Observo as estrelas que
brilham no teto do meu quarto. Eu devia ter sete anos quando ajudei meu pai a
colocá-las. Elas já estão desbotadas, mas eu não poderia retirá-las. Elas
sempre representaram a calma e o conforto do meu quarto. Sempre me trouxeram a
paz. Mas agora já não parecem mais tão eficazes, porque embora o dia já comece
a amanhecer, e eu já esteja deitada há mais de duas horas, não consigo dormir.
E imagino que os meus níveis de adrenalina estejam muito acima do limite da
normalidade.
Todos sabem que é o processo da mudança de idade e não o
dia simbólico da mudança em si que muda a vida de uma pessoa, mas comigo
aconteceu o contrário. Nunca pensei que as coisas ainda estariam mais loucas
quando eu saísse do banheiro, mas talvez inconscientemente eu soubesse, por
isso, mesmo após ter refeito mentalmente todos os fatos que me levaram até
aquele assento de banheiro, e ter me recomposto, ainda permaneci sentada
vasculhando a minha mente e tentando interpretar tudo o que havia acontecido.
Eu mal fechava os olhos e ainda podia sentir sua forte
mão contra os meus lábios, ela estava firme, mas não me machucava, e agora eu
me arrependia de não tê-las beijado, embora esses pensamentos tenham realmente
me surpreendido. Ainda podia sentir o seu corpo tão próximo ao meu que podia
perceber todos os seus contornos e a tensão dos seus músculos contraídos em
alerta. A sua respiração quente contra a minha orelha enquanto com uma
habilidade assombrosa atirava contra a vida de outra pessoa.
Quem era ele? E quem fora a vítima? Como alguém com
aquele sorriso e aqueles olhos poderia matar alguém? Mas na verdade ele me
defendera. Ele salvara a minha vida? E quem poderia querer a minha morte? Eu
acho que com recém-completados dezessete anos ninguém pode ter inimigos que
possam querê-la morta.
Esses pensamentos permaneceram na minha mente por um
longo tempo, até que ouvi um grito agudo surgir do salão, calando
instantaneamente o som que provinha das caixas do DJ. Vozes pareciam
desesperadas, olhei-me no espelho, joguei os lenços de papel, guardei minhas
maquiagens que estavam espalhadas na pia e saí, deparando-me com o caos.
As luzes haviam sido acesas, e era estranho ver todos
aqueles rostos cansados e abatidos, algumas meninas estavam com a maquiagem
borrada e os cabelos suados de tanto dançarem. Os garotos não perdiam, também
pareciam fatigados. Mas o que me surpreendia naqueles rostos antes conhecidos
era a intensidade de suas emoções. Alguns rostos pareciam apenas curiosos, de
terem acendido as luzes do salão subitamente, outros pareciam ainda chateados
por terem lhes interrompido o divertimento, mas a maioria parecia crianças
assustadas, alguns já ligando para os seus pais, ou talvez para a polícia. Os
seguranças já cercavam o local em que estivera o homem com a arma apontada para
mim.
Havia
alguns curiosos que eram afastados e alguns choravam em desespero. Uma menina
que reconheci como sendo Thaís chorava com as mãos ensangüentadas, amparada por
Pedro que tentava se controlar para não fazer o mesmo. Ela gritava e chorava,
olhando para suas mãos em pânico, dizendo coisas sem sentido, sendo que eu
entendia principalmente “Ai, Meu Deus! Ele está morto!”. Eu não queria me
meter, mas eu era a responsável pela festa e me aproximei. Não sabia como me
comportar, não poderia estar muito nervosa nem muito calma, mas antes que
pudesse me aproximar dos seguranças, alguém me puxou e me abraçou.
__Meu
Deus, Manu! Você está bem? Eu te procurei por toda a parte. Como você está?
Aconteceu alguma coisa com você? __Perguntou Marcelo com seu olhar procurando
qualquer indício de nervosismo ou desespero no meu. Ele me puxou novamente para
um abraço apertado e alisou os meus cabelos. __Você não imagina o quanto eu
estive desesperado procurando você. Você já soube o que aconteceu? __Disse ele
me distanciando do seu abraço para ler o meu rosto.
__Não.
__Menti.__ O que houve? Eu só estava no banheiro, e ouvi gritos. O que houve
com a Thaís? Eu vou falar com ela.
__Não,
é melhor você não se envolver nisso. A polícia já está chegando. Pelo que eu
entendi, ela estava com aquele cara que está ali com ela quando viu um cara
caído no chão. Muita gente já havia visto o cara, mas acharam que fosse um
bêbado que tinha caído no chão, sei lá. Ele podia ter trazido álcool escondido
e conseguiu passar pela segurança com a bebida. __ “E com uma arma”. Comentei
mentalmente. “E ele não foi o único.” __Todo mundo ignorou ele, mas ela quis
ajudá-lo, e quando pegou no peito dele, para tentar acordá-lo sentiu alguma
coisa molhada, ela levantou as mãos e viu que era sangue. Imagina, ela surtou.
Foi ela que gritou. E agora ninguém nem sabe quem é o cara. Pelo menos não é
ninguém da nossa escola.
__Meu
Deus! Como isso pode ter acontecido?! __Exclamei fingindo surpresa, mas
realmente comovida pela situação da Thaís, cuja aflição era totalmente
justificada.
__Eu
não sei. Os seguranças disseram que
parece ter sido uma lesão por arma de fogo, e não arma branca. Como alguém pode
ter atirado em outra pessoa no meio da festa e ninguém ter percebido?
__E
os meus pais? Eles já sabem? __Mudei de assunto, fazendo perguntas das quais eu
ainda não tinha as respostas.
__Sim.
O chefe da segurança ligou para o seu pai, e ele já está vindo. __Ele ainda me
abraçava quando confessou. __Eu não devia ter ficado longe de você em nenhum
momento da festa. Eu não me perdoaria se algo de ruim tivesse acontecido com
você. __E apenas para mim eu comentei que ele estava certo, se ele não tivesse
saído de perto de mim nada disso teria acontecido, ninguém teria morrido. Ou
talvez tudo pudesse ser muito pior. E quem estaria morta seria eu. E perdida
nesses pensamentos, senti sua mão no meu rosto, e não pude deixar de perceber
que sua mão não era tão firme e quente quanto uma que me tocara há poucos
instantes. Ela levantou o meu queixo, e antes que eu pudesse mergulhar no
oceano daqueles plácidos olhos azuis, senti sua boca contra a minha, e por puro
egoísmo, senti minha vida começar, enquanto outra se findava.
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