sábado, 11 de agosto de 2012

Capítulo 5 - Fogo (parte 2)


Consigo abrir meus olhos com grande esforço. Eles parecem insuportavelmente pesados, assim como minha cabeça, meus braços e pernas, todo o meu corpo. Eu estou sentada e presa, embora mesmo que estivesse livre, acredito que seria impossível me mover.

Olho ao meu redor com dificuldade, e posso enxergar sem clareza um homem ao meu lado. Ele parece estar dirigindo, e percebo que estou num carro, e o que me prende é o cinto de segurança. Isso não me parece menos assustador do que o que eu pensara antes, que estava presa numa cadeira elétrica ou numa sala de torturas.

As imagens que ainda estão recentes na minha memória, as quais afasto como um sonho ruim, me fazem lembrar de quem esse homem talvez seja, Dan. Ainda posso sentir o calor insuportável do meu quarto incendiado, apesar do frio que é emanado dos filtros de ar-condicionado do carro, e a última coisa de que me recordo são as estrelas que não mais brilhavam no teto do meu quarto, uma vez que a claridade era imensa, e elas eram consumidas pelas chamas.

Ainda posso olhar pela janela as árvores que passam como sombras na noite escura que nos envolve. Não consigo descobrir onde estou, nem aonde parecemos estar indo. No entanto, isso me lembra a fronteira do estado, a qual atravessara há alguns anos numa viagem de carro com meus pais.

Quando a imagem de meus pais vem a minha mente, e o pensamento desesperador do que pode ter acontecido com eles me aflige, Dan parece perceber minha agitação e com um estremecimento encontro seu olhar. Ele me encara com calma, e poderia dizer quase com ternura, não mais com o olhar frio e sério que o vira usar no meu quarto.

Sua mão segura meu braço, e seu calor quase me queima. Ainda com um ar calmo, ele fala:

__Calma. É melhor você voltar a dormir.

E é quando eu percebo que ele não segurava o meu braço apenas numa tentativa de me acalmar, pelo menos não a que eu esperava. Ele pára o carro, e o vejo retirar uma seringa repleta de um conteúdo transparente de uma pequena caixa. Ele levanta a manga do meu pijama, que se eu não estivesse tão aterrorizada teria percebido com vergonha que ainda o vestia, até a altura do meu cotovelo, e limpa a região anterior do meu cotovelo com um algodão seco.

Quando ele perfura minha veia com a agulha, e aperta o êmbolo, injetando todo o conteúdo, mal posso sentir a dor da injeção, uma vez que uma calma repentina e deliciosa me enleva. E antes que eu adormeça mais uma vez, percebo meu sorriso, que não é retribuído por Dan.




Minha cabeça dói, assim como todo o meu corpo. Pelo menos estou deitada agora numa confortável cama de casal, e percebo com alívio que estou sozinha. Mas logo meus olhos encontram Dan, parecendo adormecido numa poltrona, de costas para a televisão e a janela e de frente para mim.

Minha mente ainda não parece muito clara, mas reparo que não há nada me prendendo a cama. O quarto é pequeno, mas bastante arrumado. Há rosas vermelhas nos criados-mudos e algumas na cama, e embora pareça extremamente com uma cena de filme de Hollywood, acredito estar num motel. Afasto essa idéia da minha mente, e volto a olhar o quarto, ignorando as flores e o champanhe com duas taças vazias e um balde de gelo na mesa. Ele seria quase bonito, se não fosse o excessivo uso do vermelho nos forros das poltronas, no pequeno sofá, nas cortinas e nas roupas de cama.

Há um frigobar, e percebo um refrigerante quase vazio próximo a Dan. O quarto é ricamente mobiliado, como diria minha mãe. Pensar nela faz meu coração se apertar, e talvez seja isso que me dá impulso para tentar levantar, fugir.

Meus braços tremem violentamente quando me apóio neles numa tentativa de sair da cama. Luto contra o impulso da gravidade que age contra meu corpo, querendo empurrá-lo de volta aos lençóis de seda vermelhos.

Consigo me sentar à beira da cama, e é estranho não encontrar meus chinelos ao seu lado. O chão parece imensamente gelado aos meus pés. Observo-o à procura de qualquer tapete, e uma vertigem quase me joga contra ele.

__Você não deveria fazer isso. __Ouço Dan dizer.

Com dificuldade, levanto minha cabeça que pesa insuportavelmente, e encaro sua expressão fria, a qual não demonstra o mínimo de fadiga ou sono. Uma onda súbita de enjôo quase joga o meu corpo para frente, mas antes que eu possa sujar todo o chão aos meus pés, Dan me estende o balde de gelo, no qual esvazio meu conteúdo estomacal.

Ele retira os meus cabelos que caíam ao lado do meu rosto úmido e os segura atrás da minha cabeça, enquanto me alivio. Meu rosto está suado, e o cansaço me invade, mas me sinto melhor quando termino de vomitar.

Dan enxuga o meu rosto com uma toalha macia. O gosto é insuportável em minha boca, o que ele parece perceber, pois me levanta da cama, com um dos meus braços apoiado ao redor de seu pescoço, e seu braço em volta da minha cintura. Mal consigo andar até o banheiro, com minhas pernas que tremem a cada passo, e contra a minha vontade me apóio cada vez mais contra o seu corpo. Ele me senta cuidadosamente na beirada da banheira de hidromassagem repleta com espuma e pétalas de rosa.

