto, enquanto Dan já está vestido. Ele sorri, me beijando mais uma vez.

            __Manuela, eu não queria acordá-la, mas nós precisamos ir. Eles já devem estar nos procurando pela cidade.

            Avalio o quarto que permanece escuro, me permitindo ver o rosto de Dan apenas pela claridade da lua que penetra pela janela. Eu ligo o abajur no criado-mudo, me sentando enrolada nos lençóis.

            __Ontem realmente aconteceu?

            __Sim. __Dan responde avaliando apreensivo meu rosto, ao se sentar à minha frente. __Você já está me odiando?

            __Não! Nunca. __Sussurro acariciando e beijando seu rosto ainda machucado. __Nunca. Eu amo você. Henrique. __Sorrio experimentando dizer seu verdadeiro nome. __Henrique.

            __Eu também amo você. É melhor você se vestir. Eu preparei alguma coisa para nós comermos no caminho. A viagem será longa antes de ser seguro nós pararmos.

            __Certo. __ Respondo aceitando a roupa que ele me oferece antes de sair do quarto se despedindo com um rápido beijo. Eu me preocupo por ele estar voltando a sua personalidade habitual séria e cautelosa, sempre à espera do pior.

            Vestida, com os cabelos e rosto devidamente cuidados, procuro por Dan na cozinha, encontrando-o se servindo de uma xícara de café. Sento ao seu lado, aceitando outra xícara, e sorvendo a bebida que queima meus lábios. Observo o seu rosto que transparece preocupação, com o olhar distante.

            __O que houve, Dan? Você está... arrependido... por ontem?

            __Não... __Responde fixando seu olhar sério em meu rosto. __ Eu estou pensando no que vai ser de nós dois... juntos. Ah, Manuela. Você sabe que eu nunca paro num lugar e essa é a minha vida. Tem certeza de que é isso o que você quer?

            __Sim, Dan. É o que eu mais quero. Eu quero você. __Confidencio me levantando e o envolvendo em meu abraço. __Foi você mesmo que me disse que temos que viver um dia de cada vez, tentando ser feliz. Ninguém sabe se estará vivo no dia, hora, ou minuto seguinte. Muito menos nós dois com toda essa confusão. Você é quem me faz feliz, quem me completa. Talvez eu não o mereça, mas pagarei o preço que for necessário para ter você ao meu lado por tanto tempo quanto for possível.

            __Manuela, você não sabe o que está falando.

            __Dan, não vamos discutir isso novamente. __Declaro enfadada.

            __Certo. __Diz com um ar de que ainda não desistiu da conversa, se levantando. __Temos que ir. Já acabou?

            __Sim. __Confirmo, deixando a xícara na pia, e carregando minha mala para a sala, após recusar a oferta de Dan de fazer o mesmo.

            Despeço-me da casa com uma última olhada, ao mesmo tempo em que Dan conduz o carro popular que arranjara na oficina em direção à minha antiga cidade, mas desviando antes de passar por ela, se dirigindo às outras cidades ao redor.

            __Qual é o plano? Você estava falando sério ontem à noite? Sobre seus pais? Vamos visitar o cemitério deles? __Pergunto receosa, tentando evitar tocar em algum assunto delicado.

            __Eles estão vivos. __Confessa avaliando meu olhar com cautela. __Desculpa, eu inventei aquela história. Eu queria que você me odiasse, ou tivesse medo de mim. Já percebia que nós estávamos nos envolvendo, e eu não queria que você confundisse as coisas.

            __Dan... Já era tarde demais... Mas então qual é a sua história?

            __Eu fugi de casa. Meus pais viviam uma vida monótona e humilde numa cidade interiorana e eu sempre quis desbravar o mundo. Então fugi e não sei se encontrei o que procurava. Eles devem ainda morar no mesmo lugar, e é mais seguro, para passarmos alguns dias.

            __Será que o Silas vai nos procurar para sempre? Por que você não conseguiu abrir o cofre, conseguiu?

            __Consegui, mas não lhe disse para não destruir suas esperanças. Não havia nada que me indicasse com quem ele estava negociando ultimamente.

            __Estava vazio?

            __Não. Havia coisas sem importância.

            __Eu queria ficar com elas, se não for nenhum problema. Ter alguma lembrança do meu pai...

            __Eu não peguei nada. Eu sinto muito, não pensei que você pudesse querer.

            __Tudo bem. Então agora vamos ficar fugindo o tempo todo? Eu não estou reclamando... __Falo quando ele parece se sentir culpado. __É só uma pergunta.

            __Infelizmente sim, por enquanto. A única maneira de isso acabar seria matar Silas, fazendo seu grupo de seguidores se dispersarem. Mas isso é quase impossível. No entanto, não descansarei até você ser livre.

