Já passavam das três
horas, não havendo qualquer restaurante aberto, acabamos comprando um almoço,
que faria minha mãe se orgulhar se me visse comendo.
Estamos na orla de um bonito rio que corre calmamente seu
percurso, sem pressa, sabendo que suas águas acabarão fazendo tudo novamente,
então aproveita para admirar a paisagem. Brinco com o meu copo de suco, pois
Dan me proibira de tomar refrigerante, devendo comer algo saudável, apesar de
ele estar entretido na sua lata de Coca-cola.
Mordisco outro sanduíche natural, que encontramos numa lanchonete, que
me faz lembrar novamente da minha mãe.
O silêncio, que se instalou por quase todo o tempo desde
que saímos da casa, até chegarmos aqui, é confortável, não mais me incomoda. Eu
preferiria estar conversando, no entanto, Dan mantém seu olhar distante na
paisagem, apoiando seus antebraços na grade que protege os visitantes,
separando-nos do rio que corre abaixo de nós.
Aproveito para admirar a paisagem também. O clima
permanece quente, apesar da tarde estar se findando, no entanto, os ventos que
sopram meu cabelo, o qual tento em vão manter em seu lugar, dão um frescor
revigorante. É estranho que após tudo pelo que eu passara no dia anterior, eu
esteja vivendo esse dia calmo e sereno. Surpreendo-me admirando Dan, ele parece
não perceber o meu olhar e continua absorto no horizonte. Se não fosse por ele,
eu não estaria aqui hoje. E não faço idéia de como agradecê-lo. Talvez o
silêncio que ele sempre pedira seja uma boa recompensa. E então me concentro na
paisagem novamente.
Há alguns pássaros fazendo piruetas pelo céu e voando para
a floresta que se estende do outro lado do rio, com suas árvores frondosas. Eu
me conformo de que eles estão indo encontrar suas famílias. Eu posso não ter
mais meus pais vivos, porém sei que eles estão e continuarão comigo onde quer
que eu esteja.
Esse pensamento me faz sorrir. Não um sorriso de alegria,
mas de conformação. A vida nem sempre é como nós desejamos, só nos resta seguir
o roteiro que ela nos impuser, da melhor forma que pudermos, tentando
aproveitar o máximo que ela tiver para nos oferecer, pois é a única vez que
estaremos no palco.
O sol começa a
se por e seu conjunto maravilhoso de cores, dourado, cor-de-rosa, azul,
vermelho, laranja, quase me cega. E eu estou feliz. Reprimo minha consciência
que insiste em dizer que eu não posso ser feliz, tendo todos os motivos do
mundo para odiar a minha vida, e querer morrer. Eu posso ser feliz e estou
sendo. A felicidade deve ser isso, então. Momentos. Momentos de felicidade plena.
E esse é um desses.
Então fecho minha mente e abro meus olhos, para ser
banhada pelos últimos raios de sol, que faz sua última e mais bela dança
multicolorida em despedida. Todavia, eu sei que ele estará me esperando
novamente na manhã seguinte.
Passando pela porta, que Dan abre para mim, vejo a casa
em sua escuridão. Ela começa a parecer realmente uma casa para mim, sede da
minha nova vida. Faz quase duas semanas que tudo aconteceu e tudo me parece tão
distante.
Já passam das vinte horas. Ainda posso sentir o vento frio
da noite, mesmo estando protegida pelo casaco de Dan, oferecido a mim enquanto
jantávamos numa das lanchonetes com vista para o rio, ao me ver tremer. Eu me
impedira de fazer perguntas por todo o dia, numa tentativa de não incomodá-lo
após tudo o que fizera por mim.
E só o fato de ele ter me libertado do meu
encarceramento, sendo tão amável, ao seu modo, me levando para passear, já
bastava para mim. Tentei não chamar a atenção para mim, não que fosse
difícil. No entanto, me surpreendi que
todos os olhares não se dirigissem a Dan.
Era quase insuportável olhar para seu rosto. E impossível
não fazê-lo. Um lindo rosto. Perfeito, com seus olhos escuros indecifráveis,
seu nariz simétrico, seus lábios rosados, e seu rosto angular. Mas ainda pior
era ver esse rosto tão angelical numa expressão tão séria. Desde que eu o vira
pela primeira vez presenciara seu sorriso poucas vezes, no entanto, sempre
aquele sorriso extremamente encantador, mas que agora percebia não ser natural,
e sim muito perigoso.
Dan continua seu percurso, sem nem ao menos ligar a luz
da sala, até seu quarto, mas antes que entre, fala sem se virar para mim:
__É melhor você arrumar suas coisas.
Senti meu coração se apertar. Ele está me expulsando. Não
faço idéia para onde ir. Tento me controlar para não implorar novamente para
que não me abandone, contudo não consigo entender. Acreditava termos tido um
dia maravilhoso, eu até mesmo me proibira de fazer perguntas.
__O que houve?! Eu fiz algo errado?! __Pergunto tentando
controlar o tom agudo e desesperado que minha voz transparece.
Dan se vira para mim, olhando-me como se estivesse em
dúvida quanto a minha sanidade mental. A luz que entra pelas frestas da porta e
das janelas ilumina seu rosto, e eu posso ver quase um pouco de humor:
__Nós estamos deixando a cidade. Quem quer que tenha
mandado matar sua família está ligado aos homens que pegaram você ontem. E já
deve estar sabendo que você está viva. E que eu não fiz o meu trabalho como
deveria.
__Ah! Eles agora virão atrás de você também!__Exclamo
sentindo minha voz falhar. __Droga! Eu sou uma idiota.
__Eles nem sabem como eu sou. Não são muitas as pessoas
que sobrevivem após terem visto meu rosto. __Diz com um ar misterioso, fazendo
um arrepio percorrer meu corpo. __Mesmo assim nós já ficamos muito tempo nessa
cidade. Seja rápida, temos que chegar lá antes de o sol nascer.
__Para onde vamos?! __Pergunto ansiosa encaminhando-me ao
meu quarto, já conseguindo andar um pouco melhor.
__Só faça o que eu mandei.
E então eu faço.
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