terça-feira, 2 de outubro de 2012

Capitulo 18 - Preço


O silêncio do carro não me incomoda. Posso ouvir apenas os batimentos cardíacos de Marcelo contra minha cabeça, ora acelerados, ora diminuídos quando aperto sua mão na minha e a beijo. Olhando pela janela, contemplo as árvores passando em alta velocidade enquanto se contorcem pelo vento da manhã que se torna cada vez mais cinzenta. Seus galhos se debatem contra a ventania, como se me dessem desengonçados acenos de adeus.

Os homens permanecem em silêncio, e eu mal posso ouvir suas respirações. Talvez eles sejam como Dan, treinados para serem invisíveis, ninguém podendo vê-los nem ouvi-los. Eu apenas ouvira a voz do homem que agora está sentado ao meu lado, parecendo concentrado na paisagem. Fora ele que, apontando uma arma assim como os demais para mim e para Marcelo, nos ordenara a não fazer qualquer movimento impensado e ir calmamente para o banco traseiro do carro, se quiséssemos permanecer vivos, o que acho, que de qualquer maneira, não irá acontecer, não por muito tempo.

E nós obedecemos. Eu percebi a aflição de Marcelo, seu olhar procurando uma saída, e seu desespero ao não encontrá-la. Ele viu que tudo era muito mais complicado do que pensara, e eu me recriminei por ter sido ingênua ao acreditar que tão facilmente tudo se resolveria. Marcelo viera da sua vida tranqüila para um pesadelo, era justificado que pensasse que havia uma solução e explicação para tudo, mas eu já o vivia há muito tempo, deveria ter previsto que tudo iria piorar a partir do momento em que eu começasse a envolver a felicidade e segurança de outras pessoas.

O arrependimento por ter envolvido Marcelo nesse pesadelo me é terrível, fazendo me sentir a pior das pessoas quando o vejo tentar me acalmar, mesmo eu sendo a única culpada por tudo. Se não fosse por minha infantilidade, meu sofrimento bobo pela rejeição de Dan, Marcelo estaria aproveitando a manhã de Natal com seus pais e amigos, e não num carro desconhecido indo em direção à sua morte. Porque não há a mínima possibilidade de fuga, não com as armas apontadas para nós, enquanto percorremos um caminho para lugar nenhum. Talvez eles nem nos façam perguntas, uma vez que permanecem em silêncio em seus assentos, apenas indo a algum local em que nos executar seja mais fácil.

Eu havia prometido libertar Marcelo para recomeçar sua vida, sem contaminá-lo com a podridão que germina ao meu redor e por um impulso estúpido havia quebrado todas as minhas promessas feitas a mim mesma. Talvez a convivência com Dan houvesse me assemelhado a ele. Egoísta, não se importando com o efeito de seus atos nas outras pessoas inocentes. E agora Marcelo tenta me manter calma enquanto eu estou o encaminhando para seu fim. Enquanto eu mereço tudo o que está acontecendo.

Dessa vez Dan não me libertará, e nem quero que isso aconteça. Sou incapaz de olhar para ele novamente, e só pensar nisso já me traz imagens perturbadoras. Marcelo percebe minha inquietação e me aperta em seu abraço, beijando meus cabelos, mas se assusta quando me afasto e volto à minha posição inicial.

O homem ao meu lado volta à sua posição de alerta embora seu rosto permaneça impassível enquanto ouve minha proposta:

__Eu faço o que vocês quiserem. São a mim que vocês querem. O Marcelo não tem nada a ver, deixem ele ir, por favor. Eu imploro. __Encontro o olhar de Marcelo que parece não entender o que estou fazendo, apenas me fazendo me sentir pior. Preferia que ele me odiasse, que nunca tivesse acreditado numa conversa insana ao telefone, apenas mantendo a memória da antiga Manuela que nunca lhe faria mal algum. Eu tento consertar o que já está quebrado e fadado a ser destruído, cansei de pessoas inocentes pagarem pelos atos de outras pessoas. Ele me sussurra para que eu pare, que não vai me deixar. Todavia me prendo à esperança, procurando alguma maneira de salvar Marcelo do olho do furacão no qual eu o jogara.  Entretanto nem adianta discutir, uma vez que o homem ao meu lado recusa, num sorriso que não alcança seus olhos:

__Sinto muito, garota. Ele já sabe bastante e não sabemos até que ponto está envolvido.

__Ele não sabe de nada! __Continuo afastando-me dos braços de Marcelo que tenta me segurar para que eu pare. __Eu que o envolvi nisso, mas vocês não ganharão nada com ele. Se o libertarem, ele não dirá nada, nós damos nossas palavras.

