Consigo
abrir meus olhos com grande esforço. Eles parecem insuportavelmente pesados,
assim como minha cabeça, meus braços e pernas, todo o meu corpo. Eu estou
sentada e presa, embora mesmo que estivesse livre, acredito que seria
impossível me mover.
Olho
ao meu redor com dificuldade, e posso enxergar sem clareza um homem ao meu
lado. Ele parece estar dirigindo, e percebo que estou num carro, e o que me
prende é o cinto de segurança. Isso não me parece menos assustador do que o que
eu pensara antes, que estava presa numa cadeira elétrica ou numa sala de
torturas.
As
imagens que ainda estão recentes na minha memória, as quais afasto como um
sonho ruim, me fazem lembrar de quem esse homem talvez seja, Dan. Ainda posso
sentir o calor insuportável do meu quarto incendiado, apesar do frio que é
emanado dos filtros de ar-condicionado do carro, e a última coisa de que me
recordo são as estrelas que não mais brilhavam no teto do meu quarto, uma vez
que a claridade era imensa, e elas eram consumidas pelas chamas.
Ainda
posso olhar pela janela as árvores que passam como sombras na noite escura que
nos envolve. Não consigo descobrir onde estou, nem aonde parecemos estar indo.
No entanto, isso me lembra a fronteira do estado, a qual atravessara há alguns
anos numa viagem de carro com meus pais.
Quando
a imagem de meus pais vem a minha mente, e o pensamento desesperador do que
pode ter acontecido com eles me aflige, Dan parece perceber minha agitação e
com um estremecimento encontro seu olhar. Ele me encara com calma, e poderia
dizer quase com ternura, não mais com o olhar frio e sério que o vira usar no
meu quarto.
Sua
mão segura meu braço, e seu calor quase me queima. Ainda com um ar calmo, ele
fala:
__Calma.
É melhor você voltar a dormir.
E
é quando eu percebo que ele não segurava o meu braço apenas numa tentativa de me
acalmar, pelo menos não a que eu esperava. Ele pára o carro, e o vejo retirar
uma seringa repleta de um conteúdo transparente de uma pequena caixa. Ele
levanta a manga do meu pijama, que se eu não estivesse tão aterrorizada teria
percebido com vergonha que ainda o vestia, até a altura do meu cotovelo, e
limpa a região anterior do meu cotovelo com um algodão seco.
Quando
ele perfura minha veia com a agulha, e aperta o êmbolo, injetando todo o
conteúdo, mal posso sentir a dor da injeção, uma vez que uma calma repentina e
deliciosa me enleva. E antes que eu adormeça mais uma vez, percebo meu sorriso,
que não é retribuído por Dan.
Minha
cabeça dói, assim como todo o meu corpo. Pelo menos estou deitada agora numa
confortável cama de casal, e percebo com alívio que estou sozinha. Mas logo
meus olhos encontram Dan, parecendo adormecido numa poltrona, de costas para a
televisão e a janela e de frente para mim.
Minha
mente ainda não parece muito clara, mas reparo que não há nada me prendendo a
cama. O quarto é pequeno, mas bastante arrumado. Há rosas vermelhas nos
criados-mudos e algumas na cama, e embora pareça extremamente com uma cena de
filme de Hollywood, acredito estar num motel. Afasto essa idéia da minha mente,
e volto a olhar o quarto, ignorando as flores e o champanhe com duas taças vazias
e um balde de gelo na mesa. Ele seria quase bonito, se não fosse o excessivo
uso do vermelho nos forros das poltronas, no pequeno sofá, nas cortinas e nas
roupas de cama.
Há
um frigobar, e percebo um refrigerante quase vazio próximo a Dan. O quarto é
ricamente mobiliado, como diria minha mãe. Pensar nela faz meu coração se
apertar, e talvez seja isso que me dá impulso para tentar levantar, fugir.
Meus
braços tremem violentamente quando me apóio neles numa tentativa de sair da
cama. Luto contra o impulso da gravidade que age contra meu corpo, querendo
empurrá-lo de volta aos lençóis de seda vermelhos.
Consigo
me sentar à beira da cama, e é estranho não encontrar meus chinelos ao seu lado. O chão parece imensamente gelado aos meus pés. Observo-o à procura de
qualquer tapete, e uma vertigem quase me joga contra ele.
__Você
não deveria fazer isso. __Ouço Dan dizer.
Com
dificuldade, levanto minha cabeça que pesa insuportavelmente, e encaro sua
expressão fria, a qual não demonstra o mínimo de fadiga ou sono. Uma onda
súbita de enjôo quase joga o meu corpo para frente, mas antes que eu possa
sujar todo o chão aos meus pés, Dan me estende o balde de gelo, no qual esvazio
meu conteúdo estomacal.
Ele
retira os meus cabelos que caíam ao lado do meu rosto úmido e os segura atrás
da minha cabeça, enquanto me alivio. Meu rosto está suado, e o cansaço me
invade, mas me sinto melhor quando termino de vomitar.
Dan
enxuga o meu rosto com uma toalha macia. O gosto é insuportável em minha boca,
o que ele parece perceber, pois me levanta da cama, com um dos meus braços
apoiado ao redor de seu pescoço, e seu braço em volta da minha cintura. Mal
consigo andar até o banheiro, com minhas pernas que tremem a cada passo, e
contra a minha vontade me apóio cada vez mais contra o seu corpo. Ele me senta
cuidadosamente na beirada da banheira de hidromassagem repleta com espuma e
pétalas de rosa.
