sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Capítulo 8 - Fuga (parte 2)


Eu acordei num leito de hospital. Havia uma agulha presa ao meu braço direito enrolada por uma faixa de esparadrapo. Presa a ela havia um conduto por onde lentamente gotejava um líquido transparente. À beira do meu leito encontrei Dan sentado. Ele observava atentamente enquanto uma jovem acadêmica de medicina, que parecia extremamente nervosa, aplicava pontos no meu pé. Suas luvas brancas estavam sujas de sangue, e Dan a olhava com ar de reprovação, não entendendo porque a deixava fazer aquilo em seu lugar. Um médico parecendo mais experiente apareceu, e Dan se levantou para cumprimentá-lo, vestindo uma camiseta escura, e parecendo sério.

O médico chamou uma enfermeira, que sob seu olhar repreendedor, acelerou o fluxo de soro. Ela foi a primeira que notou que eu acordara, e sorriu envergonhadamente para mim. Dan se aproximou e eu, com um aceno de cabeça, disse que estava bem. E então, vi o médico se aproximar. Ele esticou minhas pálpebras inferiores, pedindo que eu olhasse para cima, piscou a luz de sua lanterna em meus olhos, em seguida me pediu para abrir a boca e levantar a língua. Ainda o vi segurar minha mão, e contar meu pulso, assim como verificar a sutura, sob o olhar assustado da aluna, que sorriu, quando o médico permaneceu em silêncio.

Voltando-se para Dan, ele perguntou:

__Como é seu nome?!

__Samuel.

__Você é o quê da... __Ele olhou em sua prancheta e continuou: __Beatriz?!

__Namorado. Ela acordou no meio da noite e teve um pequeno acidente com um copo. Ela é um tanto desastrada. __Afirmou com o mesmo sorriso deslumbrante que só o havia visto usar na festa do meu aniversário. __Ela está melhor?

__Sim. Ela já pode sair. Mas deve continuar tomando bastante líquido. E eu vou receitar alguns antibióticos, pois o ferimento foi profundo, e o risco de infecção é grande. Além de antiinflamatórios. Você pode comprá-los ou pegá-los na farmácia do hospital. A Flávia pode acompanhá-lo. __Continuou apontando para a aluna que pareceu ainda mais satisfeita. __E ela deve tentar ser mais cuidadosa. __Completou indo para o leito ao lado, separado do meu por uma cortina.

Dan se aproximou de mim e sussurrou:

__Eu já volto. __E então beijou minha testa, deixando meu rosto em fogo.

A enfermeira se aproximou sorrindo, quando Dan e Flávia passaram por ela. Ela retirou o esparadrapo do meu braço, tirando a agulha e colocando um band-aid. Ela observou o ferimento no meu pé, protegido por uma faixa de curativo, e colocou o meu par de sandálias à beira da cama.

__Você está bem? __Perguntou sorrindo.

__Estou. __Tentei sorrir.

__Você me parece tão abatida... __Lamentou dando-me um olhar materno que quase me fez chorar.

__Eu posso me levantar?! __Perguntei tentando aproveitar a oportunidade que se apresentava.

__Sim. Quer ajuda?!

__Não, obrigada. É esse cheiro de hospital que me mata.

__Sei como é. Eu já me acostumei. Eu vou indo. O dever me chama. __E então ela foi para outro leito.

Eu me levantei e percebi meu braço tremendo tentando se apoiar à maca. Minha cabeça girou, mas essa era minha única chance. E então, sem pensar duas vezes, com cuidado, calcei minhas sandálias e saí do hospital.

Um dos seguranças me parou na saída. Ele não ignorou meu curativo, mas disse que havia sido liberada. Ainda perguntou se eu não tinha acompanhante, pois não era seguro sair sozinha. Insisti que estava bem, e retribuí seu sorriso, quando saí.

E então eu corri.

Com toda a minha força e permaneço correndo, a paisagem se assemelha cada vez mais a um borrão, enquanto corro, com minha consciência enevoada, até que percebo um carro escuro parar ao meu lado.  Meu coração acelera. Dan me alcançou. E eu não faço idéia do que eu farei.

