segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Capítulo 14 - Inquisição


__O que você fez?! __Pergunto chorosa não mais agüentando o silêncio que se instalara desde que havíamos ganhado a estrada. Eu não sei há quanto tempo permanecemos no carro, quanto tempo falta para chegarmos em algum lugar ou para onde estamos indo. __Você... Você o matou!

            __É o que eu faço. __Redargúi com o olhar na estrada. Ele retira o casaco ensopado e o joga no banco traseiro do carro, revelando sua camiseta preta que permaneceu seca apesar da chuva. Seus cabelos molhados caem sobre seu rosto sério, gotejando em sua camisa, e eu posso ver seu rosto machucado por algum dos galhos que haviam atingido o carro, mas me impeço de me sentir culpada. __Eu mato pessoas.

            __Mas por quê?!__Eu me esforço para que as minhas palavras façam sentido quando nada na minha vida faz. As imagens de Carvalho povoam minha mente, suas expressões de terror e alívio se misturando à face fria e impassível de Dan ao matá-lo, fazendo meu coração se apertar assustado em meu peito. __Ele era seu amigo. Ele disse a você tudo o que queria. Você. Você o abraçou. Ele...

            __Eu não tenho amigos. __Afirma secamente com o olhar fixo à sua frente, encarando a noite fria e silenciosa. A paisagem ao nosso redor parece embaçada quando Dan atinge a marca dos 200 km/h temendo que os homens de Carvalho nos alcancem.

            __Mesmo assim ele era uma pessoa, devia ter família, amigos, sonhos... Meu Deus... Como você pôde matá-lo? Como você pode matar alguém? Ele implorou. Ele não teve culpa, o ameaçaram de morte... E você. Você simplesmente o matou.

            __O que você achou? __O sarcasmo em sua voz é como um ácido corroendo meu peito. __Que eu sou uma espécie de seu anjo da guarda? Que eu só mato pessoas para lhe proteger? Isso não é um conto de fadas. A essa altura, você já deveria ter percebido. Quando eu atirei nos homens que estavam torturando você, não pareceu achar tão ruim.

            __Eu não falo apenas nessa situação. Como você pode viver disso? De matar pessoas? O que o faz melhor que elas? Você não tem o direito de decidir quem vive e quem morre!__Grito inconformada resistindo, sem sucesso, ao meu impulso de voltar a chorar.

            __É o que eu faço de melhor. Elas morreriam de uma forma ou de outra, a única diferença é que sou quem está com a arma, e sei usá-la melhor. E não sou eu que decido quem vive e quem morre. Eu não mato os mocinhos. Se alguém me paga para matar uma pessoa, ela deve ter feito alguma coisa para merecê-lo. Os motivos não me interessam. Eu apenas faço melhor o que um amador acabaria fazendo em meu lugar.

            __Então os meus pais mereceram morrer?

            __Você ouviu o que o Carvalho disse. Eles se meteram com as pessoas erradas.

            __Então eu mereço morrer também. Alguém pagou você para fazer isso. Por que você não fez se não se importa?! __Exclamo caindo em prantos. Eu não consigo acreditar que ele possa ser tão insensível e cruel. O olhar de desespero do homem que acabara de morrer, e sua expressão de alívio antes de ser alvejado se aloja em minha memória, me perturbando.

            __Você não sabia de nada. Não tinha nada a ver com aquilo.

__Como você podia saber?! Você nem sabia por que estava matando meus pais!

__Quantas vezes eu preciso dizer?! Eu queria salvar sua vida. E com certeza não é o que eu faço de melhor. Durante aqueles dias que nós passamos naquela casa, eu estava esperando apenas que seus documentos ficassem prontos, a sua passagem já estava comprada. Ninguém saberia que você havia sobrevivido e poderia viver em outro país, recomeçar a vida. Foi você que não acreditou em mim, e eu estou apenas consertando os erros que você cometeu, e que acabaram me envolvendo também. Acho que um pouco de gratidão não faria mal.