Ele
liga a torneira e lava o meu rosto. Eu tento empurrar sua mão, quando ele
segura o que percebo ser a minha escova de dente, tentando pegá-la, numa
tentativa ineficaz de dizer que não preciso de sua ajuda.
Dan
empurra minha mão e diz enquanto começa a escovar os meus dentes.
__Tudo
bem. Isso acontece com algumas pessoas. Você não deveria ter tentado se
levantar.
Penso
em qualquer coisa para dizer em minha defesa, ou atacá-lo, mas sei que mesmo
que minha boca não estivesse ocupada, cuspindo a água, que ele me fizera
ingerir para expulsar o restante da pasta, e mesmo que eu tivesse algo a dizer,
o que eu não tenho, não conseguiria, pois minha fraqueza me impede até mesmo de
resistir quando ele retira a camisa do meu pijama.
Encaro
seus olhos assustada, e tímida por estar protegida apenas por uma pequena blusa
que eu usava para dormir.
__Tudo
bem. É só para você ficar mais confortável. Você está muito suada. E você não
tem condições de tomar banho sozinha. E acho que não ficaria muito feliz se eu
fizesse isso por você.
Eu
o sinto inclinar cuidadosamente minha cabeça contra a banheira e lavar meus
cabelos. Com uma toalha enrolada nos cabelos, e me sentindo surpreendentemente
melhor, Dan me conduz à cama. Eu deito, me escondendo sob os lençóis, para que
ele não tenha mais uma visão desconfortável da minha blusa curta.
Dan
aumenta a potência do ar-condicionado, e o vejo novamente retirar outra seringa
da mesma caixa com o mesmo conteúdo transparente. Não consigo reagir, nem ao
menos me mover, apenas sei que meus olhos transparecem o meu horror. E ouço uma
voz que parece rouca e embargada, mas que percebo ser a minha, dizer:
__Não.
__E o esforço de dizê-la quase me faz adormecer novamente.
__Tudo
bem. Eu diminuí a dose. É melhor se você estiver dormindo, a viagem pode ser
desconfortável e é longa. Você só não pode tentar se mover nem se levantar
novamente.
E
antes que eu possa juntar todas as minhas forças para dizer outro não, sinto a
picada da agulha na minha outra fossa cubital e adormeço. No entanto dessa vez
eu não sorrio. Mas Dan, sim.
Eu desperto e relembro o que Dan recomendara, eu não
deveria me mover ou tentar me levantar. Embora minha cabeça não esteja tão mais
pesada e dolorida, apesar de minha mente ainda parecer enevoada, e eu não esteja
mais deitada, e sim sentada novamente no banco do carro, acho melhor obedecer a
ele.
Ele surge ao meu lado, abrindo a porta do carro. Ao ver
que meus olhos estão abertos, Dan me levanta e me ajuda a andar, mais me
carregando, como fizera antes. Ele me ajuda a sair, e não evito imaginar que
ele me carregaria nos braços se eu não estivesse desperta, e me reprovo inconscientemente por não
ter fingido, embora acredite que ele perceberia a diferença.
Meus
pés tocam o chão e eles estão protegidos por uma das minhas sandálias que eu
costumava usar em casa. Reparo na minha roupa, e com espanto me
deparo com um dos meus vestidos de verão, coberta por um casaco desconhecido, sem
saber que fim havia tomado o meu pijama.
No entanto, meu olhar tenta fazer um reconhecimento da
área, enquanto sou conduzida por Dan. Seu carro é esporte, parecendo importado,
e tão escuro que quase se confunde com a escuridão ao redor. Olho para a rua, e
ela parece fazer parte de um bairro residencial, com algumas casas esparsas.
Esforço-me para ver se reconheço o local, mas em vão. Começo a acreditar que nem
no mesmo Estado estamos.
Dan pára em frente à porta de uma pequena casa, mas que
parece aconchegante, impedindo que eu continue a tentar reconhecer onde
estamos. Ele gira a chave na fechadura, e liga a luz, me adentrando numa pequena
sala de estar quase receptiva, mobiliada com uma televisão e um conjunto de
sofás ao redor de um centro de mesa com um vaso de flores já murchas.
A sala se separa da cozinha americana por um balcão, na
qual eu consigo divisar uma geladeira pequena, um fogão, um microondas, além de
uma pia e armários. Ele me conduz por um corredor no qual há três portas, duas
entreabertas, uma parecendo um banheiro e a outra um quarto. Dan me leva até
a porta que permanece fechada, ao lado da porta do quarto, e logo me vejo num pequeno,
mas aconchegante cômodo, mobiliado com uma cama de solteiro, uma cômoda com
espelho e uma estante.
Há um toque quase feminino no quarto, pelo menos ele
parece mais arrumado do que o restante da casa, e me pergunto se e há quanto
tempo Dan planejava me trazer aqui.
Ele
retira com gentileza o meu casaco, e me segurando com um braço, puxa a colcha
da cama com o outro, deitando-me e cobrindo-me com ela. Eu me sinto mais sonolenta quando minha
cabeça encosta no travesseiro. Dan dá um sorriso torto quando começo a fechar
os olhos novamente, e o vejo pegar a caixa da seringas. E antes que eu possa
reagir, o que não tenho certeza de que faria, visto que já começava a gostar da
sensação que esse líquido transparente me causa quando circula no meu corpo,
inebriando meu cérebro, percebo que é uma seringa com um líquido diferente. E
enquanto Dan o injeta em minha circulação, e coloca o chumaço de algodão para
conter o sangramento, diz:
__Está
na hora de acordar, bela adormecida.
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