
O
braço de Marcelo estava protetoramente em minha cintura, quando vi meu pai
entrar no salão. Sua entrada coincidira com a da polícia, que logo se
posicionou ao redor do corpo, ainda praticamente intacto. Uma psicóloga chegara
e começava a acalmar Thaís, que parecia menos nervosa. A maioria dos convidados
já havia ido embora, e os que permaneceram se reuniam em grupos como que para
se protegerem se o assassino ainda estivesse entre eles, algo que eu não podia
afirmar, pois não encontrara o rosto de Dan entre os presentes.
Meu
pai, ao me ver, veio me abraçar angustiado, e eu podia ver seus olhos entre
furiosos e assustados, embora seu rosto parecesse um pouco aliviado por me ver
sã e salva. Talvez ele soubesse do risco que eu correra, ou qualquer pai
estaria na mesma situação se sua filha estivesse numa festa em que alguém fora
assassinado, ainda mais se a festa fosse da sua filha num lugar de acesso
restrito.
Marcelo
se afastou educadamente após cumprimentar o meu pai, que apenas deu um ligeiro
aceno de cabeça em resposta. Após verificar repetidamente a minha segurança,
confirmando que nada estranho ou perigoso acontecera comigo, me perguntar o que
tanto eu vira do acidente, fato que omiti, e explicar que não acordara minha
mãe para lhe poupar o sofrimento, pediu para que Marcelo cuidasse de mim,
enquanto conversaria com os policiais e tomaria as medidas necessárias. Também
me pediu para ficar rodeada do máximo de pessoas e ficar atenta a qualquer
pessoa desconhecida.
Obedeci
às suas determinações e logo me vi rodeada pelo grupo de meninas que haviam me
entretido no início da noite e outros convidados. Esther conversava com o
barman que estava completamente vestido e composto, nem se assemelhando ao
dançarino de música latina de outrora. Luana parecia desinteressada. Thaís já
havia sido levada para casa pelos pais, que pareciam não saber que ela estaria
numa festa, e sim dormindo na casa de uma amiga, eles pareciam irritados, mas
saíram mais calmos após uma longa conversa com a psicóloga. Bárbara contava a todos o máximo de detalhes
que conseguira obter sobre o assassinato, e Martha tentava parecer assustada
chamando a atenção de Alexandre, que não soltava Bianca, algo com que não me
importei, pois o olhar de Marcelo me procurava por toda a noite, e suas mãos e
seus lábios também.
Bárbara
contava detalhes, que por mais que eu quisesse não poderia desmentir, afinal já
contara para todos que não vira nada e não sabia de nada. Hipóteses sobre a
identidade da vítima e até mesmo sobre o assassino eram as mais mirabolantes
possíveis e impossíveis. Um professor da escola vingativo, principalmente o de Química,
que odiava todos os alunos, um serial killer, um antigo admirador secreto meu,
o que fez Marcelo me abraçar ainda mais apertado, com minhas costas contra o
seu peito.
Bianca
não perdeu a deixa e prosseguiu:
__E
aquele cara com quem você estava conversando no bar, Manu? Quem era ele?
__Perguntou com desinteresse, embora eu tenha sentido o corpo de Marcelo se
enrijecer talvez de ciúmes ou irritação.
__Era
um conhecido. __Comecei, mas logo vi os olhares de Bárbara, Luana, Martha e
Esther em mim que sabiam ser ele um desconhecido. Se eu mentisse, elas poderiam
desconfiar dele. E por algum motivo, talvez por ele ter salvado minha vida, ou
por eu ter conseguido Marcelo no fim das contas, não queria que ele fosse um
suspeito. Então, finalizei:
__Na
verdade, eu não o tinha reconhecido. Mas ele é filho de um dos sócios do meu
pai. Está na cidade só de passagem.
__Ele
era bonito. __Completou Esther, encerrando o assunto.
Já passavam das quatro horas da manhã, quando meu pai
disse que iria permanecer até o fim das investigações. Ele mandaria um dos
seguranças me levarem em casa, pois não era bom deixar minha mãe sozinha
também. Antes que eu pudesse perguntar o motivo da preocupação com a minha mãe,
ele respondeu que ela se assustaria se não encontrasse nenhum de nós dois em
casa, caso acordasse no meio da noite.
Marcelo, com um ar extremamente sério e responsável,
pediu autorização ao meu pai para me deixar em casa, por já ter dezoito anos e
ter carteira de motorista. Relutantemente, meu pai acabou por aceitar a
proposta, e se despediu de mim com um beijo. Juntamente com a minha saída, a
polícia decidiu deixar os demais convidados em suas respectivas residências,
pois não poderiam ficar até tarde no local de um crime de tal magnitude.
Ao sair, a polícia já sabia o tipo de arma que atingira a
vítima, imaginava a distância, e sabia que fora com silenciador, além de uma
destreza assombrosa. Acreditavam que não fora uma morte acidental, e a vítima
fora selecionada, uma vez que não fora atingida por uma bala perdida, e sim uma
única bala penetrada diretamente no coração.
A vítima fora identificada como César Andrade Santos.
Ninguém o conhecia, e não sabiam dizer como ele entrara na festa. Com suas
roupas, foi encontrada sua carteira com alguns documentos de identificação.