__Eu sou grata. __Confesso resignada, observando Dan, sem entender o que sinto por ele, tendo todos os motivos para odiá-lo, amá-lo, temê-lo e admirá-lo. __Só não entendo como você pode querer que eu recomece a minha vida, sem dar nenhum valor à vida de uma maneira geral.

__Você não sabe nada sobre mim.

            __Mas eu quero saber. Você entrou na minha vida e atualmente é a parte mais importante dela. Eu me importo.

__Eu posso fazer parte da sua vida, mas você não faz parte da minha. Eu vivo sozinho. Sempre vivi e você não vai mudar isso. __Continua enquanto observa a rodovia que passa como o vento abaixo de nós, e eu me pergunto por que ele evita tanto meus olhos.

__Você não pode viver sozinho! Nenhuma pessoa sobrevive sozinha.

__Eu estou muito bem. E ainda estava melhor antes de você estragar tudo.

            __Ótimo. Por que você não faz o que o Carvalho recomendou, então? Você pode me matar e me entregar para eles.

            __Eu nunca trabalharia para eles...

            __Mas poderia me matar. Fazer o que você faz de melhor. Se você não fizer eu posso fazer. E se for por peso na consciência, não se martirize, você se esforçou ao máximo, eu que estraguei tudo.

            __Eu não sou do tipo que faço o que os outros querem. E você me atrapalha menos estando sob a minha vigilância.__Completa irritado.

            __Jura?! __Inicio irritada, com meu ódio superando meu temor. __Pois eu pensava que você era o cachorrinho que matava as galinhas para impedir o dono de sujar suas mãos de sangue!

            __Você não deveria ter dito isso. __Diz segurando com firmeza o volante, como se estivesse se impedindo de fazer algo, enquanto acelera o carro a uma velocidade espantosa que eu não sabia ser possível se alcançar. Posso ver seus músculos tensos, contraídos, com suas veias quase saltando do braço e seu rosto numa expressão de ódio contido.

            __Eu não tenho medo de você! __Vocifero com meu corpo todo a tremer, desesperada com as palavras loucas que minha boca insiste em dizer. __Você é apenas um covarde, que não tem coragem de enfrentar a verdade, e continua a viver sozinho, por medo de que alguém o ame, já que é incapaz de amar qualquer pessoa, amar o próximo! E tem medo de admitir que é fraco! As pessoas têm medo e é isso que as fazem humanas! Você não matou o Carvalho por ter traído um amigo, se você nem tem amigos, nem mesmo por ter traído a sua confiança! Você o matou porque ele teve a coragem de admitir que é fraco, é humano, tem medo de morrer! Enquanto você brinca de matar achando que assim é uma espécie de amigo da morte! Mas ela um dia vai pegar você! E não haverá uma única pessoa para lamentar a sua partida!

            Calei-me assustada com minhas palavras. Talvez eu realmente queira que Dan termine logo com isso, me odeie, e me mate. Ou apenas não consiga aceitar o que os fatos me mostram e sempre me mostraram. Que Dan, infelizmente, é um monstro insensível.

            __As pessoas se matam aos poucos todos os dias, mas ninguém parece perceber. __Inicia parecendo calmo enquanto contempla a paisagem à sua frente. __Eu apenas acelero o processo, talvez até com menos dor. Eu não tenho medo da morte nem me importo se ninguém lamentar a minha partida. Cada um exerce o papel que lhe foi dado.

            __Ninguém te deu esse papel!

            __A vida é uma cadeia alimentar. Todo mundo vive do suplício de outro. O seu castelo de sal se devia ao sofrimento e mortes de muitas pessoas. Mas nas suas lentes cor-de-rosa tudo era um sonho. Seja bem-vinda à vida.

            __Eu não sei se quero essa vida. __Murmuro percebendo que as minhas palavras machucaram apenas a mim, e que nada que eu faça poderá atingir Dan, não com a barreira intransponível que ele construíra ao redor de si mesmo.

            __É a única que tenho a oferecer. O seu castelo desmoronou. Às vezes é melhor nunca ter tido um castelo.

            __Como você pode saber se nunca matou um inocente? Alguém que não merecia morrer? __Indago procurando sem sucesso algum sinal de humanidade em seu rosto.

