segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Capítulo 13 - Executor (parte 2)


__Isso é comigo. E não me venha dizer que você não sabia.

__Eu não sabia. Juro. Como eu poderia saber?! Alguém mais sabe?!

__E sabe quem morreu? __Prossegue ignorando as perguntas de Carvalho, sem demonstrar a raiva que parece conter, se é um indicativo a força que percebo em seu braço.__ Esqueci. Você anda mal informado ultimamente. O Levi. E eu não sei por que tudo parece tão relacionado. Eu diria que as duas mortes têm o mesmo mandante. E você vai me dizer quem é.

__Eu não sei, Dan. Eu não sei de nada do que você está falando. Eu juro. Você sabe que eu nunca sei quem é o mandante, eu sou só um mediador, só repasso as informações.

__Eu sei, Carvalho. Mas só eu e você sabíamos onde encontrar o Levi. O mandante deve ter mandado alguém aqui perguntar e você abriu a boca.

__Não! __Persiste e lágrimas de desespero brotam dos seus olhos apertados numa careta de dor. __Eu nunca faria isso com ele. Nem com você. Eu não disse nada.

__Eu estou esperando. Mas não sei por quanto tempo vou continuar. __Contrapõe Dan soltando a minha cintura. Eu me afasto um pouco, mas meus olhos continuam fixos na expressão aterrorizada de Carvalho.

__Eles me ameaçaram, Dan. __Confessa, chorando abertamente como uma criança que tem seu crime descoberto e teme seu castigo. Um burburinho se inicia dentro do bar, mas a porta permanece fechada. __Por que você foi se meter nessa confusão?! A grana era boa. Era só fazer o serviço direito e cair fora. Por que salvar a garota? Eu sempre falei para você só fazer seu trabalho.

__O meu trabalho não diz respeito a você. __Vocifera Dan com um tom enojado e colérico. A raiva transparece no seu rosto impiedoso.

__Eu não pude fazer nada. Eles me ameaçaram. Estão furiosos atrás de você e da garota. Não devia ter brincado com o dinheiro deles, nem com as execuções. Era prioridade máxima para eles.

__Quem são eles? __Inquiri Dan secamente.

__Você não vai querer se meter com eles. Vão acabar com você. Entrega a garota, diz que você gostou dela e quis se divertir um pouco, que não sabia que era tão importante. Se você der um trato nela, entregar o corpo e se alistar para o serviço deles, vão perdoar você. Não vai nem precisar devolver o dinheiro. Quem não gostaria de ter você trabalhando para eles? Não há nenhum executor como você, Dan. Você é o melhor.

Eu tremo com o efeito de suas palavras. Ele planeja contra minha vida na minha frente, ignorando a minha presença, como se eu fosse uma caça, a qual eles debatem como repartir entre si. Controlo minha ânsia de vômito e meus tremores. Dan o encara impassível, e isso, de uma forma estranha, me acalma.

__ Quem são eles? __Insiste impaciente, aproximando-se de Carvalho fazendo-o vacilar.

__Eu não posso dizer. A não ser que você faça o que eu estou falando. Mata a garota e entrega para eles. Faz o que eu estou falando. Não se mete em confusão.

__ Quem são eles? __Dan pergunta exaltado, numa proximidade perigosa de Carvalho que volta a chorar abertamente, com seu corpo tremendo involuntariamente de pavor.

__Eu não posso falar... Eles vão me matar! Vão me matar!

            E então eu vejo Dan num milissegundo segurar Carvalho pelo colarinho, fazendo-o se ajoelhar aos seus pés, enquanto pressiona o cano de sua arma contra o seu rosto numa careta de horror, encharcado de lágrimas.

            __Você duvida de que eu faça o mesmo?! __ Sussurra com o rosto impassível mal me permitindo escutar. O seu olhar frio transparece repugnância enquanto fixo no rosto de Carvalho que soluça em meio às lágrimas. Estremeço diante dessa visão, Dan não parece se importar em tirar a vida desse homem que apela por clemência. Sua face tão bonita e jovem não demonstra qualquer expressão. Desde que ele surgira em minha vida, eu já vira algumas mortes, mas acredito que nunca me acostumarei. Independente de quem seja, é uma vida, e qualquer forma de vida é sagrada.

            __Dan, eu sou seu parceiro. Não faz isso comigo, eu imploro. __Clama Carvalho aumentando o tom de voz, fazendo com que Dan aperte ainda mais o cano da arma em seu rosto. Eu me surpreendo por ninguém sair do bar para salvar Carvalho, talvez eles estejam como eu, assistindo inertes a esse espetáculo do horror.

            __O Levi também era seu parceiro. E você não pensou duas vezes quando entregou onde ele estava. Você sabia que ao contrário de você, ele não responderia nada. E eu já estou envolvido.

            __É o povo do Silas, cara. __Entrega trêmulo. __O pai dela tinha alguns negócios com ele, mas estava querendo parar. Ele achou que a vida de cidadão honesto tinha volta. E ainda tentou entregar alguns furos para uns caras novos que estão querendo roubar os negócios do Silas, em troca da proteção deles. Dançou. E foi você que tocou a música, Dan.

            Eu me aproximo num reflexo. Do que ele está falando? Quem é Silas? O que meu pai tem a ver com tudo isso? Negócios? Que negócios? Eu quero as respostas para essas perguntas, no entanto, com um olhar, Dan me diz para me manter em meu lugar.

