O
silêncio do carro não me incomoda. Posso ouvir apenas os batimentos cardíacos
de Marcelo contra minha cabeça, ora acelerados, ora diminuídos quando aperto
sua mão na minha e a beijo. Olhando pela janela, contemplo as árvores passando
em alta velocidade enquanto se contorcem pelo vento da manhã que se torna cada
vez mais cinzenta. Seus galhos se debatem contra a ventania, como se me dessem
desengonçados acenos de adeus.
Os
homens permanecem em silêncio, e eu mal posso ouvir suas respirações. Talvez
eles sejam como Dan, treinados para serem invisíveis, ninguém podendo vê-los
nem ouvi-los. Eu apenas ouvira a voz do homem que agora está sentado ao meu
lado, parecendo concentrado na paisagem. Fora ele que, apontando uma arma assim
como os demais para mim e para Marcelo, nos ordenara a não fazer qualquer
movimento impensado e ir calmamente para o banco traseiro do carro, se
quiséssemos permanecer vivos, o que acho, que de qualquer maneira, não irá
acontecer, não por muito tempo.
E
nós obedecemos. Eu percebi a aflição de Marcelo, seu olhar procurando uma
saída, e seu desespero ao não encontrá-la. Ele viu que tudo era muito mais
complicado do que pensara, e eu me recriminei por ter sido ingênua ao acreditar
que tão facilmente tudo se resolveria. Marcelo viera da sua vida tranqüila para
um pesadelo, era justificado que pensasse que havia uma solução e explicação
para tudo, mas eu já o vivia há muito tempo, deveria ter previsto que tudo iria
piorar a partir do momento em que eu começasse a envolver a felicidade e
segurança de outras pessoas.
O
arrependimento por ter envolvido Marcelo nesse pesadelo me é terrível, fazendo
me sentir a pior das pessoas quando o vejo tentar me acalmar, mesmo eu sendo a
única culpada por tudo. Se não fosse por minha infantilidade, meu sofrimento
bobo pela rejeição de Dan, Marcelo estaria aproveitando a manhã de Natal com
seus pais e amigos, e não num carro desconhecido indo em direção à sua morte.
Porque não há a mínima possibilidade de fuga, não com as armas apontadas para
nós, enquanto percorremos um caminho para lugar nenhum. Talvez eles nem nos
façam perguntas, uma vez que permanecem em silêncio em seus assentos, apenas
indo a algum local em que nos executar seja mais fácil.
Eu
havia prometido libertar Marcelo para recomeçar sua vida, sem contaminá-lo com
a podridão que germina ao meu redor e por um impulso estúpido havia quebrado
todas as minhas promessas feitas a mim mesma. Talvez a convivência com Dan
houvesse me assemelhado a ele. Egoísta, não se importando com o efeito de seus
atos nas outras pessoas inocentes. E agora Marcelo tenta me manter calma enquanto
eu estou o encaminhando para seu fim. Enquanto eu mereço tudo o que está
acontecendo.
Dessa
vez Dan não me libertará, e nem quero que isso aconteça. Sou incapaz de olhar
para ele novamente, e só pensar nisso já me traz imagens perturbadoras. Marcelo
percebe minha inquietação e me aperta em seu abraço, beijando meus cabelos, mas
se assusta quando me afasto e volto à minha posição inicial.
O
homem ao meu lado volta à sua posição de alerta embora seu rosto permaneça
impassível enquanto ouve minha proposta:
__Eu
faço o que vocês quiserem. São a mim que vocês querem. O Marcelo não tem nada a
ver, deixem ele ir, por favor. Eu imploro. __Encontro o olhar de Marcelo que
parece não entender o que estou fazendo, apenas me fazendo me sentir pior.
Preferia que ele me odiasse, que nunca tivesse acreditado numa conversa insana
ao telefone, apenas mantendo a memória da antiga Manuela que nunca lhe faria
mal algum. Eu tento consertar o que já está quebrado e fadado a ser destruído,
cansei de pessoas inocentes pagarem pelos atos de outras pessoas. Ele me
sussurra para que eu pare, que não vai me deixar. Todavia me prendo à
esperança, procurando alguma maneira de salvar Marcelo do olho do furacão no
qual eu o jogara. Entretanto nem adianta
discutir, uma vez que o homem ao meu lado recusa, num sorriso que não alcança
seus olhos:
__Sinto
muito, garota. Ele já sabe bastante e não sabemos até que ponto está envolvido.