__Nós já somos muito grandinhos para acreditarmos na palavra de alguém, muito menos de dois jovens. __Prossegue o homem ao meu lado, novamente admirando a paisagem, enquanto saímos da estrada para uma trilha de areia em meio à vegetação, cujo início é praticamente invisível para qualquer pessoa que esteja percorrendo a estrada.

__Por favor, acredite! __Imploro mais uma vez ao ver que nos aproximamos do lugar do qual provavelmente nunca sairemos. No entanto, meu apelo é recebido apenas pelo silêncio e não faço mais resistência ao abraço de Marcelo.

__Manu... __Murmura ao meu ouvido, me surpreendendo com seu tom calmo, embora eu perceba seus olhar inseguro.__Tudo bem. Eu nunca vou me separar de você. Muito menos nessa situação. Eles perceberão que não sabemos de nada e nos libertarão. E se eu disser que meus pais são ricos e influentes, pedirão resgate e seremos livres novamente. Não se preocupe, você não está mais sozinha. Tudo vai se resolver.

__Você não entende, Marcelo. __Choramingo, tentando sem sucesso não assustá-lo. __Eles não querem dinheiro, pois já têm de sobra. E não há volta. Nós nunca sairemos daqui. Não vivos. Não se não dermos o que eles querem, e eu não sei e muito menos tenho isso.

__E aquele homem de que você falou?... D... __Interrompo-o colocando minha mão em sua boca.

__Shh...Ele não virá. __Sussurro, mas alto o suficiente para que eles ouçam. __Eu fugi. Ontem à noite. Somos só nós dois e deveria ser apenas eu. Eu realmente sinto muito.

__Não, Manu. Você não fez mal em me ligar. Nunca se arrependa disso. Não por minha causa. Foi a melhor coisa que já fez por mim, além de existir. Mas elas estão associadas, no fim das contas. E você não pode assumir toda a responsabilidade por eu estar aqui. Eu poderia não ter acreditado em você ou não ter vindo, embora essa segunda possibilidade me pareça impossível. Acho que posso assumir um pouco da culpa também, não?

__Não, Marcelo... Você não faz idéia. Você não merece nada disso, nada do que eu tenho certeza de que vai acontecer.

__Nem você, Manu. Você não merece nada disso.

__Eu não tenho tanta certeza. Eu não sou a mesma Manuela que você amou, senão eu nunca teria o envolvido nesse pesadelo.

__Se você quer me dar alguma recompensa ou reconforto por eu estar aqui. Eu quero que você saiba disso. Você não merece nada do que está acontecendo e do que aconteceu. Você é a melhor pessoa que eu conheço. __E então ele me beija demoradamente, não como pólvora e fogo numa grande explosão, mais como mergulhar no azul calmo do seu olhar amoroso.

Ainda no abraço de Marcelo, sabendo que não há esperanças, mas feliz por ele estar aqui comigo, me esforço para não entrar em pânico. Não há nada melhor do que não estar sozinha no seu momento final, ainda mais se é alguém que você ama, e é recíproco. Se eu não tivera a sorte de estar com meus pais na minha morte, por eles terem se adiantado a mim, eu terei o amor de Marcelo. Não posso me perdoar por tê-lo trazido comigo, mas é bom ver que ainda lhe restam esperanças. Eu tentara alertá-lo, mas ele parece decidido e seguro, no entanto sei que tudo mudará quando perceber a real dimensão de tudo.

