segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Capítulo 15 - Gosto


O seu gosto é amargo, mas não de um jeito ruim, se tornando quase adocicado quando alcança a parte mais profunda da minha garganta. Experimento novamente. É um gosto diferente, e sinto que a cada vez que prová-lo, ficará apenas melhor, se confundindo com o gosto natural da minha boca.

Satisfeita, descanso a colher nas bordas da panela. Ouço um som agudo e abro sorridente o forno, no qual o termômetro elétrico apita, indicando que o peru está pronto, e pela sua coloração dourada no ponto certo, parece perfeito. Com a ajuda da luva de cozinha o retiro do forno. Ele não está tão pesado, pois eu comprara um pequeno, uma vez que seria apenas para mim e Dan.

Repouso a bandeja na mesa da sala, a qual eu enfeitara com uma toalha de estampas natalinas. Despejo o molho ainda quente, que acabara de experimentar, num recipiente de vidro e o coloco também na mesa. Verifico novamente, toalha da mesa imaculada, duas cadeiras, dois pratos, talheres, taças, recipientes com arroz, salada, colheres para se servir. Tudo está pronto.

Indo à cozinha, verifico o champanhe que permanece na geladeira para que não esquente. Tudo pronto. Já passam das onze horas da noite. Véspera de Natal.    

Indo ao meu quarto, tentando controlar a ansiedade, me encaro no espelho. Cabelos soltos e obedientes com seu brilho natural recuperado após tê-los lavado com xampu e condicionador adequados para suas raízes oleosas e pontas secas. Maquiagem leve, dando um ar natural, e disfarçando os machucados que já quase haviam desaparecido.

Giro, olhando todos os meus ângulos no espelho. O vestido que eu comprara é simples, mas tem um brilho próprio, e sua cor escura realça minha pele clara, além de sua forma valorizar meu corpo.

Reprimo minha consciência quando ela me pergunta o que estou fazendo, verificando o jantar, a casa e o meu aspecto pela milésima vez na noite. Dou um último retoque no batom, que borrara quando eu experimentara o molho, e volto para a sala. Sento numa das cadeiras encarando a porta pela qual Dan entrará a qualquer momento.

Meu pé balança inconscientemente dentro da minha sandália de salto médio que eu comprara. Tudo bem que eu estou dentro de casa, mas é Natal, acho que posso usar uma sandália mais chique nessa ocasião.

Onze e meia. Ótimo. Sem sinal de Dan. A insegurança me angustia, talvez ele passe a noite fora.

Atravesso a sala, indo para o corredor no qual há as portas da cozinha, dos dois quartos, um do lado do outro, do banheiro e da área de serviço, procurando sem sucesso algo para aliviar minha ansiedade.

A cidade para a qual nos mudamos é pequena, um pouco distante da minha antiga cidade, mas acolhedora, com suas casas simples, porém espaçosas, separadas da vizinhança pelos muros baixos. Eu já a visitara algumas vezes com meus pais, para fazer compras, pelo seu menor preço e suas manufaturas, uma vez que no comércio sua economia se baseia. As ruas e casas ainda estavam mais enfeitadas que na minha cidade, pisca-piscas, lâmpadas coloridas, guirlandas e árvores de natal nas lojas que abriam. Anjos de metal com luzes douradas se distribuíam pelos postes da praça principal, onde uma árvore frondosa esculpida como um pinheiro se estendia rodeada de pingentes brilhantes e multicoloridos.

Apesar de a cidade ser primariamente comercial, havia lanchonetes, bares e restaurantes, além de lindas paisagens naturais felizmente preservadas, árvores dispersas pela cidade, algumas inclusive esculpidas nas mais diversas formas na praça principal da cidade, em frente à igreja.

Dan permaneceu silencioso pelo restante do caminho, não parecendo observar a cidade, enquanto continuava seu percurso. Eu já acreditava que essa era apenas mais uma das cidades pela qual nós passaríamos, antes de chegar ao nosso destino, quando Dan desacelerou o carro ao chegamos à parte mais periférica da cidade. Havia apenas casas esparsas e a partir dali a estrada continuava em declive.

Estacionando o carro, antes de descer para abrir o portão da garagem da casa, Dan me informou, sem muitas palavras, que ficaríamos alguns dias. Era bom entrar numa casa novamente após passar tantos dias quase vivendo na estrada. Ela parecia arejada com um pequeno jardim ao lado da garagem apertada, e suas amplas portas e janelas baixas de madeira.

