domingo, 26 de agosto de 2012

Capítulo 13 - Executor

Eu me surpreendo quando ultrapassamos a fronteira de uma grande cidade. Eu imaginava que continuaríamos a nos esconder em cidades cada vez menores, no entanto, sou recebida pelos anúncios nos outdoors, nos letreiros luminosos dispersos na noite. Hotéis, shoppings, arranha-céus. Tudo me parece agora uma realidade distante. Carros e motos passam zunindo por nós, algumas pessoas caminham pelas ruas rindo e se divertindo.

Quando passamos pelo engarrafamento, Dan começa a entrar em ruas mais escuras, indo ao que parece ser a periferia da cidade, uma cidade esquecida dentro de uma metrópole. Numa rua afastada, com chão de terra batida, na qual há apenas um posto de gasolina aparentemente abandonado, e um bar afastado, vejo Dan estacionar o carro. Ele veste o casaco que permanecia no banco de trás e abre a porta do carro.

__Eu tenho que falar com um conhecido. Ele deve ter algumas respostas. Se você ouvir qualquer barulho estranho ou qualquer movimentação é melhor você fugir. __Diz me entregando as chaves do carro e uma pasta de documentos. __Você pode ir para o Hotel Cruzeiro, nós passamos por ele no caminho, lá no centro, ou você pode pedir instruções a alguém, e eu fiz reservas.

__Mas... __Balbucio segurando as chaves do carro, trêmula, sem querer entender o que ele me pede. __Eu não sei dirigir e...

__Você não sabe dirigir? Há algumas coisas que precisa aprender se quiser realmente me ajudar. Mas você deve saber o básico pelo menos.

__Um pouco. Eu só tenho 17 anos.

__Agora você tem uma carteira de identidade com 18 anos, deveria aproveitá-la __Afirma retirando meus documentos do bolso de seu jeans e me entregando.

__Eu não quero ficar aqui. __Imploro chorosa. __Eu quero ir com você. O que você pretende fazer?

__Conversar. __Responde, embora eu consiga identificar o seu olhar alerta prevendo o perigo.

__Então eu posso ir junto?!

__Tudo bem. Mas vista um casaco. __Concorda relutante, talvez imaginando que eu causarei menos problemas estando sob sua vista. Saio do carro antes que ele possa abrir a porta para mim, e sou recebida por um vento frio cortante que me faz arrepiar apesar de estar coberta pelo casaco de Dan. O céu está escuro sem estrelas, e os ventos fortes predizem chuva. Já passam das nove horas da noite, posso ver no relógio do pulso de Dan, quando ele me ajuda a andar. O meu pé já não está mais dolorido, e posso andar sem dificuldades, no entanto não quero impedir seu gesto de carinho, ou seja lá o que for.

Subindo pelos degraus de cimento batido que levam à parte externa do bar percebo que o gesto de Dan não é por carinho, e sim protetor. Ainda que eu esteja coberta pelo casaco que alcança minhas pernas protegidas apenas pelos shorts, me vejo vítima dos olhares cobiçosos e curiosos dos bêbados que disputam partidas de sinuca e jogos de baralho. Eles interrompem suas atividades e dizem gracinhas, mas logo se calam com o olhar ameaçador de Dan.

Ele me conduz até a porta, e entramos na parte interna. É quase impossível enxergar em meio á fumaça que paira no ar, o cheiro de álcool misturado ao tabaco é insuportável, e eu me impeço de tossir, tentando não atrair mais olhares dos que os já fixos em mim. Paramos diante do bar e ouço Dan perguntar por alguém chamado Carvalho. O atendente olha para Dan de uma forma estranha, num misto de ameaça e receio.

Dan não se move, quando o atendente diz que ele não está. E continua:

__Eu sei que o Carvalho está aqui. Diga que o Dan quer falar com ele e que está com pressa.__Informa calmo, embora eu possa sentir a tensão no seu braço ainda rodeando minha cintura. Meus braços estão estendidos ao lado do meu corpo, perdidos dentro das mangas compridas do casaco. Dentro do bar está quente, e eu tenho vontade de tirá-lo, no entanto, não posso me mover. Pela primeira vez, vou me esforçar para não atrapalhar Dan.

__Eu não posso interrompê-lo. __O barman continua quase trêmulo. Ele parece ter reconhecido o nome de Dan, e começa a perceber a ameaça que ele representa, mas parece em dúvida quanto a quem deve obediência.

__Tudo bem. Eu interrompo. __Declara me levando consigo, rodeando o balcão do bar, contra as proibições desesperadas do barman. Alguns dos homens, os que estão mais próximos e não totalmente bêbados, percebem a movimentação, mas antes que possam fazer qualquer coisa, nós já estamos dentro do escritório de um homem aparentando seus quarenta anos, careca e escarlate, chamado Carvalho.

