quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Capítulo 4 - Despedida (parte 2)


Eu mal pude conter um grito de exclamação ao entrar no ginásio da escola, sempre palco das minhas maiores torturas e humilhações, por minha falta de talento esportivo, e vê-lo brilhando com pedaços de papel prateados pelo chão e pelas mesas, globos de espelho pendurados por todo o teto, arranjos de rosas brancas e cor-de-rosa nas mesas forradas assim como as cadeiras. Sorri para minha mãe, que seguia deslumbrante em seu vestido verde escuro, de braços dados com meu pai que desfilava gracioso em seu smoking. Ela tentava, sem sucesso, disfarçar seu orgulho por ter sido uma das organizadoras da festa.

Meu pai parecia igualmente admirado, poderia dizer quase emocionado, enquanto nos aproximávamos da mesa destinada a nós. Tentei não me incomodar com suas demonstrações públicas de afeto, ainda mais por serem raras para um casal tão jovem e bonito, mas mesmo assim percorri o olhar pelo salão, logo divisando a maioria das meninas com seus respectivos pais e parceiros. Elas acenaram ao longe, pois logo depois teríamos todo o tempo para conversar, enquanto ficaríamos duas horas sentadas na frente do palco que fora instalado, ouvindo metade do corpo docente, além de oradores e juramentistas.

Meus pais pareciam extremamente felizes compartilhando um dos meus maiores momentos escolares. Eles cumprimentaram os pais dos outros alunos e professores que me deixavam ruborizada enquanto ressaltavam minha inteligência e dedicação, e o quanto estavam confiantes de que eu seria aprovada no vestibular.

            Meu pai sorriu, passando seu braço ao redor dos meus ombros, e me apertando no seu abraço carinhoso:

            __Eu nunca tive dúvidas disso. Mas obrigada por ter notado. Assim não sou só eu que percebo o quanto ela é uma garota incrível. Uma princesa. __E me beijou na testa. Eu me surpreendi com a demonstração amorosa pública. Eu já sabia de tudo que ele falara, mas era estranho vê-lo falar tão aberta e emocionadamente. Eu retribui o beijo, e logo me vi num abraço familiar, quando minha mãe se juntou a nós.

Enxugando as lágrimas, tentando escondê-las de mim, minha mãe sussurrou ao meu ouvido:

__Você foi o meu melhor presente. Eu tenho tanto orgulho de você. Eu nunca me arrependi de ter abandonado a minha vida antiga para cuidar de você. Porque desde o dia em que você nasceu, você é minha vida.

__E vocês duas são a minha. __Ouvi meu pai dizer.

Eu tentei segurar, ao máximo que pude, as lágrimas que começavam a rolar pelo meu rosto. Ainda bem que eu usara um rímel à prova d’água, talvez já prevendo alguma cena como essa.

A voz do diretor Braga vinda das caixas de som interrompeu nosso momento familiar. Meu pai tossiu, e vi pequenos brilhos no canto de seus olhos, os quais, se não conhecesse meu pai tão bem, poderiam ser lágrimas. Minha mãe endireitou o meu vestido de seda cor-de-rosa que se amarrotara com o abraço e secou as lágrimas nos meus olhos, enquanto verificava minha maquiagem. Ela sorriu em aprovação e me disse para ir brilhar. E eu fui.

Entretanto, antes que pudesse alcançar a cadeira que a professora de português Sandra me indicava, senti um abraço carinhoso e me virei, me deparando com Marcelo. Ele estava lindo. Seu cabelo loiro meio bagunçado com o gel, seu sorriso cativante, e sua respiração ofegante, parecendo que tinha corrido.

__Desculpa a demora. Minha família toda veio para a festa. Até a minha avó. Eles não queriam me deixar vir sem eles, mas eu tinha que comprar alguma coisa para você. Que pudesse representar essa noite e que sempre fizesse você se lembrar de mim.

E então ele me deu uma minúscula caixinha de veludo preto. Eu a abri e encontrei dois anéis de ouro branco entrelaçado. Eles tinham escritos em sua borda interior em uma letra minúscula “Marcelo e Manu”. Eu não consegui dizer nada, então ele continuou:

__É só um anel de compromisso, Manu. Eu sei como essa noite é importante para nós, então eu decidi fazer uma surpresa. E agora nós estamos saindo da escola, vamos para a faculdade, estudar separados. Mas eu quero que você saiba que isso não é só um romance de colegial para mim. E é isso o que representa. Que apesar de outros caminhos estarem nos sendo apresentados agora, que eles continuem entrelaçados.

Eu me perguntei se ele ensaiara aquele discurso. Foi tão perfeito. Tão lindo. E eu não tinha o que dizer. E então o beijei. Ele deve ter considerado como um sim, uma vez que tirou um dos anéis e colocou no meu dedo anular direito e me entregou o outro para eu fazer o mesmo. E foi o que eu fiz antes de sermos separados para sentar nas duas fileiras diferentes de alunos, num lado os garotos e no outro, as garotas.

E passei as próximas duas horas ouvindo o mais longo e entediante discurso da minha vida, no entanto não me importei, porque todo parto, que dá início a uma nova vida, sempre é doloroso e demorado.



Eu não consegui nem mesmo me cansar de tanto tirar fotos, com os meus pais foram inúmeras, com minha turma, com as meninas, com Marcelo e seus pais. O jantar foi servido e já era uma hora da manhã quando meus pais decidiram ir embora. Na verdade, meu pai pareceu relutante em me deixar ficar até mais tarde, mas o olhar autoritário de minha mãe logo o fez desistir, dizendo-me para ter juízo, enquanto beijava minha testa. Minha mãe radiava de felicidade quando me abraçou, ainda encantada com o anel que Marcelo me dera, no qual ela reparara assim que me abraçara após eu ter recebido o meu diploma.