__Ele
não sabe de nada! __Continuo afastando-me dos braços de Marcelo que tenta me
segurar para que eu pare. __Eu que o envolvi nisso, mas vocês não ganharão nada
com ele. Se o libertarem, ele não dirá nada, nós damos nossas palavras.
__Nós
já somos muito grandinhos para acreditarmos na palavra de alguém, muito menos
de dois jovens. __Prossegue o homem ao meu lado, novamente admirando a
paisagem, enquanto saímos da estrada para uma trilha de areia em meio à
vegetação, cujo início é praticamente invisível para qualquer pessoa que esteja
percorrendo a estrada.
__Por
favor, acredite! __Imploro mais uma vez ao ver que nos aproximamos do lugar do
qual provavelmente nunca sairemos. No entanto, meu apelo é recebido apenas pelo
silêncio e não faço mais resistência ao abraço de Marcelo.
__Manu...
__Murmura ao meu ouvido, me surpreendendo com seu tom calmo, embora eu perceba
seus olhar inseguro.__Tudo bem. Eu nunca vou me separar de você. Muito menos
nessa situação. Eles perceberão que não sabemos de nada e nos libertarão. E se
eu disser que meus pais são ricos e influentes, pedirão resgate e seremos
livres novamente. Não se preocupe, você não está mais sozinha. Tudo vai se
resolver.
__Você
não entende, Marcelo. __Choramingo, tentando sem sucesso não assustá-lo. __Eles
não querem dinheiro, pois já têm de sobra. E não há volta. Nós nunca sairemos
daqui. Não vivos. Não se não dermos o que eles querem, e eu não sei e muito
menos tenho isso.
__E
aquele homem de que você falou?... D... __Interrompo-o colocando minha mão em
sua boca.
__Shh...Ele
não virá. __Sussurro, mas alto o suficiente para que eles ouçam. __Eu fugi.
Ontem à noite. Somos só nós dois e deveria ser apenas eu. Eu realmente sinto
muito.
__Não,
Manu. Você não fez mal em me ligar. Nunca se arrependa disso. Não por minha
causa. Foi a melhor coisa que já fez por mim, além de existir. Mas elas estão
associadas, no fim das contas. E você não pode assumir toda a responsabilidade
por eu estar aqui. Eu poderia não ter acreditado em você ou não ter vindo,
embora essa segunda possibilidade me pareça impossível. Acho que posso assumir
um pouco da culpa também, não?
__Não,
Marcelo... Você não faz idéia. Você não merece nada disso, nada do que eu tenho
certeza de que vai acontecer.
__Nem
você, Manu. Você não merece nada disso.
__Eu
não tenho tanta certeza. Eu não sou a mesma Manuela que você amou, senão eu
nunca teria o envolvido nesse pesadelo.
__Se
você quer me dar alguma recompensa ou reconforto por eu estar aqui. Eu quero
que você saiba disso. Você não merece nada do que está acontecendo e do que
aconteceu. Você é a melhor pessoa que eu conheço. __E então ele me beija
demoradamente, não como pólvora e fogo numa grande explosão, mais como
mergulhar no azul calmo do seu olhar amoroso.
Ainda
no abraço de Marcelo, sabendo que não há esperanças, mas feliz por ele estar
aqui comigo, me esforço para não entrar em pânico. Não há nada melhor do que
não estar sozinha no seu momento final, ainda mais se é alguém que você ama, e
é recíproco. Se eu não tivera a sorte de estar com meus pais na minha morte,
por eles terem se adiantado a mim, eu terei o amor de Marcelo. Não posso me
perdoar por tê-lo trazido comigo, mas é bom ver que ainda lhe restam
esperanças. Eu tentara alertá-lo, mas ele parece decidido e seguro, no entanto
sei que tudo mudará quando perceber a real dimensão de tudo.
