Dan já está com as malas nas mãos, enquanto a
minha permanece no mesmo lugar. E mesmo contra minha vontade, me percebo cair
em prantos enraivecida quando começo a falar:
__O
que houve? Eu só estava chateada por você ter me deixado sozinha, e eu não
falava sério. Mas você não precisava arranjar uma desculpa tão infantil para me
abandonar. Eu já disse que não quero que me abandone. Mas não posso forçá-lo a
continuar comigo. __Continuo chorando, enquanto Dan permanece imóvel me
olhando. __Eu nem deveria estar aqui pedindo para que você não me deixe. Só não
pode ser por esse motivo. Você está desistindo de mim? Tudo bem. Eu nem sei
como posso agradecer tudo o que fez por mim. E eu já devo estar prejudicando
muito a sua vida. Você deve ter outras pessoas para matar ao invés de ficar me
salvando o tempo todo.
__Eu
posso falar? __Pergunta aborrecido, descansando as malas no chão. __Eu só vim a
essa cidade para falar com um dos meus informantes, um dos intermediadores
meus, que negociou com o mandante da morte dos seus pais. Eu queria sondá-lo
para saber quem poderiam ser os mandantes. Preciso saber com quem estou lidando,
até onde vai o poder deles. Mas ele está morto. Foi assassinado num bar, para
parecer uma briga comum. Isso aconteceu hoje de madrugada, pouco antes de
chegarmos aqui. Eu ainda vi o corpo.
Ele
parece quase emocionado. Na verdade, posso ver raiva em sua expressão, mas ele
não parece assustado, e isso me acalma, me fazendo parar de chorar.
__Então
eles já estão aqui?! __Inquiro começando a guardar minhas coisas na mala.
__Talvez
sempre tenham estado. Ou façam parte de uma corporação mais forte do que eu
pensava. Nós temos que descobrir quem eles são, ou talvez você nunca possa ter
liberdade novamente, sempre estará fugindo.
__Ou
talvez seja melhor eles me pegarem. __Inicio deixando cair minha mala na cama,
decidida. Subitamente uma idéia surge em minha mente, e ela nunca me parecera
tão certa. Eu estou cansada de fazer as coisas erradas com a melhor das
intenções. Talvez seja a hora de fazer algo realmente certo. __Você pode me
matar. Uma morte rápida, se possível. E você me entrega a eles. Talvez eles
perdoem você.
__Você
é louca?! __Pergunta incrédulo, pegando minha mala e juntando-a as que ele já
carrega. __Eu não fiz tudo isso em vão. E ainda há algumas alternativas.
Ele
tranca a porta do quarto, quando saímos, e logo encontramos César na recepção,
parecendo arrasado ao ver nossas malas.
__Aqui
está o pagamento. __Diz Dan entregando duas notas de cem reais. __E pode ficar
com o troco pelos favores que prestou à minha esposa.
__Não
precisa. __César revida com um ar ameaçador que parece engraçado no seu rosto
angelical. __Foi um prazer. Ela é ótima e muito obediente. __Completa sorrindo.
Eu
sorrio de volta pedindo que nada de ruim aconteça com ele nem com Sarah.
Esperando que eu não traga apenas desgraça a todas as pessoas a minha volta.
__Eu
só não entendo... __Inicio quando estamos novamente na estrada, a qual eu
realmente consigo enxergar agora e poderia admirar se não estivesse tão
assustada. __Como meus pais podem ter se envolvido com pessoas desse tipo.
__Vocês
tem parentes?! __Dan inquiri com os olhos atentos na estrada. Nós agora
descemos o outro lado da serra, e a paisagem é deslumbrante. Do outro lado do
rio, há quase uma floresta, recortada por pequenas cidades campestres. No
entanto, tento não me distrair das perguntas de Dan.
__Não.
Eu nunca tive tios, e meus avós já morreram há alguns anos. Não há mais ninguém
que eu saiba. Mas por quê?
__Nada.
Parentes distantes podem disputar herança, mas se a questão fosse dinheiro eles
não teriam me pagado tanto. É mais plausível alguma inimizade, competição ou
questões de honra. Com o que seu pai trabalhava?
__Você
não sabe mesmo as respostas para essas perguntas? Você deve ter investigado a
nossa vida, não?
