sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Capítulo 5 - Fogo


É quinta-feira e eu estou exausta. Após passar o dia inteiro numa maratona de revisão no curso pré-vestibular para a prova que será no domingo, a única coisa de que preciso é dormir.

Já passava das oito horas quando Marcelo me trouxe para casa depois da aula. Ele parecia imensamente satisfeito quando se despediu de mim ao portão. Seria no domingo o dia. O dia do vestibular, da festa que meus pais acabaram por permitir, pois viajariam no fim de semana, em troca de haver extrema segurança e ser sem álcool. Embora a minha última festa não tenha sido mencionada, ninguém havia esquecido o que acontecera. Apesar de que nenhum dos meus amigos pareceram se importar, uma vez que ficaram extremamente felizes e ansiosos com o convite.

E seria a minha noite com Marcelo. Eu cumpriria minha promessa.

Meu pai se serve de mais uma porção de sopa. E faço o mesmo. Mal havia me alimentado por todo o dia. E além de sonolenta, estou faminta. Ansiosa para que o domingo venha logo, apesar de todos os possíveis acontecimentos do dia, nos quais não consigo pensar sem estremecer, me distraio ouvindo a conversa de minha mãe:

__Eu tenho que falar urgentemente com a mãe do Marcelo. Que vestido era aquele que ela usava na formatura? E ela é uma mulher bonita, deveria se arrumar mais. Ela tem roupas bonitas, só não sabe combiná-las.

Meu pai parece distante, ingerindo distraidamente o conteúdo da colher que leva à boca. Enquanto minha mãe que se serve de mais uma torrada integral com queijo branco, seu jantar, se dirige a mim, mudando de assunto:

__Manu, você deveria chamar algumas das meninas para passarem o fim de semana aqui em casa. Para você não ficar sozinha. Você sabe que nós só vamos viajar para que você tenha sua festinha com total liberdade. Mas seria bom ter companhia.

__Eu vou ver. __Respondo. __Está todo mundo preocupado com o vestibular.

__Por isso mesmo. Deveriam estudar juntas. E também nós só vamos viajar no sábado de manhã, e não é bom estudar em véspera de prova. Você sabe que vai se dar muito bem. Nada de ficar nervosa. A vida é feita de desafios, e por mais que eles pareçam difíceis ou até impossíveis de contornar e enfrentar, é só ter fé e calma que tudo ficará bem.

__Tudo bem. Tomara que seja verdade. Mas agora eu preciso dormir.__Digo, me levantando da mesa. Rodeio a mesa e beijo o belo rosto da minha mãe. Ela sorri e retribui, beijando docemente minha mão entre as dela.

Encontro meu pai na outra ponta da mesa. Ele me observa e sorri quando eu o abraço e lhe dou um beijo de boa noite.

­­__ Amanhã tem revisão logo cedo. Você pode me levar quando for para o escritório?

__Hum. O beijo não era de graça afinal. __Brinca com um sorriso contagiante.

__Claro que era! __Exclamo sorrindo, e o beijando novamente. __E se aquele era, esse não é. Boa noite. Até amanhã.

__Até amanhã. __Eles respondem em uníssono. E essas duas palavras nunca sairão da minha mente.



Dan está sentado ao balcão. As luzes da festa multicoloridas brincam na sua roupa preta e em seu rosto. Ele brinca com o copo de uísque, cujo conteúdo parece um mar turbulento, os gelos batendo contra as paredes de vidro, agitados pelos movimentos rítmicos de sua mão.

Ele engole parte do conteúdo do copo. E, embora eu já saiba o que acontece nesse sonho, por tê-lo tido tantas vezes que parece novamente real, eu sinto um impulso irresistível de ir até ele. Sento-me ao seu lado, e todo sangue parece se esvair do meu corpo, deixando-me um frio glacial no abdome.

Os meus músculos se contraem em espasmos, sinto meu corpo tremer, meus pêlos eriçados, numa tentativa frustrada de produzir e reter o máximo de calor possível, para me impedir de cair desfalecida aos pés de Dan.

Eu estou tão perto dele, que posso senti-lo. Posso quase sentir o seu cheiro. Encontro os seus olhos, e eles parecem diferentes dos outros sonhos. Agora parecem em total alerta e quase assustados, como se qualquer movimento meu ou seu fosse fatal. Ele também não está sorrindo, seu rosto parece frio e sério. Seu cabelo também parece um pouco maior, cobrindo mais seus olhos.

Sinto sua mão tocar o meu rosto e me pergunto o que houve com o enredo do meu sonho que agora me parece estranho. Procuro seus olhos novamente e eles ainda estão lá me encarando. O impulso de gritar seu nome vem precocemente, mas antes que possa libertá-lo, sinto sua mão firme e quente em minha boca.

No entanto, isso me acalma. Embora em ordem invertida, meu sonho volta ao normal. Ou talvez a calma seja porque olho para cima e encontro as estrelas fosforescentes que meu pai pregara há tantos anos no teto do meu quarto.

É estranho ver Dan fora do seu cenário habitual, minha festa de aniversário. E começo a ficar realmente assustada quando meu sonho já não parece tão irreal.

Entretanto parece tarde demais quando percebo que não estou sonhando, pois, mesmo com a mão de Dan no meu rosto, ainda consigo ver meu quarto em chamas, antes que o cheiro do éter me envolva em seus lençóis vermelhos e me adormeça para sempre.

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