Carregando minha mala, atravessei a porta da casa, me deparando com a sala, mais espaçosa do que a da casa na qual eu ficara com Dan. Havia um conjunto de sofá próximo a uma estante de livros com uma televisão, além de uma mesa e algumas cadeiras, numa espécie de sala de jantar improvisada. Dan me informou que fora aqui que ficara na época em que nos conhecemos, e ainda tinha alguns meses de aluguel pagos. Surpreendi-me por haver dois quartos, se apenas Dan morara aqui, porém era a única casa já mobiliada disponível, pois os donos estavam viajando, segundo o que me disse.

Meu quarto era quase aconchegante com um guarda-roupa com espelho, uma cama de casal confortável, com criados-mudos, abajures, cômoda, largas janelas com cortinas de tecido, ar-condicionado, além de ser uma suíte, assim Dan não mais precisaria ver meu terrível aspecto pela manhã.

Guardei minhas poucas roupas, numa das gavetas, esperando que Dan não aparecesse e me impedisse, dizendo que logo iríamos embora. Distribuí meus objetos pessoais sobre a cômoda, ajeitando-os, e sentindo-me quase no meu quarto. Um otimismo me invadira desde que eu me conformara e parara de lamentar minha antiga vida que não voltaria e tentei aproveitá-lo.

Indo a sala, me deparei com Dan que já se preparava para sair.

__Aonde você vai? __Indaguei me impedindo de me preocupar por ele estar acordado há mais de vinte e quatro horas.

__Ao escritório do seu pai, reconhecer o território. __Respondeu já se dirigindo à porta, tendo trocado a camiseta por uma mais social.

__Eu posso ir com você?

__Eu já disse que não. E ao escritório do seu pai?! É óbvio que eles reconheceriam você.

__Eu posso me disfarçar. E apenas me achariam parecida. Ninguém acreditaria que estou viva. E por que não reconheceriam você? Muitas pessoas da minha cidade viram você na minha festa.

__Podem ter me visto, mas não realmente prestado atenção. Duvido que se lembrem de mim. Essa é outra qualidade minha. Eu sou quase invisível.

__Mas eu vi você na minha festa, e quando você estava saindo também. E mesmo que tudo aquilo não tivesse acontecido, eu ainda me lembraria de você. Você é diferente... __Terminei a frase num murmúrio ao imaginar como ele interpretaria tal declaração.

__Espero que isso seja apenas com você. __Redargüiu parecendo incomodado. __E acho melhor você não sair da casa, mas você não está presa. __Concluiu deixando uma chave da casa sobre a bancada da janela, próxima à porta, por onde saiu sem se despedir.

Ele chegou apenas no início da noite sem muitas notícias. Retornando nos dias seguintes à cidade, dando-me permissão para que apenas almoçasse no restaurante próximo e fizesse algumas compras no supermercado, ao me deixar um de seus cartões de crédito, algumas notas de dinheiro e minha identidade falsa para qualquer eventualidade.

A maioria dos arquivos do meu pai era comum, negócios da empresa de investimento antigos e sem importância. Dan ainda conseguira invadir o escritório do meu pai, no entanto, o cofre que encontrara e abrira estava vazio, o que apenas comprovava que mais alguém havia vasculhado a sala à procura de informações. Ele evitava me contar detalhes, contudo havia outro cofre que não conseguira abrir. E eu me esforçava em procurar possíveis senhas sem sucesso.

Eu percebi que ele começava a considerar tal tarefa sem muitas chances de êxito, e me esforcei para ajudá-lo. Entretanto, os dias passaram em silêncio, interrompidos apenas pelas minhas idéias súbitas da possível senha, oito letras, sem números.

No táxi que me levava ao restaurante, um diferente a cada dia, para evitar que lembrassem meu rosto, o taxista de sotaque espanhol, me cumprimentou com um feliz natal caloroso, sorrindo ao me ver confusa por já ser dia 24 de dezembro. Um sentimento de nostalgia me invadiu, enquanto eu admirava as pessoas passando pelas lojas sorrindo com seus familiares e amigos, e então me decidi a fazer algo especial. Dan era minha família, e eu lhe devia eterna gratidão, além de ele estar com dificuldades.

Eu nunca aprendera a cozinhar, no entanto enquanto percorria as prateleiras do supermercado, me esforçava para lembrar quando fazia compras com minha mãe. Era divertido vê-la escolher rigorosamente os ingredientes dos pratos que preparava em ocasiões especiais. Enquanto entregava as compras a Juan, o taxista que colocava as sacolas no porta-malas, desejava que Dan não me recriminasse por ter usado seu dinheiro para futilidades, como talvez ele imaginasse.