__Algumas.
Mas talvez você tenha algo a me acrescentar. Você conviveu mais tempo com a sua
família do que eu. Nunca percebeu nada de estranho? Seus pais eram muito ricos.
Não são todos os investidores que têm tanto sucesso.
__Mas
meu pai sempre trabalhou bastante. __Defendo, mais tentando convencer a mim
mesma do que a Dan. A possibilidade de a honra do meu pai sempre intacta ser
abalada após sua morte ainda me é mais dolorosa.
__No
entanto, seus avós eram ricos? __Continua ignorando meu argumento.
__Eu
nunca conheci meus avós paternos, eles morreram quando eu era um bebê. E os
pais da minha mãe tinham algum dinheiro, mas quando morreram, estavam com
dívidas que meu pai pagou.
__Ele
tinha sócios?
__Não.
__Respondo inconscientemente, mal sentindo que estou participando de um
interrogatório. Mas as respostas que Dan e eu procuramos são as mesmas, exceto
que não tenho tanta certeza se quero descobri-las. __Fazia alguns negócios em
comum. Sempre tinha alguns jantares lá em casa, e ele sempre viajava. Esses
últimos anos, os jantares e as viagens diminuíram.
__Problemas
nos negócios?
__Eu
não sei. Meus pais sempre me deixaram à margem dos negócios, e eu nunca me
interessei mesmo. Talvez nós estivéssemos com problemas e eu nem soubesse.
Agora já é tarde demais. __Concluo olhando pela janela. A movimentação dos
carros é maior do que na noite anterior, talvez porque realmente a cidade na
qual estávamos seja um ponto turístico no Natal. Eu não me entristeço por não
ter visto nevar. Uma chuva leve começa a cair, e encostando meu rosto no vidro
da janela, exclamo, quando começo a chorar:
__Eu
não agüento mais chorar! Eu não agüento mais isso. Por que meus pais fizeram
isso comigo? Eu não vejo porque continuar a viver. Não faz mais sentido. Eu
vivia uma mentira. Minha vida era perfeita, e agora eu descubro que havia
pessoas querendo destruir tudo o que eu tinha, tudo o que eu mais amava. E elas
conseguiram. Só me resta a minha vida. E eu não sei se ela vale grande coisa.
Eu desisto... Eu não sei mais o que fazer.
__Calma.
__Sinto a mão reconfortante de Dan em meu ombro quando descanso minha cabeça em
minhas mãos, caindo em prantos. Ele parece indeciso quanto ao que dizer, mas
continua. __A culpa não foi deles. E eu aposto que independentemente do que
eles tenham feito para irritar tanto esses homens, e independente de onde
estejam, eles devem estar muito mais aliviados ao saberem que você está viva.
__Por
quanto tempo?!
__Eu
não sei. Mas espero que muito. Eles te deram a vida, o mínimo que você pode
fazer por eles, em memória a eles, é realizar todos os objetivos, fazer todas
as coisas que desejaram para você. Assim estarão vivos em você, em cada
sorriso, e em cada lágrima, cada gesto, cada vez que você relembrá-los, estarão
vivos.
__Por
que você está fazendo isso por mim, Dan? __Indago, encarando seus olhos escuros
fixos em mim, ignorando a estrada que corre em alta velocidade por baixo de
nós. __Eu não entendo. Não faz sentido.
Ele
me observa por alguns segundos em silêncio. Sinto como se todas as minhas
células interrompessem suas atividades, a respiração me falha, meus músculos
param, até mesmo meu coração. É como se toda a minha energia se concentrasse
apenas nos meus olhos, apenas para registrar o máximo do brilho daquele olhar,
que parece ler minha alma.
Eu
então o vejo sorrir timidamente, e todo o meu corpo se deleita, fazendo meu
coração pular contra meu peito, e ruborizo imaginando que ele possa ouvi-lo
bater enlouquecido. É o sorriso mais lindo que eu já vi. Tão diferente do que
eu já o vira usar quando tenta persuadir os outros, a sua verdade quase me
sufoca e seu olhar brincalhão faz meus músculos tremerem, e espero que sua mão,
que permanece em meu ombro não perceba.
__Eu
me pergunto isso todos os dias, Manuela.
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