            __Não existem inocentes nem culpados. Apenas pessoas com precaução, que eliminam seus inimigos antes que eles façam o mesmo com eles. Eu fiz a minha escolha. Todos são meus inimigos, e eu estou sempre um passo a frente deles.

            __Você não pode odiar todas as pessoas. Sem se importar com suas mortes.

            __Eu não odeio todas as pessoas, apenas não sinto nada por elas, sou indiferente, não me importo.

            __Mas isso não permite que você decida quem merece morrer e quem merece viver.

            __Não sou eu que decido. É quem me paga...

            __Como você pode ser tão insensível?! Meu Deus! Talvez você só tenha visto o lado mau das pessoas. Entretanto, todas elas têm seu lado bom, só que algumas vezes não têm oportunidade de mostrá-lo. E elas merecem viver, para terem essa chance.

            __Eu, por exemplo. __Fala calmamente com o olhar distante. __Nem a sua fantasia pode ver um lado bom em mim.

            __Eu... Eu vejo todos os dias quando você me salva e quando se preocupa comigo. __Confesso me aproximando e enfrentando seu olhar quase surpreso que finalmente me observa. O seu rosto está tão próximo ao meu, que com dificuldade resisto ao impulso de beijá-lo, embora não faça idéia de onde surgiu esse desejo repentino e inconseqüente, talvez numa tentativa inconsciente de fazê-lo sentir qualquer sentimento humano.

            __Errado... __Começa parecendo se recompor, voltando o olhar para a auto-estrada.  __Esse é um dos meus piores lados.  

            __Como assim?!

            __Eu fui puramente egoísta, só você que não percebe. Eu nunca precisei de ninguém na minha vida, por isso sou livre, sem dívidas. Eu nunca devo favores, mas devia a você, estou apenas retribuindo.

            __Nem todo mundo retribui favores. __Continuo não acreditando no que ele insiste em me convencer.

            __Por que você está fazendo isso? __Exclama me encarando irritado, me espantando com sua exaltação repentina. __Esse jogo?! Não basta eu ter matado seus pais?! Você deveria me odiar! Você acaba de comprovar a minha teoria, de que ninguém tem um lado bom! Você mesma é tão egoísta que me perdoou por ter matado seus pais apenas porque salvei a sua vida!

            Suas palavras me atingem como uma bofetada, retirando meu fôlego e me impedindo de me defender. Eu evito avaliar a mim mesma no espelho retrovisor, mas me deparo com meu reflexo. Eu me admiro por fazer tanto tempo que eu não me olhara num espelho, e mal me reconheço. Meus olhos marejados parecem opacos, sem brilho, como os de um doente terminal à espera do descanso eterno, assim como meus cabelos que pendem ao lado do meu rosto pálido e abatido. Meus lábios arroxeados tremem do que parece ser frio ou talvez da tentativa que faço de me impedir de chorar. E eu agradeço que nenhuma das pessoas que haviam conhecido a antiga Manuela possa me ver agora. Eu não saberia explicar onde ela se perdera.

            __Eu não perdoei você. __Declaro agradecida por ele estar me ofendendo e assim diminuindo o meu desejo de compreendê-lo, enquanto não reprimo mais minhas lágrimas. __Nunca perdoarei. E você se engana quando diz que nunca precisou de ninguém. Seus pais? Você não é auto-suficiente ao ponto de ter nascido do nada.

            __Mas eu retribuí o favor. __Afirma retomando sua calma inicial.

            __Como?! Se tornando um assassino?! __Ironizo com minha voz falha.

            __Não. Causando suas mortes antes que eles precisassem saber disso.

            E então eu me calo e Dan parece subitamente satisfeito.

 

            Minha intenção é permanecer silenciosa pelo restante da viagem. Meus olhos estão cansados e ardendo, se fechando ao meu mínimo descuido, porém sou incapaz de dormir com minha mente processando as palavras de Dan. Ele matara seus próprios pais, e eu não sei se sinto piedade, medo ou repugnância. A única coisa que afirmo é que não posso ser indiferente a ele, embora ele seja a mim.