            Obedeço e Carvalho prossegue com seu depoimento, numa tentativa de reconquistar a confiança de Dan:

            __Você sabe que com o pessoal do Silas não tem brincadeira. Vão acabar com você se te pegarem. Eles estão em todo lugar. Talvez tenha até alguém aqui no bar que vai falar para eles que você está aqui.

            __Obrigado pela preocupação. Quem são esses caras novos?

            __Eu não sei. __Carvalho parece mais aliviado, e sua respiração se torna mais uniforme, no entanto, continua ajoelhado com a arma de Dan em seu rosto. __Eu não sei mesmo. Eles devem estar começando por lá, na cidade dela. Não se mete nessa briga, que só vai se dar mal quem ficar na linha de fogo.

            __O Silas nunca vai deixá-la em paz?

            __Não, Dan. Você sabe como é essa questão de desertor e muito mais de traição. É uma questão de honra para ele, e exemplo para os outros empregados. Só se o Silas morrer, Dan. Os homens dele vão morrer também ou se renderão aos novos no mercado. Mas o cara não morre. Isso é impossível, até mesmo para você. Conselho de amigo.

            __Está certo. __Afirma Dan retirando a arma do rosto de Carvalho, que não tem receios de demonstrar sua felicidade extrema. Suas pernas ainda tremem e estão sujas de barro quando ele se levanta. Dan se afasta e me entrega as chaves do carro me pedindo que vá para lá e o espere.

            Eu não consigo obedecer a ele e permaneço parada quando Carvalho abre os braços com um grande sorriso para Dan:

            __Parceiros de novo, Dan?! Eu realmente sinto muito. __Dan retribui o abraço sem jeito e volta a andar com o rosto consternado, em minha direção. Eu continuo o caminho, mas paro quando ouço Dan falar se virando para olhar para Carvalho que sobe aliviado os degraus para a varanda, ainda sorrindo.

            __Eu já ia me esquecendo de dizer uma coisa. Quando eu encontrei o Levi, ele ainda estava vivo e me fez um último pedido.

            E antes que o sorriso de felicidade possa abandonar o rosto de Carvalho, eu o vejo cair, com seu corpo batendo repetidamente nos degraus até que descansa no chão de barro, com uma mancha vermelha no lado esquerdo de seu terno cinza.

            E então o meu grito de horror é calado pela voz de Dan que ordena:

            __Corre. __E mais uma vez eu obedeço, quando inúmeros homens saem como um furacão pelas portas do bar, atirando em nossa direção.

 

            Dan assume o controle do carro, e não imagino como o alcançamos tão rápido. O carro segue a estrada no sentido oposto do pelo qual viemos. A tempestade que se prenunciava se inicia, e a noite se fecha acima de nós. Os faróis do carro iluminam apenas um metro à frente, mal nos permitindo ver a escura estrada entremeada de árvores, com seu chão de terra e pedras, fazendo o carro sacolejar pelo caminho.

            Olho aflita para trás, encontrando as luzes de farol que ainda nos perseguem. Dan faz o mesmo. No entanto, não parece aflito. Seus atos parecem metódicos e determinados, quando segura com apenas uma mão o volante, mal olhando para estrada à frente, com o olhar fixo no retrovisor, recarregando sua arma.

            __Segure o volante. __Decreta soltando o volante, se inclinando para fora da janela do carro, sendo atingido pela enxurrada e atirando contra os nossos perseguidores. Num impulso, eu obedeço a ele, antes que o carro bata em uma das árvores que aparecem no meio da estrada, me obrigando a desviar.

            O carro se agita, como um cavalo selvagem, sob o meu comando, enquanto tento desviar das árvores, seguindo as curvas da estrada, mal enxergando na escuridão. Os limpadores de pára-brisa afastam a água que se derrama, assim como os galhos de árvores derrubados pela violência da tempestade. Dan continua a acelerar o carro a uma velocidade assombrosa, enquanto troca disparos, abafados pelo som ensurdecedor da chuva, com os carros que permanecem em nosso encalço.

            As balas se chocam contra o carro, sem perfurá-lo, por ser blindado, mas mesmo assim sinto o pânico me dominar, enquanto me abraço ao volante, tentando fugir dos nossos perseguidores que se distanciam. O caminho se torna cada vez mais fechado à nossa frente, e eu me pergunto até quando conseguirei agüentar ao perceber que não há sinais que indiquem a direção da rodovia, apenas mais e mais árvores na floresta fechada.

No entanto, quando olhando para a direção de Dan enxergo uma fresta de luz em meio à escuridão da floresta, viro o carro bruscamente não me importando com o terreno pedregoso nem com os galhos que reclamam à nossa passagem, apenas tentando me prender àquele fio de esperança, antes que fiquemos presos na mata cerrada, tornando-nos vítimas fáceis aos nossos caçadores.

E então quando a auto-estrada nos recebe em sua calma silenciosa, meu corpo trêmulo inclinado sobre o volante se tranqüiliza e percebo que os carros se perderam pelo caminho me permitindo respirar.

            Dan retorna à sua posição encharcado, tomando o controle do carro. E eu me encolho vacilante em meu assento, sem poder encará-lo. A noite silencia. As últimas gotas de chuva escorrem pela janela. Elas não podem me alcançar, mas posso senti-las escorrendo pelo meu rosto, e seu gosto é insuportavelmente amargo.
 

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