Na
escuridão da floresta densa, a qual a estrada atravessa infindável, as noções
de tempo e espaço se perdem. Eu me pergunto o que eles pretendem e porque não
nos executam logo, abandonando nossos corpos no bosque. Posso até mesmo
imaginar o descaso da polícia, afirmando que havíamos sido roubados ou até
atacados por animais selvagens, que não devem ser difíceis de encontrar na
profundidade em que já adentramos a mata cerrada. Contudo meus pensamentos são
interrompidos quando a floresta se abre subitamente numa espécie de clareira
ampla e descampada, rodeada pelas árvores.
Ninguém
poderia imaginar que no meio de uma mata fechada pudesse existir uma casa desse
porte. Nem mesmo as casas mais luxuosas da minha antiga cidade se assemelham. Mesmo
com seus dois andares, a casa se mantém protegida pelas árvores altas que a
cercam. Ela é quase bonita no seu tom claro e sua estrutura em alvenaria, com
suas amplas portas e janelas de vidro, além de uma larga piscina em sua área
externa, dando um frescor inesperado a uma casa que deve ser tão sombria.
Se
não fosse a localização inusitada e o número de carros importados espalhados
pela área externa gramada, ela poderia ser tida como uma bela e grandiosa
mansão. A natureza ao redor lhe dá uma beleza especial, a qual eu poderia admirar
se fossem outras as circunstâncias.
Marcelo
me abraça mais forte quando o carro pára à frente da casa. Percebo alguns
homens fazendo a ronda, e pelo número de carros deve haver muito mais no seu
interior. Nós não temos a menor chance. Nem mesmo se Dan aparecesse, apesar
disso ser impossível, conseguiria nos salvar.
Não
faço resistência quando nos forçam a sair do carro. Assim como eu, Marcelo
parece resignado enquanto nos encaminhamos à porta, com seu braço protetor
rodeando minha cintura. Admirando o céu, talvez num último pedido de perdão,
vejo a manhã se fechar sobre nós, com suas nuvens cinzentas cobrindo o céu,
como se dissesse que estamos à nossa própria sorte, e antes que eu seja levada
ao meu suplício, peço apenas para mim mesma que pelo menos seja breve.
A sala ampla, na qual entramos após nossos captores terem
sido autorizados pelos guardas que vigiavam a entrada, é iluminada
artificialmente por belos lustres de cristais, uma vez que pelas largas janelas
de vidro entra apenas a luz cinzenta da manhã.
Ela parece um acampamento de guerra, o que talvez
realmente seja, havendo inúmeros assentos e diferentes modos de entretenimento
para seus ocupantes. Alguns homens jogam cartas despreocupados como se
estivessem entre amigos, o que talvez seja verdade. Outros assistem a um jogo
de futebol na televisão, alguns sorrindo e dando gritos exaltados enquanto
outros murmuram enraivecidos. Seria uma cena familiar de amigos ou colegas de
trabalho, se não fossem suas armas destacadas em seus coldres. E eu me surpreendo por eles demonstrarem
algum sentimento humano apesar de mal repararem na minha entrada com Marcelo,
ambos assustados por sabermos, assim como eles sabem, o que nos espera.
Eu tento imaginar, sem sucesso, meu pai em meio aos
homens que pouco se importam com nosso destino, e me pergunto se algum dia ele
já presenciara e fora indiferente a uma execução.
Procurando
sem êxito algum sinal de piedade, ou até mesmo empatia, nos rostos
desconhecidos, sou conduzida a uma escada no fim da sala, atrás da qual vejo um
corredor com inúmeras portas, as quais devem pertencer aos dormitórios de todos
esses homens. Estamos numa fortaleza, no verdadeiro centro de operações dessa
quadrilha, ou seja lá o que for tudo isso. E por mais que eu me esforce, nada
do que me é apresentado faz o mínimo sentido em estar relacionado a meus pais
Avaliando meus algozes enquanto nos encaminham num largo
corredor coberto por um tapete rico e ornamentado com consoles e estátuas
imponentes, me pergunto o quanto são fiéis ao seu chefe, ou se temem afrontá-lo
tendo suas famílias e vidas destruídas como a minha. No entanto, antes que
possa lamentá-los, sinto um arrepio percorrer meu corpo quando paramos em
frente a uma porta, cujo vigia autoriza nossa entrada.