            Eu sei que ele me protegerá e me manterá viva até quando lhe for vantajoso, e não há mais como sair do seu jogo. Posso ver seus músculos lutando contra o cansaço, enquanto sua expressão continua séria. E só de imaginar todas as provações pelas quais ele já passara, sinto meu coração apertar em meu peito. O sol começa a surgir no horizonte, e seus primeiros raios brincam no rosto de Dan que mal parece percebê-los. E me reprimo ao me perceber o admirando.

 

            Eu abro a janela, esperando que o vento frio da manhã espante meus pensamentos e me pergunto há quanto tempo já estamos na estrada, indo para mais uma cidade desconhecida. No entanto, logo me vejo contemplando novamente a expressão de Dan segura e maliciosamente perigosa. E por mais que minha mente me proíba, não me impeço de retomar a conversa:

            __O que houve com os seus pais? __Inicio sabendo o terreno perigoso o qual começo a percorrer. __Como eles morreram?

            __Eu não falo sobre isso. __Afirma aborrecido com a interrupção, parecendo estafado pela viagem.

            ­­__Eu prometo não fazer mais nenhuma pergunta... __Insisto apenas desejando que não briguemos mais.

            __Você já prometeu isso antes.

            __Eu dou minha palavra.

            __Você já jurou pela alma de seus pais. Sua palavra é mais forte do que isso?

            __Quantos anos você tinha? __Continuo ignorando sua relutância que parece vacilar.

            __Doze. __Começa aborrecido. O movimento na estrada aumenta, carros e caminhões passam por nós em alta velocidade, o dia amanhece, mas Dan continua a correr. __Meu pai era muito violento e agredia minha mãe. Eu era filho único e num dia meu pai, ao chegar do trabalho, surrou minha mãe, deixando-a desacordada. Ela fazia o jantar na cozinha, e agora jazia no chão de piso batido. Eu não hesitei e matei meu pai com a faca da cozinha e chamei a polícia, após fugir de casa. Soube depois que ela estava apenas desmaiada, e se matou quando descobriu que eu fizera aquilo. Satisfeita?

            Meu corpo estremece quando imagino a cena, e me abraço em meu casaco emprestado, em busca por proteção. Observo o rosto de Dan cuja expressão dura me fere a alma. Eu também me sinto em dívida com ele, mas sei que nunca estarei à altura de recompensá-lo. Sinto as lágrimas rolarem pelo meu rosto, e não tento reprimi-las. Já estou cansada de não ter sucesso nas minhas tentativas, e então elas respeitam minha dor e descem calmas como se não quisessem me assustar nem chamar a atenção de Dan.

            Eu desvio meu rosto para longe de Dan, contemplando a janela, na tentativa de impedi-lo de me ver chorar, lamentando sua dor, todavia, quando a paisagem se torna cada vez mais familiar, não me reprimo de soltar um grito assustado:

            __O que estamos fazendo aqui?! Essa é a minha cidade!

            __Eu sei.        

            __Mas eles devem estar por aqui! Não é seguro!

            __Você ouviu o que o Carvalho disse? Seu pai trabalhava para o Silas. Eu preciso saber que tipo de negócios ele tinha, e para quem ele estava servindo de espião. Como a sua casa está destruída, eu preciso entrar no escritório do seu pai. O Silas já deve ter limpado qualquer vestígio, mas deve haver algum cofre. Eu quero que você me diga todas as datas e os nomes importantes para o seu pai, e o que você se lembra do escritório dele, algum lugar que você não podia entrar. Qualquer coisa.

            ___Qual a importância disso?! É muito arriscado. Todo mundo me conhece, qualquer um pode me reconhecer.

            __Alguém estava oferecendo proteção para o seu pai, eles podem oferecer a você, em troca de informações. E nós não vamos ficar aqui. Vamos para outra cidade, onde será mais seguro. Apenas eu virei para cá. Espero que você não se deixe seduzir pela nostalgia e faça alguma besteira.