            __Eu não me importo se eu estiver com você. __Dou um sorriso triste me aproximando dele e beijando seu rosto.

            __Eu me importo. E você também deveria. __Lamenta não disfarçando a tristeza em seu olhar.

            __Por favor, Dan... Pare de se preocupar tanto. Eu não me importo. Relaxe um pouco, por favor.

            __Está certo. Acho que já estamos longe o bastante. Você quer almoçar? __Sugere se esforçando para sorrir, entrando numa pequena cidade, ainda menor do que na qual estávamos. E eu aceito sem hesitar.

 

            Distraída com o restante da comida que sobrara no meu prato me deleito nas palavras de Dan. Apenas poder estar com ele, me aninhar em seus braços, enquanto tento reprimir meus impulsos de beijá-lo a todo instante, me deixa extasiada. Nunca pensei que poderíamos conversar sobre assuntos habituais como o curso que eu planejara fazer na faculdade, e o que ele teria feito se não tivesse tomado outros caminhos e me surpreendo ao descobrir que faríamos o mesmo. Direito. Eu para saber os direitos e os deveres de cada pessoa. E Dan para saber como burlar as leis.

            Sorrimos ao imaginar como seria se tivéssemos nos conhecido na faculdade. Seria tudo tão diferente, tão mais leve e inocente, sem tantas dores nem feridas, mas imagino que sentiríamos o mesmo um pelo outro, pelo menos eu sentiria. Para mim seria impossível não amá-lo em qualquer circunstância que nos levasse a nos encontrar.

            Eu não escondo minha surpresa quando Dan me confidencia ter apenas cinco anos a mais que eu. Mas disfarço meu pesar ao imaginar o quanto ele sofrera nesses vinte e dois anos, tudo o que ele já vira, sentira, e até mesmo fizera.

            __Tudo bem, Manuela. __Diz percebendo minha tristeza, me beijando demoradamente, não se importando com a quantidade de pessoas almoçando nas mesas ao nosso redor, na área interna do restaurante, protegidos do calor do dia apenas pelos ventiladores de teto. __Eu não tive uma vida ruim. E ela só tem melhorado desde que você surgiu.

            __Mas Dan, você precisa executar pessoas. __Sussurro, embora nossa conversa já esteja sendo naturalmente abafada pelo som alto da televisão e das conversas dos demais. __E essa sua vida solitária... Eu me sinto tão mal por você, pelo seu passado.

            __Eu nunca vi problemas nenhum nessa minha vida. Eu podia não ser feliz, mas também não era triste. Você estava certa. Eu tinha medo de me envolver com as pessoas, de dar importância a elas, pois se eu as amasse, permitiria que elas me machucassem. Mas com você nada que eu tenha feito adiantou. Você destruiu todas as minhas defesas e grades, sem nem eu ao menos perceber antes que fosse tarde demais. Eu sou grato por isso, embora a grandeza do que sinto por você me assuste.

            __Eu também estou assustada, Dan. Eu nunca me senti assim antes, e sempre fui tão sensata. Mas eu não quero nem posso perder você. Dan, você é a única verdade que eu conheço, e a melhor de todas. __Declaro o beijando e o trazendo para perto de mim. Mas por pouco eu não perco o equilíbrio quando Dan me afasta subitamente num misto de irritação e preocupação.

            Eu procuro sua expressão, tentando entender o que acontecera, no entanto seu olhar parece distante, fixo em algo atrás de mim. Procuro o que chama a sua atenção, e minha reação não é diferente da de Dan, uma vez que o que vejo passar na televisão é completamente apavorante.

            Todavia antes que eu comece a gritar ou a chorar, vejo Dan deixar algumas notas em cima da mesa, ao mesmo tempo em que me carrega na proteção do seu abraço para a saída.

            Dentro do carro, enquanto Dan prossegue o caminho, minha vista permanece escurecida, mostrando flashes de imagens minhas e de um desenho do rosto de Dan num telejornal.

            __O que foi aquilo? __Pergunto me esforçando em soltar algum som, enquanto Dan conduz o carro agressivamente. __O que foi aquilo?

            __O seu namorado. Ele nos entregou para a polícia. Agora todos sabem que você está viva, e acham que juntamente comigo, algum amante secreto, matou seus pais.

            __O quê? Ele não pode ter feito isso. Não pode. Eu pedi para ele não falar nada à polícia.

            __Mas ele falou. Espere um pouco aqui no carro. __Determina saindo e indo em direção a um jovem jornaleiro, do qual compra um jornal. Quando volta, batendo a porta com violência e me entregando o jornal, pede que eu o leia, conduzindo o carro novamente à estrada.

            Ainda trêmula, assustada com seu repentino acesso de fúria, observo as folhas, na qual está estampada uma foto minha abraçada a meus pais que reconheço ter sido tirada na festa de formatura, e outra que mostra um desenho não muito bem feito do rosto de Dan, juntamente com a manchete “A nova Suzane?”, mas não consigo pronunciar qualquer palavra.

            Dan percebe minha perturbação e o vejo procurar meu olhar, tentando parecer mais calmo.

            __Desculpa, Manuela. Eu só estou preocupado. Se a polícia se envolver, tudo vai se complicar ainda mais. Eles têm até um desenho do meu rosto. Nunca houve um retrato falado meu antes. Eu não quis ser rude com você. Jamais seria minha intenção.

