
Os
braços de Marcelo rodeiam minha cintura, e seu corpo está tão próximo ao meu,
que sinto as batidas aceleradas do seu coração contra meu peito. Seu rosto está
encostado ao meu, enquanto mergulho no azul de seus olhos, e sinto sua
respiração rítmica queimar minha pele.
Nós
apenas nos encaramos sem sorrir, apesar da felicidade imensa que quase nos
sufoca. Talvez porque saibamos que apenas um sorriso não será capaz de
demonstrar a grandeza do momento, então apenas assistimos e participamos de
tudo sem reação.
Ele
me empurra, embora continue me segurando pela mão, e me faz girar pelo salão.
Ele me puxa de volta e me abraça de costas contra ele, me balançando no ritmo
da música antiga e romântica que sai das caixas de som espalhadas pelas paredes
do ginásio da escola. Sinto suas mãos firmes e presas às minhas e desejo que
elas nunca saiam dali. Ele me impulsiona para longe novamente, e enquanto
rodopio com meu vestido de festa cor-de-rosa que parece flutuar aos meus
movimentos, encontro seu olhar, e posso estar errada, no entanto nele pareço
encontrar o mesmo amor que me preenche a alma.
Ele
me puxa novamente para si, e não contém uma gargalhada prazerosa quando me
choco desajeitadamente contra seu peito. Ele beija minha testa e seus lábios
logo encontram os meus, beijando-os docemente. Ele sorri novamente e me conduz
para o centro do salão. As luzes do globo de festa se refletem em nossos
rostos, e sinto a magia surgir e nos rodear a cada movimento dos nossos corpos.
Enquanto
Marcelo me faz rodopiar, firme e graciosamente, sinto-me flutuar e tudo parece
um lindo sonho, tão diferente dos que eu havia tendo quase diariamente há mais
de um mês. Descanso minha cabeça em seu ombro, quando uma música mais lenta
começa, e me pergunto onde ele poderia ter aprendido a dançar assim. E o que eu
fizera para merecer tal felicidade.
Uma
sensação de prazer me invade, um misto de devaneio e arrebatamento, e não
consigo parar de sorrir. Olho para as pessoas ao meu redor. Elas também parecem
enfeitiçadas pelo momento. Enquanto lentamente giro, posso divisar Martha que
mal pode se conter nos braços de Alexandre, e não importava que ele tivesse
convidado Bianca antes para o baile, que recusou para ir com um tenente da
aeronáutica, e só depois a ela. Essa é a sua noite, e ela está linda com seus
cabelos loiros rodeando graciosamente seu rosto, que parece quase ingênuo de
tão plácido.
Luana
surpreendentemente parece feliz e um tanto apaixonada enquanto descansa o rosto
no ombro de Matheus, e nem ao menos percebe o meu olhar, embora esteja perto de
mim. E eu me admiro por nunca ter percebido sua paixão por Matheus, que segundo
ela, sempre existira. Até mesmo Bárbara não conversa, curtindo o momento em
silêncio enquanto acompanhada de um rapaz desconhecido, também com ares de
modelo, dança pelo salão.
Thaís,
parecendo uma princesa no seu vestido cor-de-rosa, ainda está mais bonita com
seu sorriso que não a abandonou desde que começou a namorar Pedro.
Ainda
posso distinguir Esther num modelo extremamente comportado com um convidado
desconhecido, mas que agora percebo ser o barman, que está extremamente bem no
seu smoking. Ela encontra o meu olhar e sorri numa cumplicidade quase
envergonhada.
É
estranho como as pessoas parecem lidar melhor, com segurança e sabedoria, com
os momentos de tristeza, sem medo de demonstrá-la, enquanto parecem tão tímidas
e embaraçadas num momento de imensa felicidade.
Aqui
estamos todos nós, comemorando o fim de mais uma fase de nossas vidas.
Despedindo-nos da infância e adolescência, quando esperávamos que a realização
de nossos sonhos nos fosse dada de presente, pelos nossos pais, ou por qualquer
dos símbolos infantis, sem ainda sabermos que nós é que deveríamos correr atrás
deles, e que eles deviam ser construídos lentamente, com todo nosso trabalho.
A
responsabilidade nos bate à porta. A iminência do vestibular, daqui a uma
semana, decidir que caminho tomar, construir uma nova vida, enfrentar novos
desafios, entrar em novas lutas, em que a vitória não será certa apenas por
sermos os mocinhos e não os vilões, e que não contaremos com superpoderes ou
fadas madrinhas para derrotar nossos inimigos.
