quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Capítulo 4 - Despedida


Os braços de Marcelo rodeiam minha cintura, e seu corpo está tão próximo ao meu, que sinto as batidas aceleradas do seu coração contra meu peito. Seu rosto está encostado ao meu, enquanto mergulho no azul de seus olhos, e sinto sua respiração rítmica queimar minha pele. 

Nós apenas nos encaramos sem sorrir, apesar da felicidade imensa que quase nos sufoca. Talvez porque saibamos que apenas um sorriso não será capaz de demonstrar a grandeza do momento, então apenas assistimos e participamos de tudo sem reação.

Ele me empurra, embora continue me segurando pela mão, e me faz girar pelo salão. Ele me puxa de volta e me abraça de costas contra ele, me balançando no ritmo da música antiga e romântica que sai das caixas de som espalhadas pelas paredes do ginásio da escola. Sinto suas mãos firmes e presas às minhas e desejo que elas nunca saiam dali. Ele me impulsiona para longe novamente, e enquanto rodopio com meu vestido de festa cor-de-rosa que parece flutuar aos meus movimentos, encontro seu olhar, e posso estar errada, no entanto nele pareço encontrar o mesmo amor que me preenche a alma.

Ele me puxa novamente para si, e não contém uma gargalhada prazerosa quando me choco desajeitadamente contra seu peito. Ele beija minha testa e seus lábios logo encontram os meus, beijando-os docemente. Ele sorri novamente e me conduz para o centro do salão. As luzes do globo de festa se refletem em nossos rostos, e sinto a magia surgir e nos rodear a cada movimento dos nossos corpos.

Enquanto Marcelo me faz rodopiar, firme e graciosamente, sinto-me flutuar e tudo parece um lindo sonho, tão diferente dos que eu havia tendo quase diariamente há mais de um mês. Descanso minha cabeça em seu ombro, quando uma música mais lenta começa, e me pergunto onde ele poderia ter aprendido a dançar assim. E o que eu fizera para merecer tal felicidade.

Uma sensação de prazer me invade, um misto de devaneio e arrebatamento, e não consigo parar de sorrir. Olho para as pessoas ao meu redor. Elas também parecem enfeitiçadas pelo momento. Enquanto lentamente giro, posso divisar Martha que mal pode se conter nos braços de Alexandre, e não importava que ele tivesse convidado Bianca antes para o baile, que recusou para ir com um tenente da aeronáutica, e só depois a ela. Essa é a sua noite, e ela está linda com seus cabelos loiros rodeando graciosamente seu rosto, que parece quase ingênuo de tão plácido.

Luana surpreendentemente parece feliz e um tanto apaixonada enquanto descansa o rosto no ombro de Matheus, e nem ao menos percebe o meu olhar, embora esteja perto de mim. E eu me admiro por nunca ter percebido sua paixão por Matheus, que segundo ela, sempre existira. Até mesmo Bárbara não conversa, curtindo o momento em silêncio enquanto acompanhada de um rapaz desconhecido, também com ares de modelo, dança pelo salão.

Thaís, parecendo uma princesa no seu vestido cor-de-rosa, ainda está mais bonita com seu sorriso que não a abandonou desde que começou a namorar Pedro.

Ainda posso distinguir Esther num modelo extremamente comportado com um convidado desconhecido, mas que agora percebo ser o barman, que está extremamente bem no seu smoking. Ela encontra o meu olhar e sorri numa cumplicidade quase envergonhada.

É estranho como as pessoas parecem lidar melhor, com segurança e sabedoria, com os momentos de tristeza, sem medo de demonstrá-la, enquanto parecem tão tímidas e embaraçadas num momento de imensa felicidade.

Aqui estamos todos nós, comemorando o fim de mais uma fase de nossas vidas. Despedindo-nos da infância e adolescência, quando esperávamos que a realização de nossos sonhos nos fosse dada de presente, pelos nossos pais, ou por qualquer dos símbolos infantis, sem ainda sabermos que nós é que deveríamos correr atrás deles, e que eles deviam ser construídos lentamente, com todo nosso trabalho.

A responsabilidade nos bate à porta. A iminência do vestibular, daqui a uma semana, decidir que caminho tomar, construir uma nova vida, enfrentar novos desafios, entrar em novas lutas, em que a vitória não será certa apenas por sermos os mocinhos e não os vilões, e que não contaremos com superpoderes ou fadas madrinhas para derrotar nossos inimigos.