Acelero o passo, e começo a chorar, pedindo que meus pais me perdoem. Mais uma vez eles se decepcionarão. Dan não terá mais porque não me matar, e eu nunca poderei me redimir com meus pais. Talvez essa seja a minha penitência, passar por esse sofrimento e morrer sem ter feito o que deveria.

Sim. Isso dói muito mais do que as pontadas de dor que surgem no meu pé. Eu paro e desisto. Eu me entrego, me virando e encarando o carro que me seguira e que também pára.

No entanto, não é apenas a porta do motorista que se abre. A do passageiro também. E então percebo dois homens desconhecidos se aproximarem. Eles não me assustam. Eu já esperava o pior e já estava preparada para recebê-lo. Nada do que eles possam fazer comigo será pior do que o que Dan seria capaz de fazer.

No entanto, eles parecem preocupados comigo quando perguntam:

__Você está bem?!

__Eu... __Começo sem parar de chorar. __Eu tenho que ir à polícia.

__Aconteceu alguma coisa?!__Eu não preciso responder, uma vez que vejo seus olhos se dirigirem ao meu pé tingido de sangue.

__Eu estou bem. __Respondo rapidamente antes que eles queiram me levar ao hospital, onde Dan estaria, e poderia facilmente matar qualquer um, inclusive eu mesma. __Eu preciso ir à polícia.

__Hoje é o seu dia de sorte, então. __Diz o homem que saíra pela porta de motorista. Ele sorri, e parece incrivelmente simpático, com seus dentes brancos contrastando com sua pele escura.

 __Nós somos policiais. __Ouço o outro homem dizer, parecendo mais sério, talvez por ser mais velho que o colega, enquanto me mostra o seu distintivo, no qual reconheço sua foto, na qual tinha menos cabelos brancos, e leio seu nome, Augusto Braga.

__Estávamos em investigação. __Continua o motorista, ainda sorrindo, indicando o carro comum, justificando a ausência de sirene. __Mas é melhor nós levarmos você para a delegacia.

__Obrigada. __Agradeço parando de chorar, e mal acreditando que tudo ficará bem afinal. Uma paz me invade a alma, quando entro no banco de trás do carro, e vejo o policial pisar no acelerador. Meus pais devem estar interferindo por mim onde quer que estejam. É difícil de acreditar que eu consegui.

Vejo o carro dar a volta e percorrer todo o longo caminho que eu percorrera em desespero. A sensação de felicidade que sinto ao perceber que estar nesse carro, segura por dois policiais, indo à delegacia, depor contra Dan e contar que a morte dos meus pais não fora acidente, é um sinal de que estava tudo escrito é imensa.

Agradeço quando o homem grisalho me entrega um pano para envolver meu pé que continua a sangrar e a doer, entretanto, mal sinto a dor, uma vez que o prazer de dever cumprido me embala carinhosamente em seus braços macios. Tento manter minha consciência alerta. Eu ainda preciso dar o meu depoimento. E então poderei descansar em paz, e me encontrar com meus pais, nos unindo para a eternidade.

Inebriada com esses pensamentos, admiro a paisagem pela janela. Tudo me parece mais belo e iluminado. Posso agora admirar a calmaria da cidade, que até agora parecera apenas uma prisão para mim. Contudo, meu coração se aperta em meu peito quando olho para o hospital. O carro continua rápido, e por um instante acredito ter encontrado o olhar de Dan na saída do hospital. Ele me encara, e posso ver a mesma expressão de dor que já parecia esquecida em minha memória, que eu vira na minha festa de aniversário.

Desvio o olhar subitamente, tentando me proteger do calafrio de pavor que invade meu corpo. Ainda trêmula, olho novamente pela janela. A saída do hospital está deserta. E então me convenço de que fora uma miragem, como numa despedida. Uma vez que tudo ficará bem. E nunca mais precisarei encarar aquele olhar frio.

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