Aqui
estamos no último momento em que podemos sentir a magia dos nossos sonhos
enquanto se tornam realidade, em que podemos nos entregar à felicidade sabendo
que o amanhã chegará, mas que o que importa é o hoje.
Sinto
os lábios de Marcelo em meu ombro, enquanto seus dedos bagunçam meus cabelos em
cachos caprichosamente ajeitados num penteado. Eu sorrio e o puxo para mais
perto de mim. Eu o ouço sorrir com sua respiração suspirosa que arrepia os
pêlos da minha nuca. Sinto suas mãos percorrerem as minhas costas e pararem
novamente à minha cintura. Eu afasto minha cabeça sorrindo e encaro seu rosto,
e paro de sorrir quando percebo seu ar sério. Seu rosto parece sombrio, e seu
olhar intenso me desconcerta. Ele me beija como nunca fizera antes e com a
respiração entrecortada confessa:
__Eu
amo você.
Eu
estremeço, mas de uma forma boa, e ele parece perceber. Seu olhar parece
temeroso e quase arrependido. Eu encaro os seus olhos e agora entendo a
profundidade do seu olhar que é proporcional à grandeza do sentimento que nos
une a partir de hoje e para todo o sempre. E ainda com minhas mãos em volta do
seu pescoço declaro:
__Eu
também amo você. __E então selo meus lábios nos seus, pedindo que esse momento
se eternize.
Meus
pés estão cansados e doloridos, mas mal posso senti-los. Sentada a uma das
mesas espalhadas pelo salão, não consigo parar de sorrir. Todos parecemos
fatigados, o salão começa a se esvaziar, os alunos começam a se dispersar e ir
para suas casas e seus novos caminhos. Nós permanecemos aqui, eu quase
adormecida no abraço de Marcelo. Martha pendurada no pescoço de Alexandre, que
não conseguira fugir por toda a noite, e que se dependesse dela, não fugiria
nunca mais. Luana, distraída com os beijos de Matheus, parecendo mal saber o
que acontece à sua volta. Bárbara, que já retomou sua fala, e seu acompanhante,
Ítalo. Thaís, que de alguma forma conseguira permissão dos pais para ficar até
tarde, e Pedro. Até mesmo Esther e Lucas, mais conhecido como barman.
A
garçonete que recolhe as taças da mesa boceja e olhando para o relógio de
Marcelo vejo que já são três horas da manhã. Ele repara na direção do meu olhar
e indaga se eu quero ir embora, balanço a cabeça negativamente e ele sorri me
abraçando mais forte. Todos por mais que estejamos cansados relutamos em ir
embora. É como se esse salão, após findas as provas, os trabalhos, as aulas de
revisão para o vestibular, o mergulho na piscina no último dia de aula, as
despedidas aos professores que amávamos odiar, e outros que odiávamos amar e a
última passagem nos corredores que havíamos percorrido por toda a vida,
segurasse a última corrente que nos prende ao chão.
Agora
somos livres para voar, mas tais quais os filhotes de pássaros que se jogam dos
seus ninhos nos mais altos galhos das árvores sem saber se terão sucesso na sua
empreitada, se alçarão vôo e ganharão o mundo, ou se machucarão uma asa e serão
alvos fáceis dos mais cruéis predadores, temos medo de abandonar o ninho, ainda
mais se imaginarmos que poderemos estar sozinhos e nossos caminhos não mais se
cruzarem.
Sinto
as lágrimas brotando dos meus olhos, e disfarço me aninhando no peito de
Marcelo. É incrível como me sinto mais calma, e consigo voltar a sorrir das
tagarelices de Bárbara.
Mais
alguns alunos vão embora e nos acenam em despedida. Aceno de volta enquanto
observo o salão. É estranho vê-lo agora sujo com cacos de vidro pelo chão,
quando o vi há algumas horas em todo o seu esplendor. A maioria das mesas
espalhadas já está sem seus arranjos de flores, com suas toalhas brancas sujas
dos mais diversos tipos de bebidas e aperitivos. Aperto meu arranjo de flores contra mim. Ele é uma das inúmeras lembranças que me recordarão dessa noite, uma
das melhores da minha vida.
"Agora somos livres para voar, mas tais quais os filhotes de pássaros que se jogam dos seus ninhos nos mais altos galhos das árvores sem saber se terão sucesso na sua empreitada, se alçarão vôo e ganharão o mundo, ou se machucarão uma asa e serão alvos fáceis dos mais cruéis predadores (...)"
ResponderExcluirLinda imagem! Parabéns!
Obrigada Truman, seja bem vindo ao blog, espero que esteja apreciando a leitura...=)
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