quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Capítulo 11 - Uma nova vida (parte 2)


            Pouco tempo depois já estamos na estrada novamente. Mal consigo divisar as imagens que passam numa velocidade absurda pela janela do carro. A lua está cheia no seu ponto mais alto, iluminando com dificuldade a estrada, que permanece na escuridão.

            O farol do carro consegue iluminar apenas alguns metros à frente, nos permitindo ver as luzes de sinalização. A estrada surpreendentemente está em boas condições, e vejo alarmada no painel do carro o velocímetro passar dos 180 km/h.

Protejo-me dentro do casaco de Dan que já veste outro. Enquanto terminava de colocar minhas poucas roupas e meus objetos pessoais na pequena mala que Dan havia me entregue, ele entrou no quarto recomendando que eu usasse minha calça jeans e uma camiseta que me aquecesse.

É estranho que nessa cidade, apesar de não saber se já saímos de suas fronteiras, seja tão quente de dia, e tão frio à noite. Até mesmo com os vidros do carro fechados, para evitar o vento gelado cortante, e com o aquecedor ligado, tenho calafrios.

Ou talvez seja o medo. Dan dirige olhando cuidadosamente a estrada e permanece em silêncio. Ele parece quase apreensivo. E é essa apreensão, para a qual não vejo motivos, uma vez que acredito ter tido um dia maravilhoso e calmo, quase normal, que me aflige.

As gotas de chuva começam a atingir as janelas, inicialmente como lágrimas, mas logo o barulho de suas colisões é quase ensurdecedor. O movimento rápido do limpador do pára-brisa que sem sucesso tenta melhorar a visão da estrada me assusta. Procuro o olhar de Dan que continua fixo na estrada, acelerando ainda mais.

Nós agora parecemos estar subindo, e percebo estarmos rodeando uma serra. Olho pela janela, mas é difícil enxergar alguma coisa com as pancadas de chuva. No entanto, aflita, vejo um abismo circundando a estrada, com o rio turbulento pela violência da tempestade.

Uma angústia me invade o peito, como uma sensação ruim de premonição. Eu não sei o que esperar, mas se for pior do que o que já passei, talvez a morte seja melhor. Tento tirar essas idéias mórbidas da minha mente e numa tentativa desesperada de conseguir, falo para Dan:

__Você faz idéia de quem pode ter sido?__Pergunto numa voz baixa, pouco audível frente às pancadas de chuva contra o carro.

__Talvez. __Começa ainda olhando para a estrada, fazendo uma curva, nos deixando ainda mais próximos do abismo. Volto a olhar para a estrada, confortada por sua voz parecer quase calma, contrastando com o carro que corre em toda velocidade. No entanto, Dan me surpreende quando continua. __Aqueles homens não pareciam estar procurando você. Eles deviam estar a trabalho, sob ordens de algum chefe que deve ter sido o mandante. Eles não eram executores, apenas subordinados querendo ganhar algum dinheiro.

__Eles não foram pagos para me matar?

__Não. Mas não poderiam perder essa excelente demonstração de lealdade. Se tivessem matado você... __Prossegue falando lentamente, apesar da rapidez com que voltamos à estrada normal, para meu alívio. __Passariam a fazer parte do primeiro comando. Da alta cúpula.

__Por que eu e minha família somos tão importantes?

__Eu não sei. Mas o chefe deles queria muito a morte da sua família imediatamente, tanto que pagou o preço que eu exigi. E não apenas a mim. Aquele homem na sua festa, também havia sido pago. Porém, era um amador.

__Por que pagar mais de uma pessoa?

__Ele pediu com urgência. Ele não queria que sua família ficasse viva por muito tempo.

__Você se encontrou com ele?! __Pergunto curiosa sentindo um frio se espalhar no meu abdome.

__Não. Eu não sei quem são eles. Eu tenho alguns contatos que se comunicaram com contatos deles. Eu recebi o dinheiro e pronto.  

__É. E você matou meus pais. __Sussurro olhando novamente pela janela, vendo os galhos das árvores se debaterem violentamente com a força do vento, e eu me surpreendo por não começar a chorar.

Quando ele desvia o olhar da estrada e encara meus olhos, contra minha vontade, as lágrimas que pareciam esgotadas transbordam.

__É. __Ele responde. E eu não me importo que o silêncio retorne com todo seu poder. Não sei se conseguiria falar novamente sem cair em prantos.