Nada mais havia sido encontrado. E me perguntei que fim teria levado sua arma.
Ou talvez ela nem mesmo existira. E me indaguei o que realmente existira e o
que fora produto da minha mente durante aquela noite.
Marcelo me conduziu ao seu carro abraçando-me
protetoramente. Ele me abriu a porta do passageiro, e antes de fechá-la, me
beijou longamente. Enquanto ele se dirigia para a porta do motorista, olhei
para a entrada da boate em que o meu maior objetivo era sair exatamente daquela
forma, sendo levada para casa por Marcelo, após ter finalmente ficado com ele,
mas nunca pensei que para que isso acontecesse tanta loucura teria que ter
acontecido. Estava em dúvida se valia a pena, uma vida por um sonho
concretizado. Será que realmente os fins justificam os meios?
Ainda olhando para a fachada do salão, percebi mais um
convidado saindo calmamente, sem compartilhar o desespero dos demais. Por um
mínimo instante senti o seu olhar gélido no meu e, não sei se posso afirmar com
certeza, mas por um instante acreditei ser o Dan. E não sei o porquê, ele não
parecia muito feliz.
Voltei o meu olhar para Marcelo que sorria sem parecer
entender a minha expressão, a qual, olhando meu reflexo no pára-brisa, percebi
como uma expressão de dor. Sorri despreocupadamente, e ele aliviado pôs o carro
em marcha, mas quando olhei de volta para a fachada, só vi um corpo numa maca
dentro de um saco preto sendo levado para uma viatura.
Marcelo estacionou o carro na frente da minha casa, sem
eu nem ao menos ensiná-lo o endereço. Ele se justificou dizendo que qualquer um
na cidade sabe onde eu, e principalmente meu pai, moro. Ele me abraçou e me
beijou demoradamente, e pediu para entrar. Eu recusei, já estava muito tarde, e
poderia me visitar mais tarde se quisesse. Era o que ele mais queria,
confessou.
__Eu sei que é algo horrível de se dizer, mas apesar de
tudo, pelo menos acabou tudo bem. Pelo menos entre nós.
__Foi mesmo.
__Eu sei que tudo foi muito conturbado, mas é tudo
verdade. Eu gosto muito mesmo de você, Manu. __Confessou com seu olhar inseguro
me avaliando, e talvez fosse o calor por nossa proximidade, embora a madrugada
estivesse fria, percebi seu rosto ruborizado. __E eu queria que você fosse a
minha namorada.
__Eu... Eu adoraria. __Coloquei uma mão em cada lado do
seu rosto e o trouxe para perto de mim. Ele era realmente bonito, com um ar
juvenil e perfeito. Seus cabelos louros um pouco bagunçados, suas sobrancelhas
e cílios tão claros, quase transparentes, seu nariz reto e harmônico, e sua
boca suave e macia, que me mostrava um lindo sorriso, enquanto tentava entender
a minha expressão. Seus braços fortes e firmes rodeando a minha cintura, e seu
peito definido arfante. Beijei seu rosto e senti a textura de sua pele. Era
extremamente agradável. Beijei-o, e senti sua língua receosamente em busca da
minha, e cada vez mais segura se aventurando em minha boca. Ele beijou meu
pescoço e agradeci pela calmaria que ele me trazia. O êxtase percorreu meu
corpo, e fechei meus olhos para apreciá-lo, mas isso só me trouxe a imagem de
Dan e a sua expressão de dor ao sair do salão, e depois senti o seu corpo perto
do meu e sua mão contra a minha boca.
Afastei-me de Marcelo sem fôlego, não sabia se pelos seus
beijos ou pela lembrança de Dan.
__Eu preciso entrar.
__Já?!__Perguntou afônico, seus olhos aguçados no meu
colo, e sua mão subindo pela minha coxa, o que me deixou enrubescida.
__Esse dia já foi muito longo. __Completei resistindo à
sua expressão de súplica.
__E foi maravilhoso. Quer dizer, exceto pela parte...
Você sabe. É porque tendo você aqui só comigo, e podendo beijar e abraçar você,
o mundo inteiro parece perfeito e eu não consigo nem pensar em algo tão
terrível como o que aconteceu.
__Eu entendo. Mas não vai ser muito bom se meu pai chegar
e nós ainda estivermos aqui.
__É. Mas me deixa te acompanhar até a porta da sua casa,
pelo menos.
__Na minha casa, há um segurança, ele se responsabiliza
por mim a partir de agora. E se eu te deixar entrar, pode ser que eu não te
deixe sair.
__Isso seria ótimo. __Sorriu, saindo do carro e abrindo a
porta para mim do outro lado. __Não se esqueça de mim. Mais tarde eu passo por
aqui.
__Obrigada por tudo. __Disse sem saber ao certo o que
agradecia, talvez por ele ser a única coisa que parecia real por toda a noite,
sendo que no dia anterior ele parecia o meu mais remoto sonho.
__Disponha. __Disse ele, sorrindo, embora não parecesse
ter entendido. __E não se preocupe...__Continuou ele me abraçando enquanto eu
apertava o interfone e me identificava para o Xavier, que parecia sonolento.
__Tudo vai ficar bem. Nada dessa tragédia vai se repetir. __E por um instante,
enquanto ele me beijava, eu acreditei.
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