Na escuridão da floresta densa, a qual a estrada atravessa infindável, as noções de tempo e espaço se perdem. Eu me pergunto o que eles pretendem e porque não nos executam logo, abandonando nossos corpos no bosque. Posso até mesmo imaginar o descaso da polícia, afirmando que havíamos sido roubados ou até atacados por animais selvagens, que não devem ser difíceis de encontrar na profundidade em que já adentramos a mata cerrada. Contudo meus pensamentos são interrompidos quando a floresta se abre subitamente numa espécie de clareira ampla e descampada, rodeada pelas árvores.

Ninguém poderia imaginar que no meio de uma mata fechada pudesse existir uma casa desse porte. Nem mesmo as casas mais luxuosas da minha antiga cidade se assemelham. Mesmo com seus dois andares, a casa se mantém protegida pelas árvores altas que a cercam. Ela é quase bonita no seu tom claro e sua estrutura em alvenaria, com suas amplas portas e janelas de vidro, além de uma larga piscina em sua área externa, dando um frescor inesperado a uma casa que deve ser tão sombria.

Se não fosse a localização inusitada e o número de carros importados espalhados pela área externa gramada, ela poderia ser tida como uma bela e grandiosa mansão. A natureza ao redor lhe dá uma beleza especial, a qual eu poderia admirar se fossem outras as circunstâncias.

Marcelo me abraça mais forte quando o carro pára à frente da casa. Percebo alguns homens fazendo a ronda, e pelo número de carros deve haver muito mais no seu interior. Nós não temos a menor chance. Nem mesmo se Dan aparecesse, apesar disso ser impossível, conseguiria nos salvar.

Não faço resistência quando nos forçam a sair do carro. Assim como eu, Marcelo parece resignado enquanto nos encaminhamos à porta, com seu braço protetor rodeando minha cintura. Admirando o céu, talvez num último pedido de perdão, vejo a manhã se fechar sobre nós, com suas nuvens cinzentas cobrindo o céu, como se dissesse que estamos à nossa própria sorte, e antes que eu seja levada ao meu suplício, peço apenas para mim mesma que pelo menos seja breve.

            A sala ampla, na qual entramos após nossos captores terem sido autorizados pelos guardas que vigiavam a entrada, é iluminada artificialmente por belos lustres de cristais, uma vez que pelas largas janelas de vidro entra apenas a luz cinzenta da manhã.

            Ela parece um acampamento de guerra, o que talvez realmente seja, havendo inúmeros assentos e diferentes modos de entretenimento para seus ocupantes. Alguns homens jogam cartas despreocupados como se estivessem entre amigos, o que talvez seja verdade. Outros assistem a um jogo de futebol na televisão, alguns sorrindo e dando gritos exaltados enquanto outros murmuram enraivecidos. Seria uma cena familiar de amigos ou colegas de trabalho, se não fossem suas armas destacadas em seus coldres.  E eu me surpreendo por eles demonstrarem algum sentimento humano apesar de mal repararem na minha entrada com Marcelo, ambos assustados por sabermos, assim como eles sabem, o que nos espera.

            Eu tento imaginar, sem sucesso, meu pai em meio aos homens que pouco se importam com nosso destino, e me pergunto se algum dia ele já presenciara e fora indiferente a uma execução.

Procurando sem êxito algum sinal de piedade, ou até mesmo empatia, nos rostos desconhecidos, sou conduzida a uma escada no fim da sala, atrás da qual vejo um corredor com inúmeras portas, as quais devem pertencer aos dormitórios de todos esses homens. Estamos numa fortaleza, no verdadeiro centro de operações dessa quadrilha, ou seja lá o que for tudo isso. E por mais que eu me esforce, nada do que me é apresentado faz o mínimo sentido em estar relacionado a meus pais

            Avaliando meus algozes enquanto nos encaminham num largo corredor coberto por um tapete rico e ornamentado com consoles e estátuas imponentes, me pergunto o quanto são fiéis ao seu chefe, ou se temem afrontá-lo tendo suas famílias e vidas destruídas como a minha. No entanto, antes que possa lamentá-los, sinto um arrepio percorrer meu corpo quando paramos em frente a uma porta, cujo vigia autoriza nossa entrada.