            __Tudo bem. __Murmuro, surpresa por conseguir exprimir algum som. __Eu só não acredito que ele possa ter feito isso. Ele realmente acredita nisso?

            __Talvez por você tê-lo deixado dizendo que me ama, e nós já nos conhecíamos antes da morte dos seus pais. Se você não quiser ler, eu leio depois. Não tem problema. Desculpa.

            __Não. Eu leio. __Insisto ainda mal podendo olhar para o jornal. __ “O caso da morte da família do rico empresário Agenor... Gonçalves que já fora encerrado como um acidente com a fiação elétrica agora é reaberto com notícias assustadoras, que apavorarão novamente todos os pais do país, tomando proporções gigantescas.

            Foi descoberto que a filha do casal, Manuela... Gonçalves, aparentemente vítima fatal do acidente, está viva e agora... É a principal suspeita da morte dos pais, auxiliada por um jovem matador de aluguel conhecido como... Dan.

            As informações provêm de fonte fidedigna, do próprio ex-namorado da jovem, Marcelo Azevedo, namorado de Manuela na ocasião de sua suposta morte. O jovem relatou à polícia e à imprensa que na virada do Natal recebeu um telefonema proveniente da garota, tentando convencê-lo de que era a própria.

            O jovem emocionado por saber que a namorada ainda estava viva foi na mesma hora para o endereço no qual haviam marcado um encontro, em outra cidade próxima. Marcelo ainda relata que o encontro foi emocionado pelos dois lados, dizendo que Manuela pareceu feliz ao vê-lo e o recebeu como sua namorada, com beijos de saudades, contando a ele que seus pais não haviam sobrevivido e era mantida seqüestrada por um matador de aluguel.

            Marcelo se ofereceu para ajudá-la a fugir e pedir auxílio à polícia e à justiça, mas a garota de apenas 17 anos parecia assustada, com medo que Dan os encontrasse e os matasse. Por fim, conseguiu persuadi-la, mas antes que fugissem foram capturados e torturados numa casa à margem da cidade, em meio à floresta, por homens subordinados a Dan.

            Numa fuga corajosa, os jovens escaparam. No entanto, no meio do caminho, Manuela declarou não poder acompanhá-lo, desejando voltar para seu seqüestrador, por amá-lo. O rapaz não entendeu, mas aceitou a decisão da moça.

            Declara ainda se lembrar de ter visto o assassino na festa de aniversário de Manuela, onde os vira conversar. O rapaz não declara se concorda com a hipótese mais verossímil, de que Manuela pagara, ou se envolvera emocionalmente com o assassino, e por motivos pessoais ou por seus pais não permitirem seu namoro, acabou condenando-os à morte.

            Não se sabem os motivos que poderiam ter levado a jovem a cometer tal crime hediondo, uma vez que os entrevistados apavorados com as descobertas diziam que a família era aparentemente feliz. Seria um caso de síndrome de Estocolmo, em que a vítima se apaixonou pelo captor? Ou um caso de transtorno de personalidade anti-social, em que uma jovem bonita, inteligente, e normal às aparências, não se importa com o próximo, sendo capaz de matar seus próprios pais por não aprovarem seu namorado criminoso?

            A polícia procura os suspeitos, pedindo a ajuda da sociedade para punir os culpados desse terrível crime. Qualquer informação deve ser...”

            Eu paro subitamente, mal contendo meus enjôos quando acabo a leitura. Caindo em prantos encontro o olhar de Dan que me encara enfurecido. Sou incapaz sequer de tocá-lo ou pronunciar qualquer palavra.

            __Eu não acredito nisso. __Dan fala parecendo mais calmo, embora eu perceba o vigor com que seus braços se mantém na direção do carro.

            __Dan, eu sinto muito. Eu nunca vou poder me perdoar por ter envolvido o Marcelo nisso, mas eu nunca imaginei que ele faria isso. Nunca.

            __Tudo bem, Manuela. A culpa não é sua...

            __É claro que a culpa é minha! Por que eu não posso assumir a culpa por nenhum dos meus inúmeros erros?! Desde que nós estamos juntos eu só faço besteira! E agora todo mundo conhece você! Todos sabem que você é o Dan!

            __Calma, Manuela. __Dan tenta me acalmar, vencendo sua própria irritação, numa tentativa de conter minha aflição. __ Isso piora as coisas, mas tudo já não ia muito     bem mesmo.

            __Mas agora acham que somos criminosos. E os seus pais? Nós ainda iremos vê-los?

            __Sim. Ainda é nossa melhor opção. E eles não sabem como eu sou agora, além disso, o desenho não está muito parecido. Ainda temos alguns dias de viagem, até lá espero que todos já tenham esquecido isso.

            __Eu também espero. __Respondo mais tranqüila. __Eu nunca quis bagunçar tanto a sua vida, Dan.

            __Manuela, você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Nunca diga isso. Eu amo você.

            __Eu também amo você. __E então eu o beijo.

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