Eu
me surpreendo ao entrarmos numa sala aparentemente normal, diferente da que eu
fora torturada anteriormente. Parece um escritório luxuoso, com seus papéis de parede
no mesmo tom claro do resto da casa, assim como tapetes e cortinas bordadas em
tons de dourado e marrom. Há diversos itens decorativos como os que se espalham
pelo corredor, assim como quadros e obras de arte. No entanto, a cena é roubada
por um lustre ainda mais bonito que os expostos na sala no andar inferior, com
todos seus cristais em formas de lágrimas e suas correntes douradas.
As
três poltronas de couro distribuídas ao redor da imponente mesa de madeira
escura esculpida dão um tom de formalidade à sala que poderia ser confundida
com uma sala de decoração. Mas nada disso afasta meu olhar do principal atrativo
da sala, alguém que eu sinto que sempre pairara como uma sombra em minha vida,
mas que apenas há alguns dias se tornara real para mim.
Um homem aparentando seus sessenta anos ocupa a cadeira
atrás da mesa. Ele emana um ar intelectual e simples, tão diferente de
Carvalho, apesar de parecer muito mais rico e poderoso, pelo olhar de respeito
e quase medo com que os homens que nos escoltam o olham, assim como por sua autoconfiança
desafiadora ao sorrir para mim e para Marcelo.
O seu sorriso não é assustador. Eu poderia considerá-lo
quase simpático se a situação não me apavorasse tanto. Ele se levanta para nos
cumprimentar com um aperto de mão, antes de pedir que nos sentemos nas cadeiras
à sua frente. Sua mão está fria e não transparece qualquer alteração de humor,
assim como seu olhar calmo.
Nem há motivos para tanto. Ele está no controle da
situação, e suas feições demonstram que já está acostumado a isso. Sua
segurança e calma quase conseguem me relaxar, contudo estremeço quando ainda
sorrindo se apresenta como Silas.
Silas percebe meu olhar aguçado e sorri placidamente,
achando divertido que eu já conheça seu nome.
__Seria impossível não saber o nome do assassino dos meus
pais. __Replico irritada. Minhas mãos e meus lábios tremem, e é com dificuldade
que encaro seu olhar escuro, contudo me esforço para demonstrar o máximo de
indiferença. Eu não tenho absolutamente nada a perder. Eu poderia ser mais
passiva na tentativa de salvar a vida de Marcelo que permanece em silêncio,
quase assustado em sua poltrona, entretanto eu já tentara no caminho, sem
resultado. Agora é impossível salvar qualquer um.
Devo isso em memória a meus pais, não os envergonharei
como tenho feito nesses tempos, como uma covarde. Enfrentarei seu maior inimigo
e que se danem as conseqüências.
__Na verdade, nem eu sei o nome do assassino do Agenor e
da Noemi. Acho que ninguém sabe, mas todos o chamamos de Dan. Na verdade eu nem
sei como ele é. Nunca tive a oportunidade. Poucos sobrevivem após terem visto
seu rosto. Você é uma das poucas. Contudo me parece que você ficou íntima dele
nesses últimos dias. Descobriu seu nome?
__Não. Eu não sei. Não é disso que eu estou falando. Foi
você que o pagou para matá-los. Eu só não entendo o porquê.
__Oh, Manuela... Ainda há muitas coisas que você não
entende. Acredita que com os meus sessenta e dois anos, ainda há coisas que eu
não entendo? __Confessa sorrindo, como um avô zombando da ingenuidade do neto.
__Não por nós não sermos inteligentes. Na verdade, o Agenor sempre me falou da
sua inteligência quando conversávamos sobre sua família. Nesse mesmo
escritório. Engraçado, ele sempre escolhia essa cadeira, embora seja visível
que a outra é mais confortável. Nunca entendi o porquê disso.
__Como você pode falar dele assim?! __Exclamo chorosa,
com a antiga Manuela começando a vencer minhas defesas.
__Assim como, criança? __Pergunta curioso, quase
paternalmente.
__Como... Como se gostasse dele?! __Ouço-me choramingar
para minha vergonha.