Eu me surpreendo ao entrarmos numa sala aparentemente normal, diferente da que eu fora torturada anteriormente. Parece um escritório luxuoso, com seus papéis de parede no mesmo tom claro do resto da casa, assim como tapetes e cortinas bordadas em tons de dourado e marrom. Há diversos itens decorativos como os que se espalham pelo corredor, assim como quadros e obras de arte. No entanto, a cena é roubada por um lustre ainda mais bonito que os expostos na sala no andar inferior, com todos seus cristais em formas de lágrimas e suas correntes douradas.

As três poltronas de couro distribuídas ao redor da imponente mesa de madeira escura esculpida dão um tom de formalidade à sala que poderia ser confundida com uma sala de decoração. Mas nada disso afasta meu olhar do principal atrativo da sala, alguém que eu sinto que sempre pairara como uma sombra em minha vida, mas que apenas há alguns dias se tornara real para mim.

            Um homem aparentando seus sessenta anos ocupa a cadeira atrás da mesa. Ele emana um ar intelectual e simples, tão diferente de Carvalho, apesar de parecer muito mais rico e poderoso, pelo olhar de respeito e quase medo com que os homens que nos escoltam o olham, assim como por sua autoconfiança desafiadora ao sorrir para mim e para Marcelo.

            O seu sorriso não é assustador. Eu poderia considerá-lo quase simpático se a situação não me apavorasse tanto. Ele se levanta para nos cumprimentar com um aperto de mão, antes de pedir que nos sentemos nas cadeiras à sua frente. Sua mão está fria e não transparece qualquer alteração de humor, assim como seu olhar calmo.

            Nem há motivos para tanto. Ele está no controle da situação, e suas feições demonstram que já está acostumado a isso. Sua segurança e calma quase conseguem me relaxar, contudo estremeço quando ainda sorrindo se apresenta como Silas.

            Silas percebe meu olhar aguçado e sorri placidamente, achando divertido que eu já conheça seu nome.

            __Seria impossível não saber o nome do assassino dos meus pais. __Replico irritada. Minhas mãos e meus lábios tremem, e é com dificuldade que encaro seu olhar escuro, contudo me esforço para demonstrar o máximo de indiferença. Eu não tenho absolutamente nada a perder. Eu poderia ser mais passiva na tentativa de salvar a vida de Marcelo que permanece em silêncio, quase assustado em sua poltrona, entretanto eu já tentara no caminho, sem resultado. Agora é impossível salvar qualquer um.

            Devo isso em memória a meus pais, não os envergonharei como tenho feito nesses tempos, como uma covarde. Enfrentarei seu maior inimigo e que se danem as conseqüências.

            __Na verdade, nem eu sei o nome do assassino do Agenor e da Noemi. Acho que ninguém sabe, mas todos o chamamos de Dan. Na verdade eu nem sei como ele é. Nunca tive a oportunidade. Poucos sobrevivem após terem visto seu rosto. Você é uma das poucas. Contudo me parece que você ficou íntima dele nesses últimos dias. Descobriu seu nome?

            __Não. Eu não sei. Não é disso que eu estou falando. Foi você que o pagou para matá-los. Eu só não entendo o porquê.

            __Oh, Manuela... Ainda há muitas coisas que você não entende. Acredita que com os meus sessenta e dois anos, ainda há coisas que eu não entendo? __Confessa sorrindo, como um avô zombando da ingenuidade do neto. __Não por nós não sermos inteligentes. Na verdade, o Agenor sempre me falou da sua inteligência quando conversávamos sobre sua família. Nesse mesmo escritório. Engraçado, ele sempre escolhia essa cadeira, embora seja visível que a outra é mais confortável. Nunca entendi o porquê disso.

            __Como você pode falar dele assim?! __Exclamo chorosa, com a antiga Manuela começando a vencer minhas defesas.

            __Assim como, criança? __Pergunta curioso, quase paternalmente.

            __Como... Como se gostasse dele?! __Ouço-me choramingar para minha vergonha.

            __Mas eu gosto. Ou gostava. Não sei se ele está vivo ou morto, na verdade. __Continua com uma falsa empatia, fazendo meus ossos enregelarem.