Ele liga a torneira e lava o meu rosto. Eu tento empurrar sua mão, quando ele segura o que percebo ser a minha escova de dente, tentando pegá-la, numa tentativa ineficaz de dizer que não preciso de sua ajuda.

Dan empurra minha mão e diz enquanto começa a escovar os meus dentes.

__Tudo bem. Isso acontece com algumas pessoas. Você não deveria ter tentado se levantar.

Penso em qualquer coisa para dizer em minha defesa, ou atacá-lo, mas sei que mesmo que minha boca não estivesse ocupada, cuspindo a água, que ele me fizera ingerir para expulsar o restante da pasta, e mesmo que eu tivesse algo a dizer, o que eu não tenho, não conseguiria, pois minha fraqueza me impede até mesmo de resistir quando ele retira a camisa do meu pijama.

Encaro seus olhos assustada, e tímida por estar protegida apenas por uma pequena blusa que eu usava para dormir.

__Tudo bem. É só para você ficar mais confortável. Você está muito suada. E você não tem condições de tomar banho sozinha. E acho que não ficaria muito feliz se eu fizesse isso por você.

Eu o sinto inclinar cuidadosamente minha cabeça contra a banheira e lavar meus cabelos. Com uma toalha enrolada nos cabelos, e me sentindo surpreendentemente melhor, Dan me conduz à cama. Eu deito, me escondendo sob os lençóis, para que ele não tenha mais uma visão desconfortável da minha blusa curta.  

Dan aumenta a potência do ar-condicionado, e o vejo novamente retirar outra seringa da mesma caixa com o mesmo conteúdo transparente. Não consigo reagir, nem ao menos me mover, apenas sei que meus olhos transparecem o meu horror. E ouço uma voz que parece rouca e embargada, mas que percebo ser a minha, dizer:

__Não. __E o esforço de dizê-la quase me faz adormecer novamente.

__Tudo bem. Eu diminuí a dose. É melhor se você estiver dormindo, a viagem pode ser desconfortável e é longa. Você só não pode tentar se mover nem se levantar novamente.

E antes que eu possa juntar todas as minhas forças para dizer outro não, sinto a picada da agulha na minha outra fossa cubital e adormeço. No entanto dessa vez eu não sorrio. Mas Dan, sim.




            Eu desperto e relembro o que Dan recomendara, eu não deveria me mover ou tentar me levantar. Embora minha cabeça não esteja tão mais pesada e dolorida, apesar de minha mente ainda parecer enevoada, e eu não esteja mais deitada, e sim sentada novamente no banco do carro, acho melhor obedecer a ele.

            Ele surge ao meu lado, abrindo a porta do carro. Ao ver que meus olhos estão abertos, Dan me levanta e me ajuda a andar, mais me carregando, como fizera antes. Ele me ajuda a sair, e não evito imaginar que ele me carregaria nos braços se eu não estivesse desperta, e me reprovo inconscientemente por não ter fingido, embora acredite que ele perceberia a diferença.

            Meus pés tocam o chão e eles estão protegidos por uma das minhas sandálias que eu costumava usar em casa. Reparo na minha roupa, e com espanto me deparo com um dos meus vestidos de verão, coberta por um casaco desconhecido, sem saber que fim havia tomado o meu pijama.

            No entanto, meu olhar tenta fazer um reconhecimento da área, enquanto sou conduzida por Dan. Seu carro é esporte, parecendo importado, e tão escuro que quase se confunde com a escuridão ao redor. Olho para a rua, e ela parece fazer parte de um bairro residencial, com algumas casas esparsas. Esforço-me para ver se reconheço o local, mas em vão. Começo a acreditar que nem no mesmo Estado estamos.

            Dan pára em frente à porta de uma pequena casa, mas que parece aconchegante, impedindo que eu continue a tentar reconhecer onde estamos. Ele gira a chave na fechadura, e liga a luz, me adentrando numa pequena sala de estar quase receptiva, mobiliada com uma televisão e um conjunto de sofás ao redor de um centro de mesa com um vaso de flores já murchas.

            A sala se separa da cozinha americana por um balcão, na qual eu consigo divisar uma geladeira pequena, um fogão, um microondas, além de uma pia e armários. Ele me conduz por um corredor no qual há três portas, duas entreabertas, uma parecendo um banheiro e a outra um quarto. Dan me leva até a porta que permanece fechada, ao lado da porta do quarto, e logo me vejo num pequeno, mas aconchegante cômodo, mobiliado com uma cama de solteiro, uma cômoda com espelho e uma estante.

            Há um toque quase feminino no quarto, pelo menos ele parece mais arrumado do que o restante da casa, e me pergunto se e há quanto tempo Dan planejava me trazer aqui.

Ele retira com gentileza o meu casaco, e me segurando com um braço, puxa a colcha da cama com o outro, deitando-me e cobrindo-me com ela.  Eu me sinto mais sonolenta quando minha cabeça encosta no travesseiro. Dan dá um sorriso torto quando começo a fechar os olhos novamente, e o vejo pegar a caixa da seringas. E antes que eu possa reagir, o que não tenho certeza de que faria, visto que já começava a gostar da sensação que esse líquido transparente me causa quando circula no meu corpo, inebriando meu cérebro, percebo que é uma seringa com um líquido diferente. E enquanto Dan o injeta em minha circulação, e coloca o chumaço de algodão para conter o sangramento, diz:

__Está na hora de acordar, bela adormecida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário