quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Capítulo 7 - Assassino (parte 2)


Eu acordo com o cheiro de comida. Eu não comia nada há dias. Minha mente ainda sonolenta demorou a reconhecer onde eu estava, até que me percebi deitada no sofá no qual passara a maior parte da noite.

Espreguiçando-me, vejo Dan na cozinha, abrindo a geladeira e se dirigindo ao fogão. Ele agora veste uma camiseta cor de pele, ainda com a mesma calça jeans. Ajeito o meu cabelo e passo a mão pelo rosto. Eu me sinto melhor, e isso me parece injusto. Eu ainda deveria estar tendo os pesadelos, e acabo de acordar de um sono sem sonhos, calmo como o de uma criança.

A idéia de poder estar esquecendo meus pais me apavora. No entanto, talvez sejam eles atendendo a meus pedidos, deixando-me mais calma e forte para fazer o que deve ser feito.

Dan se vira, e quase posso ver um pouco de humor em seus olhos, talvez meu aspecto esteja mesmo tão horrível quanto imagino. O cheiro de comida faz meu estômago dar um ronco alto. Eu me aperto contra ele quando vejo Dan sorrir, envergonhada.

__Eu comprei algumas coisas para você. __Diz apontando para algumas sacolas de compras em cima do balcão. __Algumas roupas e produtos de higiene. Mas você pode comer logo se quiser.

__Obrigada. __Agradeço timidamente, sem encarar seu olhar quase divertido. Ele deve me achar imunda por imaginar que eu não me lavara no dia anterior, mas isso é melhor do que suspeitar de que eu usara seus produtos, como eu fizera, por não ter opção.

__Eu sempre cozinhei apenas para mim, então a comida não é muita boa. No entanto, eu não poderia arriscar que você quebrasse outro prato do restaurante.

Senti-me ainda mais envergonhada, especialmente quando percebo que ele deve ter limpado a minha sujeira, uma vez que o chão da sala estava impecável. Levanto-me quando ele volta a se concentrar na frigideira, na qual percebo estarem sendo fritos alguns ovos. Pego as sacolas e vou para o meu quarto sem olhar novamente para Dan.

Jogo o conteúdo das sacolas na cama. Há duas camisetas, um short, uma calça jeans, dois vestidos, escova de dente, creme dental, sabonete, desodorante, xampu, condicionador, e finalmente um pente. Envergonhada percebo algumas calcinhas e um pacote de absorventes. Felizmente, não encontro nenhum sutiã, seria embaraçoso vê-lo decidir seu tamanho. Por debaixo do meu vestido ainda estava minha mini blusa, mas não havia sinal do meu antigo pijama.  

Carregando alguns itens vou ao banheiro. É relaxante poder tomar banho e me cuidar confortavelmente. Meus cabelos agradecem quando os penteio. Finalmente, eles voltam ao seu original, um misto de liso e ondulado, com todo o seu brilho castanho.

Visto uma camiseta e o short. É reconfortante usar uma roupa nova e limpa. Lavo meu vestido na pia, e saio renovada. Dan está sentado no sofá assistindo ao jornal, enquanto toma em grandes goles seu refrigerante, com seu prato em seu colo. Ele parece realmente concentrado na reportagem, e tento não prestar atenção, evitando o risco de ouvir algo sobre minha família.

Felizmente, o assunto é mais brando. Tráfico. Nada mais banal.

__Tem algum lugar em que eu possa estender isso? __Interrompo, mostrando o vestido que pinga sobre a sacola na qual descansa.

__Eu faço isso. __Diz ele, colocando seu almoço no centro e se levantando. Entretanto, quando ele se aproxima para pegar o vestido, eu o afasto.

__Eu ainda sou sua refém?! Não posso nem ao menos ir ao quintal?! Eu pensei que isso não fosse um seqüestro.

­__Eu não quero que te vejam. __Ele diz tomando o vestido da minha mão, contra minha resistência.

__E como você fez para comprar todas essas roupas femininas? Ninguém desconfiou de que havia uma garota na história?!

__Eu não comprei.

__Você roubou?! Meu Deus! Você ganhou quase dez milhões de reais e precisa roubar roupas?!

Ele me encara entediado. Faz menção de falar, mas acaba se calando enquanto sai pela porta da frente, com meu vestido pingando no chão.

Aproveito para ir à cozinha e me servir. Mesmo que o almoço consista em ovos fritos, arroz com ervilhas e salada de alface e tomate, me parece extremamente apetitoso. Sirvo-me de um copo de refrigerante, e sento-me no sofá, quando uma reportagem me chama a atenção.

Novamente minha foto com meus pais. Meu coração acelera e encaro a televisão paralisada. As lágrimas que já pareciam findas retornam. Levanto-me e me aproximo da TV como se assim pudesse estar mais perto dos meus pais, uma vez que nem uma foto deles eu tenho. A reportagem é curta, apenas diz que a causa do incêndio foi acidental, por um problema na instalação elétrica que já estava desgastada. As investigações estavam encerradas.

O vazio toma conta de mim. Investigações encerradas. Ninguém mais se importava com a morte dos meus pais. No entanto, elas logo seriam reabertas. Assim que eu fugisse e desse meu depoimento. Eu me importo com a morte dos meus pais. Isso é a única coisa que importa na minha vida nesse momento.

Antes de a matéria acabar, Dan entra pela porta e, pegando o controle remoto, muda de canal para um dos seriados americanos artificiais. Ele continua a beber seu refrigerante e encara meus olhos chorosos. Tento evitar seus olhos, voltando-me para minha comida que desce pela minha garganta como papelão.

__Uma conhecida comprou essas coisas para mim. E ao contrário de você, ela não faz perguntas.  E você vai continuar presa aqui até que entenda que é o melhor pra você.

__Eu não salvei a sua vida. E você já salvou a minha vida duas vezes. Não está mais endividado, e eu posso me cuidar sozinha.

__Realmente você não salvou a minha vida. Mas facilitou o meu trabalho, e ele é a minha vida. Não seria nada agradável se você tivesse me descrito para os policiais, ou me entregado quando eu anulei o Jean. Você me poupou de matar inocentes. Então vou recompensar você pelas vidas que salvou. __Finaliza, mudando novamente de canal, sintonizando num documentário.

__Mas a garota?!

__Que garota?

__A que você colocou no meu lugar?! Você a matou. Para me salvar.

__Isso é um detalhe. Ela já estava morta. Eu a peguei com um amigo. Aliviada?!

Eu não respondi, terminando de tomar o refrigerante, para me ajudar a engolir a comida que voltava a ter um gosto bom. Contudo, me surpreende que a resposta dessa questão seja sim. Eu estava aliviada. Mas não convencida.

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