            __Eles morreram! __Exclamo num lamento, sentindo como se após tudo o que sofreram, meus pais não pudessem ter o mínimo de paz.

            __Como eu ia dizendo... __Silas continua me ignorando, ao mesmo tempo em que sinto a mão trêmula de Marcelo segurar a minha, tentando me acalmar. Eu encontro seus olhos assustados, e o pânico presente neles enche meu coração de dor. Ele finalmente percebe a gravidade da situação, mas não posso ajudá-lo. Desde que soube da morte dos meus pais esperei por esse momento e agora não posso desperdiçá-lo.

            Repouso minha mão sobre a sua, sorrindo para ele que tudo ficará bem. Por um momento, Marcelo parece acreditar e se tranqüilizar. É como consolar uma criança assustada. Seus olhos claros fixos em mim brilham com os reflexos das lágrimas que o vejo se esforçar para reprimir. E seu corpo perfeito, que fazia todas as garotas do colégio suspirarem, principalmente eu mesma, agora se encolhe na proteção da cadeira.

            Eu me arrependo ainda mais por tê-lo trazido para meu mundo terrível, e beijo sua mão antes que ele a leve de volta para a proteção de seu assento. Silas continua seu discurso nostálgico, falando mais para si mesmo, quase emocionado:

            “Quando você nasceu, há dezessete anos, ele me disse que queria morar fora do país com sua mãe e a criança que nasceria, mas eu o impedi. Ele não podia me abandonar, logo que os negócios estavam melhorando. E eu o pouparia da parte braçal, precisando apenas me ajudar a coordenar nossas ações, o que seria mais seguro para a sua família, que eu considerava como minha. Ele até me deu uma foto sua, por insistência minha, e quase anualmente trazia outras, apenas me deixando mais orgulhoso.

Você realmente ficou muito bonita, Manuela, não me admiro por Dan ter se encantado tanto por você, embora não haja justificativa para o que ele fez. Mas isso é outra conversa.

Mesmo assim, seu pai continuou a trabalhar para mim normalmente. Eu confiei nele. Nós estávamos no auge, seu pai como meu braço direito, meu aprendiz, conselheiro e amigo, quase um filho. Dei o comando de várias das minhas unidades, querendo que andasse com seus próprios passos, mas ele quis me abandonar. Como ele poderia me abandonar depois de tudo o que fizera por ele? Era como se tivéssemos um pacto de sangue. Um não existia sem o outro, principalmente ele não existiria sem mim.

Agenor disse que estava cansado dessa vida. Eu perguntei “Que vida?” e “Que vida você conhece além dessa?”. Não me deu ouvidos, por mais que eu tentasse dissuadi-lo. Insistiu e eu disse que só nos separaríamos na morte de um dos dois, e seria mais fácil a dele. Não foi nem ao menos uma ameaça, foi um comentário, uma observação.

Mas ele se apavorou. E fez o que nunca deveria ter feito. Não comigo, seu sócio e patrão, seu melhor e único amigo. Ele quis me trair. Nós vivemos numa corda bamba. Não é fácil se manter no poder, e eu devo tudo isso a lealdade dos meus serviçais.

Todos querem um pedaço do meu império, e só conseguirão isso descobrindo os segredos do meu sucesso. E quem os sabia mais do que seu pai? No qual eu sempre confiara cegamente? Então chegaram os boatos de que ele aceitara proteção dos meus inimigos em troca de dedurar meus planos e ações. Eu me recusava a acreditar, mas os boatos se tornaram fatos. Seu pai achou que eu não descobriria nem me vingaria. Quanta ingenuidade. Eu jamais queria ter sido forçado a fazer isso.

E uma forma também de me manter no poder infelizmente é o medo. Outros serviçais poderiam estar com as mesmas intenções, de me abandonar ou mesmo de me trair. Nenhum que fizesse isso seria um golpe tão grande como foi seu pai, no entanto eu preciso mostrar a todos o que acontece com quem trai minha confiança.