 

O dia ainda não amanheceu quando Dan estaciona seu carro na área externa de um bonito hotel fazenda, em estilo colonial, o qual pareceria uma boa opção de lazer, se não fossem as circunstâncias. Ele se situa na periferia da cidade, não muito pequena, mas parecendo extremamente aconchegante, apesar de mal termos conseguido vê-la, com a escuridão.

Há decorações de Natal por todo lado, e até mesmo um presépio na varanda. Faltam apenas quatro dias para o Natal. Distraio-me relembrando o quanto meus pais sempre cultivaram o espírito natalino. Era uma tradição montar a árvore, cada ano com novos enfeites, nos quais colocávamos o que desejávamos para o ano seguinte. Meus pais sempre me deram ótimos presentes, no entanto, ainda posso ouvir minha mãe dizendo que o mais importante eram as palavras que escrevíamos nos pingentes, amor, paz, sabedoria, saúde, felicidade, entre outras.

Embora uma tristeza invada meu peito, ela não é de todo ruim, é apenas a lamentação da perda, do tempo que não volta mais. Mas é uma boa sensação só ter lembranças boas dos meus pais.

A chuva está mais calma. Apenas um chuvisco se mistura com o vento forte. Eu me aperto dentro do casaco, e aceito a ajuda de Dan quando me abraça, ajudando-me a correr até a varanda, para nos protegermos da garoa.

Quando Dan abre a porta, ouço o barulho de um sino que desperta um jovem rapaz quase adormecido na recepção. O hotel parece uma antiga e espaçosa fazenda, ainda com seus traços rústicos, seus móveis de madeira e objetos envelhecidos.

O rapaz sorri envergonhado por termos flagrado seu momento de descanso. Ele olha para o relógio pendurado acima de sua cabeça, e faço o mesmo, faltam poucos minutos para as 6 horas da manhã.

Ele se apresenta como César, e chama outro rapaz ainda mais jovem, para o qual Dan entrega a chave do carro, antes de iniciar suas perguntas:

__Bom dia. Vocês fizeram reserva?

__Sim. __Inicia Dan. __Danilo e Letícia Miranda. Eu liguei ontem.

Contenho minha expressão de surpresa. Danilo! Será esse o nome dele verdadeiro? Eu já sabia não ser Daniel. Mesmo assim, ele não entregaria seu nome tão fácil. Vejo-o entregar nossos documentos de identidade falsos. Não faço idéia como ele conseguiu, mas é a mesma foto horrível da minha carteira de identidade original.

O jovem rapaz avalia a minha data de nascimento. Eu faço o mesmo, e segundo ela já tenho 18 anos.

__Vocês são recém-casados?! Tão jovens... __Observa enquanto vejo seus olhos muito verdes se direcionar a minha barriga ainda escondida pelo grosso casaco. É quase cômico ele achar que eu possa estar grávida. Então, decido tirar o casaco, para tirá-lo da dúvida.

Ele sorri aliviado, corando. E Dan me abraça carinhosamente, dando o seu melhor sorriso desconcertante.

__É. Tivemos sorte de nos conhecermos cedo, e não quisemos deixar a oportunidade passar. __Sorri, enquanto recebe novamente as chaves do carro, pegando uma das malas que o outro rapaz faz esforço para carregar. O carregador tenta recusar sua ajuda, no entanto aceita agradecido. Colocando a mala em seu ombro, sem dificuldades, Dan pergunta:

__Já está tudo certo?! Podemos ir para o quarto?!

__Sim. Aqui está a chave. Quantos dias vocês pretendem ficar?

__Uns dois.

__Só?! Fiquem para o Natal. A cidade fica linda, e nós temos tantos festejos na praça pública. E é muito romântico nessa época do ano. Talvez até neve, como no ano passado.

Dessa vez, não contenho meu grito de excitação. Neve! Meu pai planejava nos levar a uma viagem na Europa quando eu completasse 18 anos, viajaríamos por todos os países, e até iríamos a uma estação de esqui, uma vez que sempre que planejávamos, seus negócios o impediam de viajar para muito longe do Brasil.

__Vamos ver. __Continua Dan. __Temos tantos lugares para ver em tão pouco tempo. __Ele então me abraça novamente, ajudando-me a andar. O recepcionista dá a volta para nos cumprimentarmos, e seu olhar se fixa no meu pé, ainda enfaixado dentro da minha sandália. Dan também percebe e, dando mais um de seus sorrisos desconcertantes, responde:

__Acidentes de lua-de-mel. Nós já vivemos grandes aventuras desde que nos unimos.

__É verdade. __Concordo. E não estou exagerando.

Nenhum comentário:

Postar um comentário