Meu pai despediu-se de Marcelo com um aperto de mão que o fez sorrir constrangido, e cumprimentou seus pais que também já iam embora com um aceno de cabeça. Minha mãe abraçou Marcelo calorosamente, que pareceu mais aliviado, e acompanhada pelo meu pai saiu pela porta do ginásio juntamente com os outros pais.

E foi então, enquanto eu distraída admirava aquele lindo casal que tinha o privilégio de chamar de pais saírem pela porta, que Marcelo puxando-me carinhosamente me chamou para dançar. E eu fui.



Marcelo toca o meu rosto cuidadosamente e me pergunta se estou com sono, pois pareço distante. Peço desculpas e lhe dou um beijo, o qual ele retribui com voracidade, não parecendo se incomodar com as pessoas que nos rodeiam, talvez por eles estarem fazendo o mesmo. Ele me ergue e se levanta da cadeira.

__Nós já estamos indo, galera. __Ele fala me abraçando mais forte. Eles param de fazer o que estavam fazendo e se levantam para se despedir.  Quando Martha me abraça, por algum motivo eu sinto as lágrimas virem aos meus olhos e não quero mais soltá-la. O mesmo acontece quando abraço todos os demais.

Quando Thaís chora me abraçando, não mais consigo me conter e me ouço soluçar. Ela sorri e diz:

__Calma. Até parece que nós nunca mais vamos nos ver. Nós todos vamos continuar nos visitando. Vamos nos encontrar nos corredores da universidade, mesmo que não fazendo os mesmos cursos. Nós moramos na mesma cidade. O mundo não acabou. __Ela diz entre soluços.

__E ainda tem o vestibular. Daqui a uma semana. Nós podíamos fazer uma festa depois da prova para comemorar. Podia ser na sua casa, né, Manu? __Sugere Bárbara.

__Pode ser.

__Até mais então, galera. Boa sorte para todo mundo na prova. __Finaliza Marcelo me conduzindo pela cintura através do salão.

Passando pela porta, eu olho novamente para os meus amigos, ainda sentados à mesa, eu sorrio e aceno, recebendo alguns poucos acenos de volta. É estranha a sensação de estar pela última vez nessa escola, e passar pela última vez por essa porta. E nessa sensação de vazio, de perda e despedida, eu continuo sorrindo triste e acenando, querendo olhar fixamente para seus rostos, na tentativa de guardá-los na memória nos mínimos detalhes. Sentindo como se fosse vê-los pela última vez. Mal sabendo eu que estou tão próxima à verdade.



Marcelo abre a porta do carro para mim. Eu entro e sorrio quando ele entra também, tentando disfarçar a tristeza sem sentido que me invade. Evito olhar uma última vez para o prédio da minha antiga escola, mas não consigo. Mas antes que as lágrimas que chegam aos meus olhos sejam derramadas, sinto a mão de Marcelo no meu rosto.

Ele me encara seriamente, enquanto acaricia meus cabelos, deslizando sua mão pelo meu pescoço, meus ombros e meus braços, aproximando-se de mim e me beijando intensamente. Eu retribuo o beijo e estremeço diante da sua avidez, e ainda mais com a vontade súbita que sinto de que ele continue. Marcelo sorri quando eu o abraço e me aproximo ainda mais, e diz:

__Nós devíamos ir para outro lugar. Eu tenho outra surpresa para você. __Completa sorrindo e beijando carinhosamente o anel em meu dedo.

Talvez tenha sido o seu olhar maliciosamente assustador, ou o medo de dar um grande passo, ou ainda o masoquismo de lutar contra as minhas mais íntimas vontades para apenas deixá-las mais fortes. Mas me ouço dizer:

__Acho melhor não.

Ele não parece entender e pergunta intrigado:

__Você prefere aqui mesmo?

__Não! __Exclamo horrorizada olhando novamente para o prédio da escola. __É só que eu estou um pouco cansada. Foi a nossa festa de formatura e eu só quero ir para casa.

__Mas por isso mesmo. __Marcelo continua tentando esconder sua frustração. __ É a nossa formatura. Hoje seria mais romântico, não?!

__Sim. Mas nós temos todo o verão. E eu não quero que só você me dê surpresas. Eu quero surpreender você também. __Ouço-me dizer, sem saber ao certo o que isso significa.

Entretanto, Marcelo não parece mais decepcionado, e sorri com curiosidade nos olhos.

__Você não precisa me surpreender. __Ele prossegue, embora seus olhos digam o contrário. __Eu só quero você.

__E você terá. Só não hoje. Tudo bem?!__Tento dissuadi-lo.

__Está bem. __Ele sorri me beijando, enquanto pisa no acelerador. __Só não me faz esperar muito, por favor. Pode ser esse ano ainda? __Ele pergunta com um sorriso esperançoso, sabendo que já estamos no início de Dezembro.

__Esse ano. __Eu confirmo sorrindo. __Não vou fazer você esperar muito. __Então o beijo demoradamente, sentindo seu corpo firme contra o meu, e tentando me convencer a esperar. “Nós temos todo o verão”, repito para mim mesma. E encontrando seus olhos satisfeitos, dou meu melhor sorriso, fazendo promessas que nunca poderei cumprir.

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