O movimento na cidade era intenso, com todas as pessoas deixando para comprar na última hora seus presentes de natal, e num impulso repentino me vi adentrar uma loja de roupas, envergonhada por ainda vestir o vestido que Dan comprara em algum supermercado. Controlei meus gritos de excitação ao admirar as peças de roupa. Nunca fora viciada em compras, mas elas sempre foram uma boa terapia.

Um vestido mais lindo que o outro, e eu podia sentir, que onde quer que minha mãe estivesse me aprovaria nesse momento. Experimentei blusas, sandálias, vestidos, calças, sem conseguir me decidir. Até que o vi. O vestido perfeito para a sandália que eu até já escolhera. Simples, mas sob medida, se ajustando perfeitamente ao meu corpo. Na altura perfeita das minhas coxas, nem muito curto, nem muito puritano. Apertado na cintura, e se encaixando perfeitamente em meus seios, seguros apenas por suas finas e delicadas alças.

Ainda sorrindo, tentando reprimir minha imaginação que fantasiava a respeito do que Dan pensaria ao me ver arrumada, entreguei a sandália e o vestido para a vendedora que aprovou minha compra, desejando que eu tivesse um Natal maravilhoso. E então senti meu ar faltar. Não por qualquer futilidade como compras ou a sandália mais perfeita. Era algo assustador, e não pude disfarçar meu pânico para a atendente, que me ofereceu um copo de água, o qual recusei querendo fugir dali. Era como ver um fantasma, mas no caso, o fantasma era eu.

Luana e Matheus entravam na loja abraçados. Ela saltitava, com os cabelos mais curtos balançando aos seus movimentos, e seu olhar brilhante ao admirar tudo e todos. Ela dava gritos de excitação ao ver os vestidos, os quais eu antes reprimira, com os braços rodeando o pescoço do namorado, que encantado sorria timidamente. Eu escondi meu rosto dentro dos meus cabelos, recebendo minhas sacolas e saindo como um raio da loja.

Correndo pela rua, contendo as lágrimas, que traiçoeiras haviam aparecido sem o meu chamado, entrei numa livraria para recuperar o fôlego. Eu estava feliz por ela, tentava me convencer. Por todos os anos que eu a conhecera, desde a infância, nunca a vira tão radiante. Assim como Matheus, que parecia imensamente feliz, ruborizando a cada grito da namorada. E não pude me conter de invejá-la.

Luana que sempre fora a mais pessimista das minhas amigas, que relutava em acreditar na beleza da vida, agora a transbordava. O seu sorriso e seu ar juvenil, com todos os sonhos e o mundo inteiro a seus pés. A paixão que transparecia em seu sorriso, no seu olhar sonhador e até mesmo na sua respiração.

Eu a invejei. A antiga Manuela era como ela, sonhadora, feliz, com o amor transbordando de seu peito. Mas então eu me repreendi por tê-la invejado. Se eu tivera que amadurecer tão rapidamente, ficava feliz e desejava que ela pudesse viver a ilusão de uma vida perfeita por muito tempo.

E então, quando as lágrimas que há pouco haviam sido derramadas desapareceram, subitamente percebi que ficava cada vez mais parecida com Dan. Cética e racional. E então saí da livraria, sorrindo para a vendedora que ficara preocupada com a forma que invadira a loja, e andei calmamente com minhas sacolas até encontrar Juan, descansando num bar, pedindo a ele que me levasse para casa.

Meus pensamentos são subitamente surpreendidos pela chegada de Dan. Ele retira seu casaco, descansando-o em seu braço, deixando à vista sua camiseta preta apertada, a qual revela os contornos dos seus músculos bem trabalhados, numa perfeita combinação com seus jeans escuros, e então me encara surpreso. Vejo seus olhos rapidamente percorrerem toda a sala, a mesa enfeitada com as comidas, as taças, os talheres, minha sandália, meu vestido e enfim meu rosto.

É como estar sendo avaliada esperando sua nota, e eu estremeço ao perceber que estou sendo reprovada.

__Qual é a piada? __Dan pergunta sem parecer estar achando graça, apenas aborrecido e cansado.

__Feliz Natal! __Ouço-me dizer com minha voz falha para minha eterna vergonha. Nunca havia me sentido tão ridícula antes, contudo me empenho em manter meu sorriso artificial no rosto.

__Natal?! De todas as coisas com as quais você poderia estar se preocupando, você se concentrou no Natal?! __Indaga incrédulo fitando-me quase enraivecido.