Ele está rodeado por três homens de pé, que parecem estar recebendo suas instruções. Quando entramos no recinto, que mais parece um escritório do que uma sala escondida num bar afastado da cidade, vejo todos dirigirem suas mãos a cintura, onde imagino que estejam suas armas. Carvalho tenta disfarçar sua mortificação sorrindo e pedindo para que seus homens se acalmem, embora eu possa vê-lo enrubescer, e gotículas de suor frio surgirem no centro da sua cabeça, sem a presença de fios de cabelo para disfarçá-las.

A sala está fria, e meu casaco agora está mais confortável, no entanto posso ver Carvalho desconfortável em seu terno cinza claro, como se subitamente a temperatura da sala tivesse ficado insuportavelmente elevada. Seus homens de confiança olham desconfiados principalmente para Dan, quase me ignorando, ou talvez seja porque agora Dan me mantenha quase às suas costas, escondida.

Carvalho sorri e pede para que um dos homens traga um uísque para Dan, o qual recusa não muito educadamente.

__Meu caro amigo, o que traz você aqui?__Sorri, se levantando, enquanto sua mão trêmula e calosa se estende procurando a mão de Dan, a qual permanece na minha cintura. Ele parece constrangido e assustado pelo comportamento de Dan e então estende sua mão para mim, como se apenas agora tivesse reparado em minha presença.

Eu fico em dúvida quanto ao que devo fazer, mas quando levanto uma das mãos para cumprimentá-lo, Dan me impede com um olhar repressor.

__Será que podemos conversar lá fora, Carvalho? Aqui está muito quente.

__Dan... __Insiste sorrindo em cumplicidade, embora eu veja o temor se apoderar dos seus olhos, que parecem quase suplicantes. __A casa é sua. Você pode ficar aqui, bebida por conta da casa, passar alguns dias. Eu até arranjaria uma companhia para você, se já não tivesse arranjado. __Estremeço com a lascívia do seu olhar que percorre meu corpo. Sinto o abraço de Dan apertar, e Carvalho parece perceber o seu incômodo, mas continua sorrindo. __A Solange vai ficar uma fera quando souber que dessa vez você veio acompanhado. Amanhã eu estarei organizando um show internacional na cidade, vai ser ótimo. Um camarote só para você com livre acesso ao camarim. Eu sei que você não gosta de agitação, mas a garota deve gostar.

__Lá fora, Carvalho. Eu já disse que estou com pressa. __Ordena Dan num tom irritado me encaminhando para fora da sala. Ainda posso ver Carvalho sinalizar para seus empregados um sinal de tudo bem, quando apressa o passo para nos alcançar.

Nós paramos ao descermos em frente aos degraus. Carvalho respira tentando recuperar o fôlego, após exigir que os homens que estavam na área externa do bar entrassem. O silêncio se faz presente, e embora as janelas do bar estejam fechadas, imagino que eles estejam atentos a qualquer movimento.

Eu não faço idéia de quem esse homem seja, no entanto ele parece poderoso, e o modo como os outros, exceto Dan, olham para ele me recorda um pouco como observavam meu pai.

Posso ver o desespero transparecer em seu rosto, embora continue a sorrir. Sua face transparece uma careta de dor e aflição, enquanto encara o olhar frio de Dan, que ainda me abraçando, o enfrenta em silêncio, o qual começa a me incomodar.

É um olhar quase de súplica e terror, posso vê-lo tremer e suar frio dentro de seu terno caro. Ele parece atormentado pelo silêncio e começa.

__O que houve, Dan?! Sou eu. Carvalho, seu amigo. Você sempre me ajudou e eu sempre me esforcei para lhe ajudar na medida do possível. Você sabe que tudo que eu tenho devo a você e que tudo que é meu é seu. Na hora que quiser. Sempre.

Dan parece ignorá-lo, e puxando-me para sua frente, ainda me abraçando, inicia, quase num tom amigável:

__Eu não estou sendo muito educado. Acho que você ainda não conhece a minha amiga. Ela se chama Manuela Gonçalves.

__Prazer. __Carvalho sorri, mais aliviado, e estende novamente sua mão para mim. Dan me sinaliza para que eu a aceite, e é o que eu faço. Sua mão está úmida de suor e trêmula, e o seu olhar é um misto de suplício e orgulho ferido, me fazendo imaginar como deve humilhar seus subordinados. __Meu nome é Afonso Carvalho, mas todos me chamam de Carvalho. É uma bonita garota, Dan. Ela te acorrentou?

Dan não sorri de volta, embora eu perceba um humor ácido em sua voz, quando prossegue.

__Você sabe quem é ela?

__Como assim? __Questiona trêmulo sob o olhar ameaçador de Dan.

__Tem certeza de que você não faz idéia de quem ela seja?!

__Eu não sei, Dan... Eu...

__Você mente muito mal, Carvalho. Mas eu vou ajudá-lo. Essa é a filha do casal dos três milhões de euros.

__E por que ela está viva?! __Exclama olhando para mim apavorado, como se eu fosse um fantasma, o que não deixa de ser verdade.

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