Aqui estamos no último momento em que podemos sentir a magia dos nossos sonhos enquanto se tornam realidade, em que podemos nos entregar à felicidade sabendo que o amanhã chegará, mas que o que importa é o hoje.

Sinto os lábios de Marcelo em meu ombro, enquanto seus dedos bagunçam meus cabelos em cachos caprichosamente ajeitados num penteado. Eu sorrio e o puxo para mais perto de mim. Eu o ouço sorrir com sua respiração suspirosa que arrepia os pêlos da minha nuca. Sinto suas mãos percorrerem as minhas costas e pararem novamente à minha cintura. Eu afasto minha cabeça sorrindo e encaro seu rosto, e paro de sorrir quando percebo seu ar sério. Seu rosto parece sombrio, e seu olhar intenso me desconcerta. Ele me beija como nunca fizera antes e com a respiração entrecortada confessa:

__Eu amo você.

Eu estremeço, mas de uma forma boa, e ele parece perceber. Seu olhar parece temeroso e quase arrependido. Eu encaro os seus olhos e agora entendo a profundidade do seu olhar que é proporcional à grandeza do sentimento que nos une a partir de hoje e para todo o sempre. E ainda com minhas mãos em volta do seu pescoço declaro:

__Eu também amo você. __E então selo meus lábios nos seus, pedindo que esse momento se eternize.



Meus pés estão cansados e doloridos, mas mal posso senti-los. Sentada a uma das mesas espalhadas pelo salão, não consigo parar de sorrir. Todos parecemos fatigados, o salão começa a se esvaziar, os alunos começam a se dispersar e ir para suas casas e seus novos caminhos. Nós permanecemos aqui, eu quase adormecida no abraço de Marcelo. Martha pendurada no pescoço de Alexandre, que não conseguira fugir por toda a noite, e que se dependesse dela, não fugiria nunca mais. Luana, distraída com os beijos de Matheus, parecendo mal saber o que acontece à sua volta. Bárbara, que já retomou sua fala, e seu acompanhante, Ítalo. Thaís, que de alguma forma conseguira permissão dos pais para ficar até tarde, e Pedro. Até mesmo Esther e Lucas, mais conhecido como barman.

A garçonete que recolhe as taças da mesa boceja e olhando para o relógio de Marcelo vejo que já são três horas da manhã. Ele repara na direção do meu olhar e indaga se eu quero ir embora, balanço a cabeça negativamente e ele sorri me abraçando mais forte. Todos por mais que estejamos cansados relutamos em ir embora. É como se esse salão, após findas as provas, os trabalhos, as aulas de revisão para o vestibular, o mergulho na piscina no último dia de aula, as despedidas aos professores que amávamos odiar, e outros que odiávamos amar e a última passagem nos corredores que havíamos percorrido por toda a vida, segurasse a última corrente que nos prende ao chão.

Agora somos livres para voar, mas tais quais os filhotes de pássaros que se jogam dos seus ninhos nos mais altos galhos das árvores sem saber se terão sucesso na sua empreitada, se alçarão vôo e ganharão o mundo, ou se machucarão uma asa e serão alvos fáceis dos mais cruéis predadores, temos medo de abandonar o ninho, ainda mais se imaginarmos que poderemos estar sozinhos e nossos caminhos não mais se cruzarem.

Sinto as lágrimas brotando dos meus olhos, e disfarço me aninhando no peito de Marcelo. É incrível como me sinto mais calma, e consigo voltar a sorrir das tagarelices de Bárbara.

Mais alguns alunos vão embora e nos acenam em despedida. Aceno de volta enquanto observo o salão. É estranho vê-lo agora sujo com cacos de vidro pelo chão, quando o vi há algumas horas em todo o seu esplendor. A maioria das mesas espalhadas já está sem seus arranjos de flores, com suas toalhas brancas sujas dos mais diversos tipos de bebidas e aperitivos. Aperto meu arranjo de flores contra mim. Ele é uma das inúmeras lembranças que me recordarão dessa noite, uma das melhores da minha vida.

2 comentários:

  1. "Agora somos livres para voar, mas tais quais os filhotes de pássaros que se jogam dos seus ninhos nos mais altos galhos das árvores sem saber se terão sucesso na sua empreitada, se alçarão vôo e ganharão o mundo, ou se machucarão uma asa e serão alvos fáceis dos mais cruéis predadores (...)"
    Linda imagem! Parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Obrigada Truman, seja bem vindo ao blog, espero que esteja apreciando a leitura...=)

    ResponderExcluir