__Foi você mesmo quem me disse para curtir o momento... __Rebato disfarçando sem êxito minha decepção. __É o que estou fazendo. É véspera de Natal! Tempo de paz...

__Nós estamos no meio de uma guerra. E você é a causadora. E eu não acredito em Natal! De onde você tirou essa idéia?! Depois de tudo, você ainda acredita nessas baboseiras?

__Então ignore o Natal. __Continuo numa tentativa frustrada de não ter minha noite destruída. __É só um jantar, que parece realmente bom. Você poderia pelo menos comer alguma coisa.

__Eu estou sem fome... __Conclui voltando à sua impassibilidade habitual.

__Eu comprei champanhe, se você quiser. __Insisto começando a me levantar da cadeira. Nada está funcionando como o planejado, mas eu não desisto fácil.

__Como você comprou uma bebida alcoólica? __Pergunta me enfrentando e me retendo em minha cadeira.

__Eu tenho uma carteira que diz que tenho 18 anos, esqueceu?! E, fala sério, é champanhe! Não é nenhum crime.

__Que roupa é essa? Você vai sair?

__Não. É Nat... Tudo bem, é um jantar especial...

__Manuela, você está de batom? __Pergunta, mais afirmando com um ar aborrecido e alerta. __O que você está tentando fazer?

__Eu estou tentando ter uma noite agradável! __Exclamo levantando-me da cadeira, e me equilibrando nos meus saltos, não mais me importando em salvar uma noite já perdida. Eu realmente me esforçara em dar um momento agradável a Dan, sem executores, assassinatos, cofres, nem segredos. Apenas nós dois comemorando o Natal. __O que parece ser impossível na sua companhia! Droga! Eu estou tentando agradecer tudo o que você tem feito por mim. Fiz um bom jantar, e quis me vestir à altura. Mas tudo bem. Tudo esfriou. Tudo já deve estar uma droga mesmo. __Choramingo, não mais me preocupando que minhas lágrimas infantis possam borrar minha maquiagem, retirando as bandejas. No entanto, antes que possa levantá-las da mesa, sinto a mão de Dan segurando firme meu braço.

__Tudo parece ótimo... __Murmura, parecendo vencido. __Eu não estou nos meus melhores dias. Ainda não descobri qual é a senha. E é quase impossível violar a porta do cofre.

__E você tem algum dia bom? __Pergunto encarando-o chateada, tentando sem sucesso libertar meu braço preso em sua mão, reprimindo as lágrimas que forçam sua saída.

__Não, desde que eu inventei de te salvar. __Diz e eu posso quase ver um humor nos seus olhos antes de desviar meu rosto.

__Sinto muito. Agora pode me soltar. Eu tenho que tirar essa fantasia ridícula.

__Você não está ridícula. __Ouço-o dizer baixo, como se não quisesse ser ouvido.

__Patética talvez seja uma palavra mais adequada. Ou infantil. Ou mimada. __Prossigo e me surpreendo com as lágrimas. Eu não acredito! Essa Manuela havia desaparecido! O que ela está fazendo aqui agora me forçando a chorar?! Já não estou sendo ridícula o suficiente?! Questiono inconformada a mim mesma.

__Sem autoflagelação, Manuela. Eu realmente agradeço seu esforço. E você não é nada do que está falando. Você é uma garota incrível.

__Você não precisa mentir para mim. Eu não me importo. Você mesmo já disse que eu só tenho lados ruins. Você vê algum lado bom em mim? __Indago procurando seus olhos com os meus marejados, quando o percebo soltar meu braço, permanecendo em silêncio. __Eu sabia. Você estava mesmo certo com a sua teoria de que ninguém vale a pena.

__Você vale a pena... Apesar de tudo.

__Apesar de eu ser ridícula.

__Para de dizer isso. É melhor nós comermos.

__Perdi a fome. __Concluo, pegando um prato e estendendo a ele, enquanto permanecemos em silêncio.

 

O jantar estava realmente ótimo, uma vez que eu acabara comendo para tentar aproveitar o resto da noite, que não parecia de todo perdida. Dan se ofereceu para retirar a mesa, parecendo quase arrependido pela maneira com que recebera a minha surpresa. Enquanto comíamos, não trocamos muito palavras, mas pelo menos não discutimos nem nos machucamos, como era de costume quando conversávamos.

Distraída, contemplando a mesa de jantar já vazia, me assusto com o som dos fogos de artifício que prenunciam o Natal. Corro para abrir a janela e me surpreendo por os habitantes dessa pequena cidade terem esse costume, todavia logo meus pensamentos se esvaem enquanto me maravilho com a dança das cores no céu negro e estrelado, em suas diversas formas, alcançando alturas variadas.