__Mas eu gosto. Ou gostava. Não sei se ele está vivo ou
morto, na verdade. __Continua com uma falsa empatia, fazendo meus ossos
enregelarem.
__Eles morreram! __Exclamo num lamento, sentindo como se
após tudo o que sofreram, meus pais não pudessem ter o mínimo de paz.
__Como eu ia dizendo... __Silas continua me ignorando, ao
mesmo tempo em que sinto a mão trêmula de Marcelo segurar a minha, tentando me
acalmar. Eu encontro seus olhos assustados, e o pânico presente neles enche meu
coração de dor. Ele finalmente percebe a gravidade da situação, mas não posso
ajudá-lo. Desde que soube da morte dos meus pais esperei por esse momento e
agora não posso desperdiçá-lo.
Repouso minha mão sobre a sua, sorrindo para ele que tudo
ficará bem. Por um momento, Marcelo parece acreditar e se tranqüilizar. É como
consolar uma criança assustada. Seus olhos claros fixos em mim brilham com os
reflexos das lágrimas que o vejo se esforçar para reprimir. E seu corpo
perfeito, que fazia todas as garotas do colégio suspirarem, principalmente eu
mesma, agora se encolhe na proteção da cadeira.
Eu me arrependo ainda mais por tê-lo trazido para meu
mundo terrível, e beijo sua mão antes que ele a leve de volta para a proteção
de seu assento. Silas continua seu discurso nostálgico, falando mais para si
mesmo, quase emocionado:
“Quando você nasceu, há dezessete anos, ele me disse que
queria morar fora do país com sua mãe e a criança que nasceria, mas eu o
impedi. Ele não podia me abandonar, logo que os negócios estavam melhorando. E
eu o pouparia da parte braçal, precisando apenas me ajudar a coordenar nossas
ações, o que seria mais seguro para a sua família, que eu considerava como
minha. Ele até me deu uma foto sua, por insistência minha, e quase anualmente trazia
outras, apenas me deixando mais orgulhoso.
Você
realmente ficou muito bonita, Manuela, não me admiro por Dan ter se encantado
tanto por você, embora não haja justificativa para o que ele fez. Mas isso é
outra conversa.
Mesmo
assim, seu pai continuou a trabalhar para mim normalmente. Eu confiei nele. Nós
estávamos no auge, seu pai como meu braço direito, meu aprendiz, conselheiro e
amigo, quase um filho. Dei o comando de várias das minhas unidades, querendo
que andasse com seus próprios passos, mas ele quis me abandonar. Como ele
poderia me abandonar depois de tudo o que fizera por ele? Era como se
tivéssemos um pacto de sangue. Um não existia sem o outro, principalmente ele
não existiria sem mim.
Agenor
disse que estava cansado dessa vida. Eu perguntei “Que vida?” e “Que vida você
conhece além dessa?”. Não me deu ouvidos, por mais que eu tentasse dissuadi-lo.
Insistiu e eu disse que só nos separaríamos na morte de um dos dois, e seria
mais fácil a dele. Não foi nem ao menos uma ameaça, foi um comentário, uma
observação.
Mas
ele se apavorou. E fez o que nunca deveria ter feito. Não comigo, seu sócio e
patrão, seu melhor e único amigo. Ele quis me trair. Nós vivemos numa corda
bamba. Não é fácil se manter no poder, e eu devo tudo isso a lealdade dos meus
serviçais.
Todos
querem um pedaço do meu império, e só conseguirão isso descobrindo os segredos
do meu sucesso. E quem os sabia mais do que seu pai? No qual eu sempre confiara
cegamente? Então chegaram os boatos de que ele aceitara proteção dos meus
inimigos em troca de dedurar meus planos e ações. Eu me recusava a acreditar,
mas os boatos se tornaram fatos. Seu pai achou que eu não descobriria nem me
vingaria. Quanta ingenuidade. Eu jamais queria ter sido forçado a fazer isso.
E
uma forma também de me manter no poder infelizmente é o medo. Outros serviçais
poderiam estar com as mesmas intenções, de me abandonar ou mesmo de me trair.