            __Eu não vou.

            __Ótimo. __E então fecha as janelas do carro, para que ninguém possa me ver através dos vidros escurecidos, embora eu possa ver tudo, como num sonho de uma vida passada.

É uma situação que muitas pessoas já desejaram, poder ver seu mundo após sua morte. E terrivelmente perturbador.    As casas ainda estão fechadas, mas alguns idosos começam a abrir suas janelas para receber a claridade do sol. As crianças começam a se arrumar para a escola, e algumas que moram mais distante, começam seu percurso despedindo-se das mães, que verificam pela milésima vez se nada está faltando na mochila.

            Os postes começam a se apagar, os bares da periferia da cidade a se fechar, e as padarias abrem suas portas. Embora os vidros fechados me impeçam de sentir o ar fresco da cidade quase provinciana na qual vivera por toda minha vida, posso quase sentir seus cheiros, dos ipês floridos nos quintais das casas protegidas por seus muros baixos, das folhas e da grama úmidas pelos chuviscos da noite nas praças, parques e residências, além dos pães mal saídos do forno e o café que começa a ser fervido.

Começo a reconhecer os lugares da cidade, as praças na qual passeara, os parques nos quais brincara por toda a minha infância, a danceteria da minha festa, e as lanchonetes que eu freqüentara com meus colegas. A decoração natalina se estende pela cidade, as árvores das casas cobertas por pisca-piscas ainda acesos, guirlandas espalhadas pelos comércios, e a grande árvore de natal na maior praça da cidade próxima à minha escola ainda deserta, sendo pintada para o ano seguinte, para os novos alunos.

Talvez seja um prazer mórbido de Dan, mas logo me percebo no meu antigo bairro de casas luxuosas e isoladas. Eu me esforço para reconhecer algum vizinho, mas todas as casas permanecem silenciosas nos seus muros altos. E então minha antiga casa.

 É como estar num pesadelo sem roupas, sem proteção, sem um lar. Há apenas o seu largo terreno recém-capinado com uma placa de vende-se, rodeado pelo muro de pedra. Eu não me importo de estar chorando. É como chorar á beira do túmulo dos meus pais, oportunidade que eu não tivera.

Vejo Dan desacelerar o carro, e agradeço a ele inconscientemente. Meu coração dispara ao reconhecer uma foto presa à parede, a mesma foto minha e dos meus pais. Eu não consigo ler os dizeres, no entanto agradeço pelo carinho da cidade por minha família.

É estranho ver o lugar em que eu passara toda a minha vida destruído, apenas um pedaço de chão. Literalmente meu castelo havia desmoronado. O palco dos meus sonhos, das minhas alegrias e tristezas, vitórias e derrotas. O lugar para o qual eu fugia quando estava assustada e triste após um longo dia, e para onde eu corria saltitante contando minhas conquistas após um dia inesquecível. A sede do amor da minha família. O símbolo de nossas vidas. O nosso lar. Meu porto seguro extinguido.

E então percebo, num segundo, que estou visitando minha própria sepultura. A sepultura da antiga Manuela Ferreira Gonçalves. Ela morrera, e eu sabia que ela nunca mais voltaria. A Manuela que acreditava que todas as pessoas eram boas, e a felicidade era apenas existir, que os sonhos estavam à nossa espera, e que o amor era a força que fazia o mundo girar.

Essa Manuela morrera junto com as pessoas que mais amava, e para todas as pessoas que a amavam. Eu liberto minhas lágrimas sem repressão, as liberto em despedida. Eu amei aquela Manuela, eu amei ser ela. A vida tinha uma cor tão pura, tão clara, tão maravilhosa.

Eu choro pela última vez, pois as lágrimas não trarão a antiga Manuela de volta, e sim a levarão para longe, para um lugar onde eu nunca mais possa encontrá-la. Eu então me despeço, dando uma última olhada para o terreno, que já desaparece ao longe. E quando abro a janela, para aspirar pela última vez o ar puro da minha antiga vida, minhas lágrimas se evaporam subitamente, como se nunca tivessem estado em meu rosto.
 

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