Um espetáculo criado pelos homens tentando imitar a beleza das estrelas cadentes, com raios de luzes multicoloridas se espalhando pelo céu, e caindo como uma chuva de prata em direção ao solo. Os sons dos estouros não mais me assustam e me percebo lembrando meus pais, desejando que eles não me recriminem por nunca ter tido tanta vontade de viver. 

Dan parece sem jeito quando se aproxima da janela para vê-los, e sorrio para que ele se aproxime. No entanto, ele permanece numa distância segura, com a expressão séria, observando o céu. Sua expressão não demonstra emoção, na verdade, parecendo estar com a mente distante. E eu me entristeço por ele não conseguir enxergar a beleza desse momento.

Infelizmente Dan vira apenas o lado triste e desagradável da vida, sob as lentes escuras e distorcidas da morte. Só imaginar tudo pelo qual ele já passara faz meu coração se encolher dolorosamente em meu peito, e talvez a minha missão, se eu ainda tenho alguma, seja fazê-lo ver e sentir a beleza.

__É lindo, não? __Começo sem receber resposta, a qual eu não esperava, apenas desejando interromper seus pensamentos sombrios. Os fogos de artifício já diminuem sua freqüência, entretanto agora são os mais bonitos que voando alto atingem o céu como um clarão se espalhando por ele e colorindo-o diversas vezes.

__Eu vejo um lado bom em você, Manuela. __Dan começa parecendo desconfortável e relutante em encarar meus olhos, no entanto acabo encontrando seu olhar, o qual me é indecifrável. __Na verdade, você é a melhor pessoa que conheço. Você não merece nada disso que está acontecendo. Eu realmente sinto muito.

Talvez tenham sido os fogos, me contagiando com sua euforia explosiva, ou a magia do Natal, e sua irrealidade infantil, a interferência dos meus pais, onde quer que estejam, ou a beleza da noite, o que ainda nos espera, ou o que já vivemos, as tantas vezes que ele me salvara, o jantar, ou suas palavras. Mas acredito que tenha sido o seu olhar enigmático.

Entretanto, com meus olhos mergulhados naquele olhar sombrio, vejo meu corpo, quase que involuntariamente, se aproximar do de Dan, que permanece estático me encarando, e minha mão subir á altura de sua nuca, trazendo seu rosto com delicadeza à altura do meu. E então, antes que qualquer resquício de racionalidade possa me impedir, me percebo encostando meus lábios levemente aos seus.

 É como se uma explosão se iniciasse. Como a pólvora sendo incendiada pela chama de uma simples fagulha. Num segundo meus lábios encostam-se aos de Dan e no outro sinto seus braços rodearem minha cintura, enquanto sua boca ávida procura a minha, beijando-a com urgência.

O seu gosto é amargo, mas não de um jeito ruim, se tornando quase adocicado quando alcança a parte mais profunda da minha garganta. Experimento novamente. É um gosto diferente, e sinto que a cada vez que prová-lo, ele ficará apenas melhor, se confundindo com o gosto natural da minha boca.

Suas mãos percorrem meu corpo, e eu o abraço forte para que nunca se separe de mim. O seu cheiro inebria minha mente, e sinto minha consciência se esvair, enquanto me perco em seus carinhos. Seguro seu cabelo que escorrega por entre meus dedos, e quando ele me senta na bancada da janela, eu deslizo minhas mãos para dentro de sua camisa, sentindo sua pele contra a minha, e seus músculos contraídos em tensão.

Ele mergulha seu rosto em meus cabelos, seguros em sua mão firme, beijando minha orelha, e meu pescoço, e eu me contorço de prazer no seu abraço, desejando que isso nunca acabe. Sua boca procura novamente a minha, e eu a entrego sem resistência, sentindo sua língua explorá-la. Eu o trago para mais perto de mim, pressionando meu corpo contra o seu, como que para fundi-los num só.

Porém eu teria caído da minha posição, se ele não tivesse me colocado em pé num impulso, distanciando-se de mim subitamente, parecendo transtornado.

__Não. __Diz com a voz entrecortada, e sua respiração ofegante. Seu olhar parece turvo e num ímpeto ele pega seu casaco e a chave do carro que descansava no braço do sofá. __Você está confundindo as coisas, Manuela.  

__O que houve, Dan?!__Exclamo resfolegante ajeitando meus cabelos e meu vestido. No entanto, ele não deve ter ouvido, pois já desaparece entrando no carro e saindo como um raio.
 

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