Nenhum que fizesse isso seria um golpe tão grande como foi seu pai, no entanto
eu preciso mostrar a todos o que acontece com quem trai minha confiança.
Por
isso toda a sua família pagou. Só nunca pensei que seria tão difícil. Eu
contratei executores, dentre eles o melhor, Dan. Entretanto, ele me pregou uma
peça que também lhe custará caro. Eu até gosto de brincadeiras. Eu sempre lhe
enviava presentes pelo seu pai, só não sei se ele chegou a lhe entregar algum
deles. Lembro de umas estrelas fosforescentes, na época elas eram difíceis de
encontrar e seu pai me falou que você adorava olhar o céu. Só não gosto de
brincadeiras misturadas com trabalho...
Agora,
por exemplo, eu quero que você me diga onde estão seus pais e por que você sobreviveu
e não estou brincando.”
__Se
você gostava tanto do meu pai, como pôde fazer isso com ele?! Você é um louco
tirano! Ele devia confiar em você para ter trabalhado sob seu comando! Quem é
você para achar que manda no universo? Você não é ninguém! __Exclamo me
afastando do braço de Marcelo que tenta me segurar, levantando-me da minha
cadeira para enfrentar Silas. __Um dia
que eu espero que chegue em breve você morrerá, assim como eles. E de que terá
adiantado tudo isso?! Todo esse seu império de não sei o quê construído em meio
ao terror, a partir de sonhos e vidas destruídos. Você será um simples mortal
como todos os outros, com a desvantagem de que todos apenas se alegrarão e respirarão
aliviados sobre o seu leito de morte. A mesma família que você considerava como
sua está agora destruída, e o que você conseguiu com isso? Você só consegue
gerar sentimentos ruins em todas as pessoas. Medo na maioria. Mas, no meu caso,
eu tenho nojo de você.
Os
três homens que haviam nos transportado de carro permanecem na sala e vêm
furiosos para cima de mim ao ouvir minhas palavras, no entanto, com uma
gargalhada calorosa e um aceno de Silas, eles voltam aos seus lugares.
__Assim
como você despreza os sentimentos mais nobres das pessoas de bem, eu desprezo
pessoas como você. __Continuo ignorando sua expressão divertida, apenas
considerando cômico meu ataque furioso. __ E quando você morrer pagará por tudo
o que fez de mal para todas essas pessoas presas pelo terror.
__Você
acredita em Deus, pequena? É surpreendente que você tenha fé depois de tudo o
que lhe aconteceu. Ou talvez você estar viva aqui na minha frente, após eu ter
pago no mínimo cinco executores para matá-la, seja realmente um milagre. Poderíamos
até brindar a isso, se eu acreditasse em milagres. Quem se importa se há céu ou
inferno? E se houver, você acha mesmo que seus pais estão no céu? Você acha que
eles são melhores que eu? Eu não sei a sua mãe, ela era uma prostituta assim
como Maria Madalena, deve ter ido para o céu. Agora o seu pai...Tsc..tsc...Acho
que não.
__Não
fale assim dos meus pais! __Vocifero apontando meu dedo furiosamente contra seu
rosto. Silas o olha admirado, quase como se o tivesse contemplando.
__Você
acha mesmo que os conhece melhor do que eu? Fui eu quem apresentou sua mãe ao
seu pai, após ter me cansado dela, se é que você me entende. E seu pai não
seria nada sem mim. Você viveu a sua vida toda como uma princesa, numa mansão,
com piscina, viagens, melhores escolas, melhores roupas, festas. Tudo o que
você quisesse era só pedir. Nunca se perguntou se realmente merecia tudo isso?
Você se achava melhor que os outros, com mais sorte? Pois eu lhe respondo. Você
não merecia nada disso, nem ao menos sofreu para consegui-lo. E nada vem de
graça. Talvez agora você esteja pagando seu preço. Mas não se preocupe, hoje
vai ser a última prestação.
E
eu volto a me sentar trêmula quando um dos homens pressiona uma arma contra
minha cabeça me pedindo que eu facilite as coisas, pois ainda quer ver o final
do jogo.
Eu
aceno a cabeça em confirmação. E não me importo de estar mentindo. Afinal, é a
última mentira da minha vida.
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