Por isso toda a sua família pagou. Só nunca pensei que seria tão difícil. Eu contratei executores, dentre eles o melhor, Dan. Entretanto, ele me pregou uma peça que também lhe custará caro. Eu até gosto de brincadeiras. Eu sempre lhe enviava presentes pelo seu pai, só não sei se ele chegou a lhe entregar algum deles. Lembro de umas estrelas fosforescentes, na época elas eram difíceis de encontrar e seu pai me falou que você adorava olhar o céu. Só não gosto de brincadeiras misturadas com trabalho...

Agora, por exemplo, eu quero que você me diga onde estão seus pais e por que você sobreviveu e não estou brincando.”

__Se você gostava tanto do meu pai, como pôde fazer isso com ele?! Você é um louco tirano! Ele devia confiar em você para ter trabalhado sob seu comando! Quem é você para achar que manda no universo? Você não é ninguém! __Exclamo me afastando do braço de Marcelo que tenta me segurar, levantando-me da minha cadeira para enfrentar Silas.  __Um dia que eu espero que chegue em breve você morrerá, assim como eles. E de que terá adiantado tudo isso?! Todo esse seu império de não sei o quê construído em meio ao terror, a partir de sonhos e vidas destruídos. Você será um simples mortal como todos os outros, com a desvantagem de que todos apenas se alegrarão e respirarão aliviados sobre o seu leito de morte. A mesma família que você considerava como sua está agora destruída, e o que você conseguiu com isso? Você só consegue gerar sentimentos ruins em todas as pessoas. Medo na maioria. Mas, no meu caso, eu tenho nojo de você.

Os três homens que haviam nos transportado de carro permanecem na sala e vêm furiosos para cima de mim ao ouvir minhas palavras, no entanto, com uma gargalhada calorosa e um aceno de Silas, eles voltam aos seus lugares.

__Assim como você despreza os sentimentos mais nobres das pessoas de bem, eu desprezo pessoas como você. __Continuo ignorando sua expressão divertida, apenas considerando cômico meu ataque furioso. __ E quando você morrer pagará por tudo o que fez de mal para todas essas pessoas presas pelo terror.

__Você acredita em Deus, pequena? É surpreendente que você tenha fé depois de tudo o que lhe aconteceu. Ou talvez você estar viva aqui na minha frente, após eu ter pago no mínimo cinco executores para matá-la, seja realmente um milagre. Poderíamos até brindar a isso, se eu acreditasse em milagres. Quem se importa se há céu ou inferno? E se houver, você acha mesmo que seus pais estão no céu? Você acha que eles são melhores que eu? Eu não sei a sua mãe, ela era uma prostituta assim como Maria Madalena, deve ter ido para o céu. Agora o seu pai...Tsc..tsc...Acho que não.

__Não fale assim dos meus pais! __Vocifero apontando meu dedo furiosamente contra seu rosto. Silas o olha admirado, quase como se o tivesse contemplando.

__Você acha mesmo que os conhece melhor do que eu? Fui eu quem apresentou sua mãe ao seu pai, após ter me cansado dela, se é que você me entende. E seu pai não seria nada sem mim. Você viveu a sua vida toda como uma princesa, numa mansão, com piscina, viagens, melhores escolas, melhores roupas, festas. Tudo o que você quisesse era só pedir. Nunca se perguntou se realmente merecia tudo isso? Você se achava melhor que os outros, com mais sorte? Pois eu lhe respondo. Você não merecia nada disso, nem ao menos sofreu para consegui-lo. E nada vem de graça. Talvez agora você esteja pagando seu preço. Mas não se preocupe, hoje vai ser a última prestação.

E eu volto a me sentar trêmula quando um dos homens pressiona uma arma contra minha cabeça me pedindo que eu facilite as coisas, pois ainda quer ver o final do jogo.

Eu aceno a cabeça em confirmação. E não me importo de estar mentindo. Afinal, é a última mentira da minha vida.

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